
O resultado das eleições presidenciais no Brasil no dia 30 de outubro foi bem recebido pelos governos europeus e a União Europeia. O novo governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva terá seu início em janeiro de 2023, mas já se pode perceber algumas consequências para as relações entre o Brasil e a Europa. Sinalizações do governo alemão, do governo francês, e da própria União Europeia, foram claras em saldar o novo presidente eleito e demonstrar a expectativa de que sejam retomadas boas relações diplomáticas, em um interesse de articular uma política de cooperação com o Brasil.
A celeridade nas reações pode ser creditada à uma preocupação generalizada acerca do ambiente político em que o Brasil se encontrava. Teve destaque na Europa as diversas acusações que foram feitas por ambas as partes em suas campanhas eleitorais, e havia a preocupação de certa instabilidade institucional após o fim das eleições. Com o fim das manifestações percebidas pelas rodovias brasileiras, acredita-se que haverá o respeito às instituições democráticas do país e que o Brasil tenha novamente uma política econômica mais diplomática e sensata com o resto do mundo.
Lula e a União Europeia (UE) já se manifestaram sobre o Acordo de Associação Mercosul-UE assinado em 28 de junho de 2019, ainda pendente de ratificação. Mesmo que haja algumas divergências sobre o caminho a trilhar, seja reabrindo o texto (como sugeriu Lula), seja mantendo como está para que seja implementado (como quer a UE), há uma clara mudança na disposição da UE para retomada deste importante acordo. Alguns países-membros da UE, em especial a França, haviam expressado seu desinteresse, à época da assinatura em 2019, de ratificar o acordo nos termos existentes, em especial pela ausência de compromissos mais firmes em questões de sustentabilidade e redução do desmatamento.
A expectativa existente atualmente é que essa temática torne a ser ponto comum entre os interesses do Brasil e da UE, conforme o primeiro discurso de Lula como presidente eleito deixou transparecer, ao enfatizar a importância destes mesmos temas. Isso certamente melhorará o ambiente na Europa para que o acordo seja ratificado e finalmente implementado, após mais de 20 anos de tratativas.
A discussão do regulamento em trâmite no Parlamento Europeu acerca de produtos livres de desmatamento (tema abordado nesta coluna aqui e aqui) pode tomar novos contornos e fazer parte de uma articulação maior, no bojo do Acordo de Associação Mercosul-UE.
A mudança de postura do novo governo eleito permite maior receptividade nas negociações de classificação de risco e dos acordos de cooperação que estão previstos no texto do regulamento ainda a ser aprovado pelo Parlamento Europeu. Políticas coordenadas entre as duas partes certamente contribuirão para a redução do risco do Brasil, o que trará ganhos comerciais aos produtores das commodities agropecuárias afetadas pelo regulamento.
Esse alinhamento abre também caminhos para a discussão de um mercado de carbono integrado entre as duas partes. Ainda que a UE atualmente não permita a compensação de seus limites de emissão com créditos de carbono emitidos fora do seu território, isto poderá mudar, uma vez que a nova sistemática do Acordo de Paris for devidamente efetivada. Havendo estruturas confiáveis e verificáveis de créditos de carbono no país, e uma regulação local eficiente, o Brasil poderá negociar junto à UE a abertura de seu mercado aos créditos brasileiros, inclusive buscando financiar o reflorestamento de áreas degradadas.
Outro ponto de clara sinergia, e que será favorecido por uma articulação política harmoniosa, é o emergente mercado de hidrogênio verde (abordado nesta coluna aqui e aqui). O Brasil tem enormes potenciais na produção do hidrogênio por meio da utilização de energia renovável para a quebra da molécula da água. Um governo com espaços diplomáticos e comerciais poderá se valer do interesse e de recursos financeiros e tecnológicos da UE, que busca incentivar a produção do hidrogênio verde para sua compra futura.
Esta alavancagem do mercado interno pode, e deve, servir para capitanear a transição energética dentro do Brasil. Isto traria inegáveis benefícios ao país, com a descarbonização de sua matriz industrial, principalmente de transportes pesados, a siderurgia, e ainda mais importante, servir como potencial catalizador para a estruturação de uma indústria nacional de fertilizantes verdes.
A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP 27), que ocorre entre 6 e 18 de novembro em Sharm El-Sheikh, no Egito, será um bom termômetro desta nova relação do Brasil com o mundo. A convite do país organizador, Lula estará presente, e poderá se valer desse fórum internacional para discutir os temas de sustentabilidade que formam a base dos desafios e oportunidades que o Brasil terá pela frente.