DEMOCRACIA

Levitsky: ‘é sempre uma ameaça eleger alguém sem compromisso com democracia’

‘Por isso, acho que EUA cometeram um grande erro em 2016 e os brasileiros cometeram um grande erro em 2018’, disse

Levitsky
Steven Levitsky, coautor de “Como as Democracias morrem”: “A despeito de todos os problemas que o Brasil está enfrentando, como a desigualdade e a violência, o reforço democrático dos últimos 30 anos foi notável. Entre 2014 e 2015, era uma das democracias mais fortes da América Latina”. Crédito: The Harvard Gazette

O professor do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Harvard Steven Levitsky, coautor de “Como as Democracias morrem”, diz que a democracia brasileira se fortaleceu muito ao longo das últimas três décadas, mas faz a ressalva de que o país enfrenta crises em sequência há seis anos. “Em 2018, antes da eleição de Bolsonaro, eu dizia que o Brasil estava na tempestade perfeita”, afirma.

“Estava com um grande escândalo de corrupção, uma grande crise econômica, uma onda de violência e, além disso, tivemos a eleição desse líder autocrático, uma pandemia e uma das piores reações à pandemia no mundo”, lista o professor, convidado especial na estreia da nova série do JOTA para discutir os desafios da democracia brasileira e o papel do Judiciário na defesa da Constituição.

O projeto se chama “Democracia e Constituição: Voz e Letra”, baseado em um discurso de Ulisses Guimarães. Neste ciclo, vamos ouvir atores dos Três Poderes, da academia e da sociedade civil para aprofundar o debate, tão importante à previsibilidade institucional do país, missão primordial do JOTA.

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No webinar inaugural, o professor Steven Levitsky enaltece a força das instituições no Brasil:

“As instituições brasileiras são robustas, o Congresso brasileiro não é fácil de ser manipulado como no Equador e Peru, por exemplo. O STF não é fácil de ser intimidado como é, por exemplo, a Suprema Corte na Venezuela. As instituições brasileiras têm uma chance muito forte de sobreviver a essa crise, e de sobreviver ao Bolsonaro”.

Sobre o presidente Jair Bolsonaro, ele afirma que durante a campanha havia indícios claros sobre quais posturas ele teria caso fosse eleito.

“Foi um candidato que revelou não estar comprometido com a democracia, tinha instintos autoritários e demonstrou isso na campanha”, lembra. “Pelo padrão, essa pessoa também vai se comportar assim quando assumir o poder”, explica. “É muito importante hoje em dia não eleger candidatos que não tenham compromisso com a democracia”, ressalta. “Na maior parte das vezes, quando a gente elege alguém com instintos autoritários, esse líder político vai perseguir as instituições democráticas”.

Para Levitsky, Trump fracassou nesse sentido e Bolsonaro também não está tendo êxito. “Mas é sempre uma ameaça eleger alguém que não tenha um compromisso total com as instituições democráticas”, alerta. “Por isso, acho que os Estados Unidos cometeram um grande erro em 2016 e os brasileiros cometeram um grande erro em 2018”.

Ele explica que é um equívoco pensar que o estilo de Bolsonaro é mais retórico do que real.

“Muitos observadores e eleitores de Trump falavam ‘não presto atenção no que ele fala’ ou ‘ele não vai se comportar assim se for eleito”, lembra. “A gente descobriu que essa retórica antidemocrática antes de assumir o poder prevê um comportamento autoritário quando a pessoa chega ao poder. Essas pessoas costumam fazer o que dizem que vão fazer”.

E a falta de respaldo político, avalia, motiva choques com outros Poderes. “Muitos populistas chegam ao poder e são isolados do ponto de vista político, porque não tem maioria no Congresso, não tem muitos aliados na Suprema Corte e não costumam ter muitos amigos na imprensa”, diz.

“Mesmo que eles não cheguem à presidência com um grande plano de um regime autoritário, rapidamente eles entram em conflito, porque não conseguem aprovar nada no Congresso, a imprensa é dura nas críticas, e em alguns meses os autocratas eleitos entram em conflitos com instituições importantes”.

Segundo o professor, cabe uma reação da sociedade civil. “A sociedade organizada, os grupos de interesse, as empresas, o setor privado, e os cidadãos precisam se opor a qualquer tipo de abuso e, se necessário, se mobilizar contra esses abusos”, defende. “Nos Estados Unidos, por exemplo, essa onda atual de manifestações, eu acho que vai ter um papel muito importante no enfraquecimento de Donald Trump”, prevê.

Com o coronavírus, os atos podem ser adiados. “A Covid-19 dificulta muito a organização da sociedade nas ruas. Quando as pessoas têm medo de sair de casa isso, a curto prazo, enfraquece a capacidade de a sociedade agir coletivamente contra um autocrata”, afirma. “Crises sanitárias, nesse caso, criam uma oportunidade dessas autoridades continuarem no poder, a gente viu isso na Índia e nas Filipinas”.

Levitsky foi questionado sobre a fala de Bolsonaro na reunião ministerial de 22 de abril, quando disse que era preciso armar a população para evitar uma ditadura.

“Quando a gente vê um presidente falando em armar a população para defender o governo, esse é um prelúdio para uma crise” explica.

“É o tipo de discussão que vimos no Chile no início dos anos 70, no Brasil no início dos anos 60 e na Espanha da década de 1930. Com grande frequência, isso não acaba bem”.

Democracias sólidas, segundo o professor, não têm um grande número de militares no governo. “A gente costuma ver muitos militares no governo em regimes que estão se desfazendo ou que estão em crise, como o Chile na década de 70, ou regimes que não são totalmente democráticos, que são híbridos”, conclui.

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