Corte IDH

Corte internacional condena Brasil em dois casos de mortes por violência policial

Tribunal considerou país responsável por 12 mortes na Operação Castelinho, em SP, e por assassinato de membro do MST no PR

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Crédito: Marcelo Camargo/ABr

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Brasil nesta quinta-feira (14/3) em dois casos de mortes derivadas de violência policial. O Tribunal Internacional considerou o Estado brasileiro responsável pela violação de direitos humanos na ação que levou à execução extrajudicial de 12 pessoas pela polícia na chamada Operação Castelinho, em São Paulo, em 2002, e pela atuação de agentes da PM que resultou no assassinato de um trabalhador rural, integrante do MST, em 2000, no Paraná. 

No primeiro caso, a Corte considerou que o Brasil violou os direitos à vida, às garantias judiciais e à proteção judicial, à verdade e à integridade das pessoas executadas e seus familiares, e determinou que o Estado estabeleça uma série de medidas de reparação. 

A Operação Castelinho ocorreu em 5 de março de 2002, e tinha o objetivo de prender um grupo criminoso que estaria preparando um roubo a um avião que aterrissaria no aeroporto de Sorocaba, no interior de São Paulo, com uma grande soma de dinheiro. A ação ocorreu na rodovia Senador José Ermírio de Moraes, a chamada Castelinho (SP-075), em Sorocaba. 

Quando o grupo chegou à praça de pedágio, foi interceptado por agentes de polícia que interromperam o trânsito, rodearam o comboio e dispararam durante aproximadamente dez minutos. Gerson Machado da Silva, Djalma Fernandes Andrade de Souza, Fabio Fernandes Andrade de Souza, Laercio Antonio Luiz, José Airton Honorato, Luciano da Silva Barbosa, Jeferson Leandro Andrade, Sandro Rogerio da Silva, Aleksandro de Oliveira Araujo, José Maria Menezes, Silvio Bernardino do Carmo e José Cicero Pereira dos Santos morreram em consequência de hemorragias internas causadas por feridas de projétil de arma de fogo.

Segundo a PM, as vítimas pertenceriam a uma facção criminosa e teriam reagido à ação da polícia. Mas investigação posterior constatou que a história do avião que transportava dinheiro tinha sido inventada pelo Grupo de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância (GRADI) para incitar a perpetração do roubo. Para a Corte, a ação foi planejada e realizada por agentes estatais para executar extrajudicialmente essas pessoas. 

Falhas posteriores na investigação do caso e a falta de um prazo razoável do processo também foram destacadas pela Corte na notificação da sentença. Segundo o Tribunal, os trabalhos investigativos iniciais no local dos fatos foram realizados exclusivamente pela Polícia Militar, órgão ao qual pertenciam os agentes envolvidos na execução e que, portanto, não possuíam garantias de independência e imparcialidade. 

Os juízes ressaltaram que houve graves omissões no levantamento de provas para o caso, além de alteração da cena do crime, que tiveram consequências negativas para todo o processo penal e dificultaram o acesso à justiça dos familiares. 

Entre as medidas de reparação, a Corte determinou que o Estado pague indenizações e ofereça tratamento médico, psicológico e psiquiátrico aos familiares, além de realizar ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional. Ordenou ainda que o Estado brasileiro crie um grupo de trabalho para esclarecer a atuação do GRADI no estado de São Paulo, incluindo as circunstâncias da execução extrajudicial das vítimas. 

Determinou também que o Brasil adote as medidas necessárias para garantir a implementação de dispositivos de geolocalização e registro de movimentos de policiais e viaturas no estado, e que conte com um marco normativo que permita que todo agente policial envolvido em morte resultante de ação policial seja separado temporariamente de suas funções ostensivas até nova determinação das corregedorias.

Morte no Paraná

Na mesma quinta-feira, a Corte IDH anunciou sentença na qual considerou o Estado brasileiro também responsável pelo uso desproporcional de força empregada por agentes da Polícia Militar que resultou na morte do trabalhador rural Antônio Tavares Pereira, que se manifestava com outros 197 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná.

Em 2 de maio de 2000, vários ônibus com integrantes do MST e crianças se dirigiam a Curitiba para realizar uma marcha pela reforma agrária em frente ao edifício do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). 

No trajeto, alguns ônibus foram detidos pela Polícia Militar, que revistou os passageiros e confiscou vários objetos. Em seguida, os agentes escoltaram a caravana até Curitiba. Mas, antes de chegar, ordenaram aos manifestantes que retornassem ao interior do Paraná, alegando que não tinham autorização para entrar na cidade.

Depois de haver percorrido alguns quilômetros da estrada para o retorno, o ônibus no qual viajava Tavares Pereira parou ao ver que outros ônibus que levavam manifestantes até Curitiba estavam detidos no sentido contrário da estrada. 

Alguns manifestantes desceram e cruzaram a pista para se unir aos trabalhadores rurais que estavam na via aguardando liberação. Foi quando policiais militares realizaram disparos, e um dos projéteis ricochetou no asfalto e Tavares Pereira. Policiais desobstruíram a estrada com o uso de gás lacrimogêneo e balas de borracha, em uma ação que resultou em ao menos 197 pessoas afetadas e deixou 69 feridas.

Para a Corte Interamericana, o impedimento a que os manifestantes entrassem em Curitiba violou os direitos à liberdade de pensamento e expressão, de reunião, da criança e de circulação e residência, às garantias judiciais e à proteção judicial, em prejuízo de Antônio Tavares Pereira, seus familiares e os demais trabalhadores.

O Tribunal concluiu que a morte de Tavares Pereira foi consequência do uso indevido de armas de fogo para dispersar uma concentração de pessoas que incluía crianças, sem que houvesse ameaça iminente de morte ou lesão grave aos manifestantes, ao público ou à força pública. 

O Tribunal considerou que o Estado brasileiro fez uso da força de forma desproporcional contra os demais trabalhadores que participavam da marcha e descumpriu sua obrigação de proteger a integridade física e psíquica de ao menos 69 pessoas, incluindo seis crianças, assim como a integridade psíquica de 128 pessoas, em violação ao direito à integridade pessoal e aos direitos da criança. 

Quanto ao processo penal militar aberto para investigar a morte de Tavares Pereira, a Corte considerou que a aplicação da jurisdição militar à investigação e ao julgamento do caso contrariou a Convenção Americana. 

Alega ainda que o Estado falhou na preservação do local dos fatos e na obtenção, recuperação e preservação de provas. E que não realizou diligências de investigação sobre as lesões ocasionadas aos manifestantes, nem foi efetivo na sanção dos responsáveis. 

O Tribunal determinou diversas medidas de reparação, entre elas o custeio de indenizações e a oferta de tratamento médico, psicológico e psiquiátrico gratuito aos familiares de Tavares Pereira e às vítimas feridas na marcha. 

Ordenou também que o Estado brasileiro realize um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional e que adote todas as medidas adequadas para proteger o Monumento Antônio Tavares Pereira. 

Participaram da elaboração de ambas as sentenças os juízes Ricardo C. Pérez Manrique (Uruguai), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia), Nancy López (Costa Rica), Verónica Gomez (Argentina) e Patricia Pérez Goldberg (Chile). O juiz Rodrigo Mudrovitsch (Brasil), vice-presidente da Corte, não participou da deliberação e assinatura das sentenças que envolvem o Estado brasileiro, em conformidade com os regulamentos do Tribunal.

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