As eleições concomitantes do presidente e dos governadores no caso do Brasil representam oportunidades para a coordenação eleitoral. Quando há candidatos à Presidência da República com significativas chances de vencer as eleições, indicadas pelas pesquisas de intenção de voto, há incentivos para os candidatos aos cargos executivos nos governos estaduais se alinharem procurando ganhar apoio do mesmo eleitorado.
A eleição de 2018 foi inédita. Num campo de elevada disputa eleitoral, Jair Bolsonaro surgiu como “outsider” para ganhar amplo apoio dos eleitores se elegendo como presidente. Foi vantajoso se alinhar a ele em 2018. Hoje, como presidente incumbente, ele conta com vantagens excepcionais para a campanha a um segundo mandato, mas ao olharmos os esforços de coordenação nacional, vemos que há sinais de maiores incertezas sobre se ser apoiado por Bolsonaro favorece os candidatos a governador.
Em 22 de julho de 2018, o então deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) anunciou, em evento de seu partido, a oficialização de sua candidatura à Presidência da República. Não era a primeira vez que um candidato, que se identificava com o campo político da direita e que apresentava um discurso extremista, competia ao cargo político mais importante do país. Mas até então, jamais uma candidatura com essas características havia sido competitiva. Entretanto, a eleição de 2018 apresentou um caráter excepcional e disruptivo e elegeu Bolsonaro, que derrotou Fernando Haddad (PT), do partido que havia ganho as quatro últimas eleições presidenciais.
Para além do caráter histórico da eleição de um candidato de extrema direita numa eleição nacional, é importante entender o fenômeno Bolsonaro nas eleições estaduais de 2018. Em muitos estados, candidatos a governador, não apenas do partido de Bolsonaro, declararam apoio público a sua candidatura e acabaram sendo eleitos ou, ao menos, demonstrando competitividade nos pleitos que participaram. Nesse momento, era favorável o alinhamento ao potencial vencedor das eleições, que viria a ser eleito com mais de 10 milhões de votos de vantagem para o segundo colocado.
Candidatos aos governos estaduais que até então adotavam uma posição de “neutralidade” modificaram o discurso e vincularam suas imagens ao do candidato do PSL, mesmo que não houvesse nenhum acordo eleitoral para isso. Foram os casos de Wilson Witzel (PSC) no Rio de Janeiro e Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais. Estes, conforme pesquisas de intenção de voto, estavam em posições intermediárias nas disputas, mas na reta final do 1º turno passaram a apoiar publicamente a eleição de Bolsonaro. Zema, inclusive, apoiou Bolsonaro mesmo com seu partido possuindo candidatura própria no 1º turno. O apoio ao presidenciável garantiu a estes candidatos a governador não apenas a passagem ao 2º turno, mas uma vitória com larga margem de votos.
O mapa da Figura 1 mostra o desempenho eleitoral dos candidatos a governador que demonstram alinhamento a Bolsonaro em 2018. Para classificação de um candidato como alinhado ao presidenciável do PSL, foram considerados posicionamentos públicos do partido e do candidato em apoio a Bolsonaro durante o período eleitoral. Esses posicionamentos foram coletados de portais jornalísticos e sites de notícias da internet. Nesta classificação, portanto, foram considerados não apenas apoios formais, mas também declarações elogiosas ou de intenção de voto ao então líder das pesquisas eleitorais.
Figura 1: Percentual de votos recebidos pelos candidatos alinhados a Bolsonaro na eleição para governador em 2018
Ao todo, 14 governadores eleitos em 2018 estiveram alinhados a Bolsonaro, ou seja, pouco mais da metade dos estados elegeu candidatos que se vincularam de alguma forma à candidatura do presidente eleito. Se considerarmos os votos válidos recebidos por todos os candidatos alinhados à Bolsonaro no 1º turno, em 11 estados esses candidatos receberam mais de 50% dos votos, sendo que em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, esse percentual foi acima de 75%. No 2º turno, dos 14 estados, em 10 o candidato alinhado a Bolsonaro foi eleito, sendo que em 5 deles com mais de 75% dos votos válidos.
