Gestão federal

Como a máquina pública se adapta à transformação digital?

Governo tem até novembro para apresentar a Estratégia Nacional, que servirá de guia para estados e municípios

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Crédito: Unsplash

Aproxima-se o fim do prazo para que o governo federal, com apoio de estados e municípios, apresente um plano conjunto que servirá de referência para ampliar a oferta de serviços digitais à população. A Estratégia Nacional de Governo Digital será um guia para que governos estaduais e prefeituras se estruturem para a virada digital. E é uma prova de fogo na relação entre os diferentes níveis de governo.

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Até o final de outubro, uma série de oficinas, presenciais e virtuais, serão realizadas com o objetivo de compreender dúvidas e discutir os mais diferentes obstáculos para a transformação digital. Esse documento será levado à Casa Civil e deve amparar um decreto presidencial.

“O mais importante é ouvir e consolidar ideias. Temos que identificar qual ação deve ser conduzida em determinado local e ver se o governo federal já tem solução disponível. Discutimos conectividade e a formação de consórcios, entre outros temas”, explica o secretário de Governo Digital do Ministério da Gestão, Rogério Mascarenhas.

Nesse processo, a rede gov.br, que já incorporou 150 milhões de brasileiros, com cerca de 90% dos serviços federais digitalizados, tem papel central. Ela pode servir como plataforma de serviços nos três níveis de governo. Atualmente, 500 municípios já estão integrados.

Mas o caminho até lá não é simples. No momento, uma das discussões mais difíceis diz respeito ao compartilhamento das bases de dados, com o login para a plataforma de serviços centralizado na rede gov.br.

O presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Administração (Consad), Fabrício Barbosa, explica que é crescente o movimento de estados que querem ter autonomia, com um sistema próprio de acesso, o que cria um primeiro e importante obstáculo.

“Isso envolve sempre política. Se, em algum momento no futuro, tiver uma virada de chave… Alguns questionam: ‘e se esse serviço passar a ser cobrado?’. Os estados querem ter autonomia. Há como fazer isso tecnicamente. Esse tema ainda não foi resolvido, mas reconhecemos que há diálogo aberto da parte do governo”, afirma Barbosa.

A integração de dados é crucial para implementar a Carteira de Identidade Nacional (CIN), que é o principal elo da estratégia nacional. Hoje, 12 estados emitem a CIN, que já está nas mãos de 1,6 milhão de pessoas. Ela unifica as diferentes bases de dados, dificulta fraudes e conecta todo o ciclo de vida do cidadão. Mas, até agora, por exemplo, estados como São Paulo ainda não aderiram.

Outro grande desafio é garantir conectividade nas regiões Norte e Nordeste. Atualmente, cerca de 25% dos brasileiros ainda não se conectam. Atacar esse flanco significa oferecer acesso à internet, especialmente pelo celular, e reduzir a falta de letramento digital. Os dois temas, que também demandam soluções federativas e intersetoriais, estarão presentes na estratégia.

Dinheiro, capacitação e concurso para a transformação

Em paralelo às tratativas para ajustar a estratégia nacional, associa-se o dever de capacitar servidores, inclusive para lidar com inteligência artificial, reter talentos e garantir dinheiro para superar o desafio tecnológico. E, de novo, a engenharia não é simples.

No caso do governo federal, a primeira tarefa é assegurar recursos no Orçamento de 2024 para dar a arrancada na integração com estados e municípios. Uma conta inicial aponta que serão necessários R$ 100 milhões, além dos R$ 200 milhões destinados ao governo digital ao longo deste ano. A reserva dessa verba, porém, ainda depende de negociação com a área econômica.

Em relação aos recursos humanos, as atenções se voltam para a carreira dos analistas de tecnologia em informação (ATIs), que são os “indutores dessa transformação digital”, como explica o secretário Rogério Mascarenhas. Os ATIs foram incluídos no grupo de quatro carreiras que devem ser contempladas com um projeto de lei visando sua reestruturação.

Atualmente, a administração federal conta com um time de 430 analistas. No entanto, a demanda de trabalho é para 850 servidores. No concurso aprovado em julho pelo governo, novas 300 vagas de ATIs foram criadas.

Mas a estratégia de governo digital extrapola a atuação dos ATIs e requer uma mudança de cultura no funcionalismo. Nesse contexto, o governo discute de que forma o primeiro concurso unificado, em 25 de fevereiro de 2024, já exigirá novos conhecimentos sobre o mundo digital.

“Ainda não se bateu o martelo, mas há uma possibilidade real de que esse novo concursando já tenha a necessidade de olhar como a tecnologia pode ajudar no seu trabalho”, explicou Mascarenhas.

No caso de estados e municípios, o desafio orçamentário é enfrentado com linhas de financiamento, com destaque para a atuação de Banco Mundial, BID, GIZ (Alemanha), além do BNDES e da Caixa. O Ceará, por exemplo, já se vale de recursos para estruturar a sua transformação digital, com bons resultados apurados.

Para capacitar servidores, os estados também apostam nos novos concursos. Na avaliação do presidente do Conselho de Secretários de Administração, só uma nova legislação de concursos pode construir quadros preparados para atuar nas demandas digitais.

Até o final do ano, os secretários de administração devem apresentar ao Ministério da Gestão suas sugestões de mudança na lei para atualização dos concursos públicos, com enfoque no digital.

Não custa lembrar: a aprovação do PL dos concursos, que tramita no Senado, ainda não tem consenso no governo federal.

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