Administração Pública

O novo decreto sobre parcerias do Estado com organizações da sociedade civil

Como as alterações do Decreto 8.726/16 fortalecem a participação social nas entregas de políticas públicas

decreto parceria estado
Crédito: Ricardo Stuckert/PR

Nesta semana, foi assinado novo Decreto que trata de parcerias do Estado brasileiro com organizações da sociedade civil. O Decreto 11.948/2024 altera o Decreto 8.726/2016 para aprimorar pontos centrais da relação entre governo e parceiras, em busca de maior efetividade nas entregas de políticas públicas. As inovações estão fundamentadas no aprendizado com boas práticas regulatórias de estados e municípios ao longo dos primeiros anos de implementação do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC).

Sancionada em 2014, a Lei Federal 13.019, que instituiu o MROSC, atendeu a um pedido histórico das organizações da sociedade civil: um regime jurídico próprio para as parcerias entre a administração pública e as organizações, em mútua cooperação, para a execução de políticas públicas. Regulamentado pelo Decreto 8.726/16, o MROSC inaugurou três novas modalidades: termos de colaboração, termos de fomento e acordos de cooperação.

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Apesar do enorme potencial do novo marco regulatório, com a interrupção do governo Dilma Rousseff, tornaram-se espinhosos os caminhos da gestão pública democrática. Os processos de participação social foram asfixiados, em especial a partir de 2019, criando ambiente pouco propício ao fortalecimento das parcerias como ferramenta de implementação efetiva de políticas públicas na administração pública federal. Nesses anos difíceis, a agenda de debates e as iniciativas de inovação em parcerias puderam florescer em alguns espaços estaduais e municipais, gerando conhecimentos e vivências que agora podem ser valorizados também na esfera federal.

Felizmente, desde 2023, o governo federal reassumiu seu papel de líder e mobilizador nacional no campo, retomando o compromisso da entrega de políticas públicas de qualidade para a população, reconhecendo a importância das parcerias com as organizações da sociedade civil (OSC) na sua construção e implementação.

A Secretaria-Geral da Presidência da República instalou Grupo de Trabalho Técnico com o objetivo de revisão do decreto regulamentador do MROSC, o qual compilou contribuições de especialistas e gestores da sociedade civil e de 19 ministérios. Em seguida, realizou-se ampla Consulta Pública, resultando em mais de 400 contribuições recebidas de 19 estados diferentes. O processo total de revisão gerou mais de 170 alterações no regulamento vigente em 35 artigos e contou com estreita colaboração da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério da Gestão, da Inovação em Serviços Públicos, da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Casa Civil.

Publicado no último dia 12 de março, o Decreto 11.948/2024 traz mudanças importantes nas diferentes fases da gestão de parcerias: planejamento, seleção, celebração, execução e prestação de contas.

A nova redação do artigo 4º retoma o protagonismo do governo federal na coordenação da implementação da Lei 13.019/2014, com a responsabilidade de apresentar critérios orientadores para definição de objeto, metas, custos e indicadores de avaliação de resultados.

Nas regras de chamamento público, os ajustes tornam a redação mais clara e promovem maior inclusão, tratando de medidas de acessibilidade e de roteiros precisos e simplificados para orientar a elaboração das propostas das OSC. O §6º do artigo 9º prevê que o edital poderá estabelecer critérios de focalização, visando a redução das desigualdades e a inclusão de diferentes públicos. Já o §12 prevê que, ao elaborar o edital, a administração pública federal deverá assegurar, sempre que possível, a participação social, fazendo com que os requisitos exigidos sejam mais aderentes à realidade.

Ainda no artigo 9º, fica prevista a possibilidade da utilização de critérios de julgamento qualitativos, como inovação, criatividade, territorialidade e sustentabilidade, que reforçam o disposto no art. 5º da Lei 13.019/2014.

Com as alterações efetuadas no artigo 13, torna-se possível a participação de representantes da sociedade civil nas comissões de seleção de OSC, sendo recomendado que esse representante seja indicado pelo conselho gestor da política pública na qual o edital se insere. Essa alteração busca promover maior participação nos processos de contratualização do Estado com OSC.

Para etapa de celebração foram realizados ajustes que impactam nos instrumentos jurídicos que formalizam a parceria, visando, sobretudo, desburocratizar a sua execução, encaminhando questionamentos amplamente apontados pelas OSC e gestores públicos.

A titularidade de bens adquiridos pela OSC com recursos da parceria é revista no artigo 23 do Decreto 8.726, racionalizando procedimentos. A partir da nova regra, os bens remanescentes das parcerias são, via de regra, propriedade das OSC, possibilitando que as entidades sigam realizando suas atividades de interesse público. As exceções a essa regra devem estar explicitadas no instrumento de celebração de parceria, tendo a administração pública prazo de sessenta dias para providenciar a retirada dos bens, garantindo a celeridade necessária para que não haja interrupção na prestação do serviço público, tampouco prejuízos às OSC decorrentes da guarda dos bens.

Ainda na etapa de celebração, é importante mencionar a alteração do artigo 25, com inclusão do §1º que torna mais claros os elementos que podem ser utilizados para a comprovação da compatibilidade dos custos apresentados com os preços praticados no mercado.

No artigo 33, foi incluída a possibilidade de rescisão motivada pelo inadimplemento da administração pública, promovendo mais equidade entre as partes contratantes por meio de regras que vinculam os parceiros público e privado em suas responsabilidades. O objetivo é promover maior segurança jurídica e impedir que as organizações sejam prejudicadas por atrasos na liberação de recursos.

No mesmo intuito de promover maior segurança jurídica, alterou-se o artigo 39 para detalhar com quais gastos a OSC pode utilizar o recurso recebido. Fica estabelecido que as OSC poderão realizar quaisquer despesas previstas no plano de trabalho, desde que necessárias à execução do objeto.

Também na etapa da execução da parceria, é prevista a possibilidade de pagamento de direitos trabalhistas, inclusive verbas rescisórias, com recursos da parceria. A alteração, promovida no artigo 42, evita que as OSC incorram em práticas que fragilizam os vínculos com seus funcionários e reduz eventuais riscos jurídicos para a administração pública.

Cabe também ressaltar duas alterações que visam dinamizar a aplicação dos recursos para atingimento dos objetivos da parceria e entrega de políticas públicas. São mudanças promovidas nos artigos 42 e 43 e que, respectivamente, autorizam alterações de até 10% do valor global no plano de trabalho sem necessidade de autorização prévia, e ampliação de até 50% do valor global da parceria por meio de termo aditivo.

No tema do monitoramento e avaliação, no artigo 14, é retirada a hipótese de impedimento para servidor que tenha participado da comissão de seleção. A alteração se justifica porque não se configura em tese conflito de interesse, uma vez que a participação na seleção deve seguir critérios objetivos, qualitativos e quantitativos, previstos em edital.

Também foi realizado ajuste no artigo 51 do Decreto a fim de possibilitar que instâncias de controle social da política pública tenham um papel nas ações de monitoramento e avaliação dos termos de fomento ou colaboração, garantindo que o acompanhamento e verificação das ações da parceria seja feito não apenas sob o olhar da administração pública, mas também da sociedade civil.

As alterações no Decreto 8.726/16 resultam de um esforço contínuo para aprimorar as parcerias entre a administração pública e as OSC. A introdução de novas regras para o chamamento público, o aperfeiçoamento das condições contratuais na celebração, a busca por eficiência na execução e o foco no controle por resultados durante a prestação de contas são passos significativos em direção a uma gestão mais eficaz e responsável dos recursos públicos, e mais coerentes com a Lei 13.019/14.

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