Um dado que chama a atenção é que entre os governadores alinhados a Bolsonaro que foram eleitos, apenas Reinaldo Azambuja (PSDB) era incumbente. Segundo a ciência política, os candidatos incumbentes, ou seja, os que buscam a reeleição, tem histórico importante de vitórias, dado os recursos políticos que os diferenciam dos demais candidatos. Entretanto, 13 dos 14 candidatos vencedores alinhados a Bolsonaro não eram incumbentes, o que torna ainda mais relevante os ganhos eleitorais dos que aproximaram suas imagens a Bolsonaro.
Após sua eleição, Bolsonaro vem sendo o principal responsável por administrar o governo federal que segue enfrentando sua maior crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19 e uma prolongada crise econômica com taxas elevadas de inflação, desemprego recorde e crescimento da pobreza e da extrema pobreza. O presidente da República vem enfrentando diversas crises políticas que resultaram em índices recordes de rejeição de sua gestão.
Para além de uma rejeição da população ao seu governo, no cenário político e eleitoral, alguns governadores incumbentes que o haviam apoiado em 2018 mudaram seu posicionamento e passaram a criticar a gestão da pandemia e da crise econômica. Entre eles, temos os casos de Eduardo Leite no Rio Grande do Sul e Ronaldo Caiado em Goiás, para citar exemplos marcantes. Neste contexto, novos candidatos para ocupar a cadeira de governador surgiram, como Onyx Lorenzoni (RS), Capitão Wagner (CE) e Wanderlei Barbosa (TO). Nesses casos, estes pré-candidatos a governador em 2022 manifestaram, em diferentes momentos, seu alinhamento a Bolsonaro.
Todavia, para além de pré-candidatos de partidos tradicionais de esquerda com pré-candidaturas presidenciais próprias em 2022 – como Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT), que já em 2018 haviam se posicionado em oposição a Bolsonaro –, outros partidos da chamada terceira via estão adotando uma estratégia de distanciamento dos dois candidatos na liderança da disputa presidencial. Dos candidatos e apoiadores da terceira via, parte deles são de políticos que apoiaram Bolsonaro em 2018, principalmente no 2º turno, mas que agora se veem em uma outra posição, extremamente crítica à possibilidade de reeleição do presidente.
Ainda que os alinhamentos eleitorais estejam em negociação, e portanto estejamos falando de pré-candidaturas que podem se modificar até a eleição (os partidos têm até o mês de agosto para oficializar seus candidatos e, logo, podem haver alterações nessa lista de pré-candidaturas até lá), é possível classificar o alinhamento dos candidatos aos governos estaduais de 2022 assim como feito para 2018. Quando o fazemos, observa-se um decréscimo de candidatos alinhados a Bolsonaro em comparação a 2018, com respectivo crescimento de candidaturas críticas ao presidente.
Realizamos a mesma classificação de alinhamento feita para 2018, com o adendo de que também classificamos como alinhados a Bolsonaro políticos de partidos que fazem parte da base do governo do presidente (PL, PP, Republicanos, PSC e PTB).
De acordo com esta metodologia para classificar o alinhamento com o presidente, no final de junho de 2022, podemos observar 12 candidatos alinhados a Bolsonaro liderando as pesquisas de intenção de voto para governador, com 5 deles podendo vencer já no 1º turno. Entretanto, diferente do observado em 2018, a maior parte são governadores incumbentes que concorrem à reeleição em 2022. Sendo assim, parte da explicação para o bom desempenho desses candidatos está na incumbência e não necessariamente no alinhamento a Bolsonaro.
O mapa da Figura 2 mostra o desempenho eleitoral dos candidatos a governador que demonstram alinhamento a Bolsonaro em 2022. Ele foi construído a partir das intenções de voto apontadas pelos principais institutos de pesquisa do país.
