O que Bolsonaro uniu, Bolsonaro desuniu. Mesmo que ainda circunstancialmente. Foi a pandemia da Covid-19 e a resistência do governo em adotar medidas imediatas para conter a pandemia que uniram os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos dois anos. O tribunal estava coeso, os placares dos julgamentos simbolizavam essa sintonia e o vazio de notas sobre os bastidores do STF confirmavam que as 11 ilhas estavam num arquipélago.
Daí veio o caso Daniel Silveira. Inicialmente, o tribunal manteve sua coesão em razão dos ataques perpetrados pelo deputado. O relator, ministro Alexandre de Moraes, com anuência dos seus colegas, tomou decisões delicadas, como a prisão em razão das palavras que o deputado proferiu. O Supremo, atacado, uniu-se para se defender.
Com a sequência das investigações e o pedido de condenação feito pelo Ministério Público, o tribunal permaneceu significativamente coeso em torno do relator e condenou o deputado a 8 anos e 9 meses de prisão em razão dos ataques à Corte. Foram 9 votos contra 2, vencidos os ministros indicados por Bolsonaro. André Mendonça votou para condenar Silveira em menor extensão.
A condenação abriu a crise. Era fatal que haveria reações. Bolsonaro concedeu o indulto a Silveira, colocando o Supremo em situação delicada. Emitia-se um sinal verde para quem quisesse seguir o exemplo do deputado, afinal a autoridade do tribunal estava em xeque. Parlamentares da base do governo organizaram no Palácio do Planalto um ato que disseram ser em favor da liberdade de expressão, mas que verdadeiramente era contra o STF. E, para piorar, uma declaração do ministro Luís Roberto Barroso, trazia para este cenário os militares.
Repetindo o ditado popular – na casa que falta pão… -, ministros começaram a buscar os responsáveis pela fragilidade do tribunal neste momento politicamente difícil. Começaram a surgir nos jornais as hipóteses levantadas pelos ministros: o presidente Luiz Fux não mantém diálogo com a política; sem um presidente que se articula, o tribunal é surpreendido pelas crises e não tem como agir; Barroso não deveria ter atacado os militares; Alexandre de Moraes errou ao propor uma pena de 8 anos e 9 meses de pena para Daniel Silveira; o mesmo Alexandre de Moraes age solitariamente e não pensa na instituição, mas apenas nos seus planos; Cármen Lúcia mobiliza artistas no Supremo para indevidamente fazer oposição ao governo; Nunes Marques agiu como se não fosse parte do tribunal e, ao votar pela absolvição de Silveira, lavou as mãos e virou o rosto para os ataques que Bolsonaro desferiria ao tribunal; André Mendonça foi se explicar para Bolsonaro e usou o Twitter para dar satisfação de seu voto para os evangélicos.
Todas as hipóteses foram levantadas – e publicadas – nos últimos dias pela imprensa, servindo os jornais de câmara de eco para os comentários dos ministros. Algumas dessas críticas podem até fazer sentido, mas encontrar “o motivo” é hoje menos importante do que reverter o quadro institucional, como também argumentam alguns ministros.
Fazia tempo que este fenômeno – a troca de críticas entre os ministros pelos jornais – não se manifestava no Supremo. Era um termômetro importante que indicava o nível de pacificação interna no tribunal. Não significava, evidentemente, que os ministros concordassem em tudo. Ao contrário, já havia dissensos evidentes internamente, inclusive sobre votos e posições individuais dos colegas. Mas isso ficava da porta para dentro.
O caso de Daniel Silveira reativou os conflitos internos e jogou-os para fora do Supremo. Daniel Silveira é um caso ruim, uma armadilha na relação com os demais Poderes, mas não deveria ser uma arapuca para o próprio STF. O tribunal – sabem os seus ministros – precisa permanecer minimamente unido, a despeito das divergências, e coeso para enfrentar crises piores que já estão anunciadas.