O Congresso Nacional deu uma demonstração, nesta quarta-feira (5), do que vai priorizar na agenda até outubro: na mesma noite, foram aprovados pisos salariais para enfermeiros, agentes comunitários de saúde, além de garantir, de forma permanente, o valor mínimo de R$ 400 do Auxílio Brasil. O interesse por medidas que possam melhorar a popularidade dos parlamentares que dependem da população para permanecer em Brasília não é novidade em ano eleitoral, mas o que chama atenção na gestão de Jair Bolsonaro é a fragilidade do governo nas negociações, mesmo depois de ceder ao Legislativo, na prática, o controle do orçamento em troca de apoio.
No caso do PL 2564/2020, analisado pelos deputados, o Planalto sabia que, por impedimentos relacionados às regras fiscais, não conseguiria sancionar a medida se não fosse acompanhada por ajustes que envolvessem, por exemplo, a fonte de custeio. Mesmo com maioria na Casa, inflada ainda mais após a janela partidária, a articulação do governo sequer conseguiu fazer prevalecer, nos bastidores, as orientações de mudanças na redação do texto antes do assunto ser analisado no plenário, diante de dezenas de enfermeiros que acompanharam a sessão da galeria da Câmara.
Depois de ouvir o “não” da relatora, deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), restou agarrar-se à promessa de que, além de uma eventual promulgação de uma mudança constitucional que ofereça mais segurança jurídica na implementação do aumento, o Congresso terá de responder como a União poderia pagar a despesa total de R$ 16 bilhões, sendo que a maior parte envolve entes federados, hospitais privados e filantrópicos.
Como a solução está longe de consenso, o governo não perdeu o sono pela irresponsabilidade fiscal dos deputados. O cálculo é que o projeto levará meses para ser implementado, o que daria tempo inclusive de uma eventual judicialização diante da reclamação de entidades nacionais de saúde. A diferença entre discurso e prática, no entanto, não é suficiente para apagar o impacto eleitoral das inúmeras manifestações demagógicas dos parlamentares nas redes sociais, para dizer que votaram favoráveis à medida que reconhece uma categoria que fez tanto ao país na pandemia.
O faz de conta também serve para lembrar que, mesmo sendo o principal aliado do governo no Congresso, o interesse do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pela recondução ao cargo se sobrepõe ao desejo de reeleição de Bolsonaro, e isso implica na costura de acordos com partidos que não compõem a base do governo.
A quem possa interessar, já circula pelo centrão um levantamento feito pela articulação política do Planalto com a indicação de 144 proposições de piso salarial já em andamento na Casa. É o reflexo da lógica do próprio Bolsonaro, que ordena um reajuste à sua base eleitoral, mesmo ciente das restrições orçamentárias.