Levantamento desenvolvido pela organização global de saúde pública Vital Strategies em conjunto com a Universidade Federal de Pelotas sobre fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis deixa clara a urgência na adoção de medidas voltadas para população jovem no país.
Os dados mostram que, muito além de hábitos pouco saudáveis, pessoas entre 18 a 24 anos já estão adoecidas e boa parte delas, embora com prescrição, não seguem o tratamento para controlar problemas como diabetes e hipertensão.
Os números assustam: 1,4 milhão de entrevistados nessa faixa etária têm hipertensão, 750 mil têm diabetes, 5,5 milhões têm ansiedade e 2,4 milhões, depressão. Ainda nesta faixa etária, das pessoas com diagnóstico de hipertensão 47% têm prescrição para uso de medicamentos, mas quase metade (46%) despreza as orientações.
No caso da diabetes, a situação é pior: 89,1% dos entrevistados com diagnóstico da doença têm prescrição para uso de medicamentos, mas 60,4% não seguem a terapia indicada.
A falta de adesão ao tratamento nessa faixa etária é muito maior do que na população brasileira. No caso de hipertensão, o levantamento mostrou que 12,5% da população não usa o tratamento prescrito. Entre pessoas com diagnóstico de diabetes, o percentual dos que estão sem tratamento é de 18%.
O adoecimento da população tão jovem e a falta de adesão ao tratamento devem exercer um fator maior de pressão para a saúde pública.
Não é de hoje que se espera um aumento da demanda pelos serviços de saúde, provocado sobretudo pela tendência de envelhecimento da população e da escalada da obesidade. O que não se imaginava era que a pressão fosse reforçada por outro movimento, o de adoecimento precoce da população.
Gerente sênior de DCNT da Vital Strategies, Luciana Sardinha ressalta a necessidade de linhas de cuidado específicas para a faixa entre 18 e 24 anos. Especialista técnica da Vital Strategies, Érika Aquino, afirma que se a tendência não for revertida, os impactos poderão ser sentidos também no aumento da mortalidade do país.
Além de diagnóstico e uma ação estratégica para garantir que a população (tradicionalmente avessa a tratamentos) siga terapia recomendada, é preciso a adoção de ações que transcendem a área de saúde.
Mais ainda, abandonar a ideia de que os hábitos dependem apenas de escolhas individuais. “Não podemos culpar o indivíduo”, diz Luciana. E ela completa o raciocínio. Não basta dizer que uma pessoa precisa fazer exercícios, adotar uma alimentação com mais frutas e verduras e menos ultraprocessados se alimentos frescos estão menos disponíveis, se são mais caros ou, ainda, se a maior parte do tempo livre é consumida em transporte público, reduzindo, assim, tempo para preparo de alimentos ou para prática de esportes.
Além disso, se não há espaços públicos para prática de exercícios de forma segura, provavelmente jovens vão passar o tempo em frente de telas de computador ou associar o lazer ao uso de bebidas alcoólicas.
Para o diretor-executivo da Vital, Pedro de Paula, os dados reforçam a necessidade de ampliar campanhas sobre fatores de risco entre jovens e adolescentes, como consumo de bebidas alcoólicas e tabagismo.
Chama atenção ainda o fato de que, embora a venda de cigarro eletrônico seja proibida no país, 17,3% dos jovens relatem já ter usado o produto. Muitos dos quais nunca haviam usado o tabaco convencional.
Feito a partir da entrevista por telefone com 9.000 brasileiros adultos entre janeiro e abril, o levantamento é divulgado num momento em que o país discute também a tributação de produtos nocivos à saúde. Os dados são, assim, mais um elemento a se pesar para saber o que o país escolhe: criar de fato condições para reduzir uma tendência de adoecimento ou estratégias que ficam apenas no discurso.