Figura 2: Intenção de voto (em %) em candidatos alinhados a Bolsonaro na eleição para governador em 2022
Nas intenções de voto dos candidatos alinhados ao presidente, quando comparadas com a eleição de 2018, percebe-se uma potencial redução do desempenho eleitoral dos candidatos em 17 estados. Em seis estados, o desempenho que era acima de 50% na eleição passada atualmente está bastante abaixo desse patamar, principalmente no Rio Grande do Sul e em São Paulo.
Sendo assim, em 2022 as intenções de voto de candidatos alinhados a Bolsonaro são significativamente inferiores às de 2018, ainda que isso não signifique que não sejam competitivos. Entretanto, isso pode estar impactando nas pretensões dos candidatos aos governos estaduais de se apresentarem publicamente como candidatos associados ao presidente. Muitos vêm adotando uma postura publicamente neutra com medo de futura punição eleitoral. Esse cenário pode, inclusive, prejudicar na formação de palanques eleitorais nos estados para a candidatura presidencial de Bolsonaro, pois o ato de se alinhar ao presidente não vem se apresentando tão vantajoso como foi em 2018.
Por outro lado, o não apoio de várias lideranças em disputa pelos governos estaduais a Bolsonaro não implica que ocorra um aumento de candidaturas apoiadoras do ex-presidente Lula. Em 2018, candidatos alinhados a Haddad saíram vencedores em 9 estados (venceram em 7 estados já no 1º turno e em outros 2 estados no 2º turno).
Em contraste, em 2022 o desempenho eleitoral dos candidatos alinhados a Lula é pior do que os alinhados a Haddad quatro anos atrás. Esses candidatos lideram as pesquisas de intenção de votos em 5 estados, com chances de vencer já no 1º turno com Fátima Bezerra (RN), Renato Casagrande (ES) e João Azevêdo (PB). Em outros 8 estados, os candidatos alinhados a Lula e ao PT aparecem em segundo lugar, com disputas acirradas e diferença menor do que 5 pontos percentuais nas pesquisas, caso de Marcelo Freixo (RJ) e Carlos Brandão (MA).
De forma paralela ao que acontece com Bolsonaro, se compararmos com a eleição de 2018, vemos uma redução de candidatos que estão se mostrando alinhados a Lula e ao PT neste momento. Igual ao que acontece com Bolsonaro, isso pode ser justificado pela distância do pleito e pelo fato de estarmos em meio às negociações sobre pré-candidaturas e apoios políticos que podem ser rearranjadas até agosto.
Por fim, outra possível justificativa é uma tentativa de viabilizar, ao máximo, candidaturas de terceira via – nem próximas de Bolsonaro tampouco de Lula – que, até este momento, enfrentam problemas nas intenções de voto nacionais. Assim, os próprios alinhamentos dos governadores às candidaturas de Bolsonaro e Lula podem ser revistos caso os líderes das pesquisas venham a disputar, de fato, o 2º turno.
Olhar para as disputas eleitorais estaduais é um dado a mais que pode ajudar a melhor diagnosticar as chances, momentâneas, de vitória na eleição presidencial em 2022. Até o momento, ainda que com chances, os governadores alinhados ao presidente estão tendo dificuldades e correndo risco de derrotas em estados considerados eleitoralmente chaves. Assim, Bolsonaro vem flertando com derrotas em estados onde venceu em 2018 e, como as recentes pesquisas eleitorais baseadas na intenção de voto têm mostrado, pode perder a eleição já no 1º turno.
Estamos a alguns meses da eleição e candidatos alinhados a Bolsonaro lideram as pesquisas de intenção de voto em alguns dos estados mais populosos do país, como Rio de Janeiro, Paraná, Ceará e Rio Grande do Sul. Em São Paulo, estado que concentra cerca de 20% do eleitorado do país, a pré-candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos), alinhado ao presidente, vem demonstrando bom dinamismo nas intenções de voto. Isso indica que uma melhora de desempenho de Bolsonaro nas eleições nacionais é possível desde que aconteça uma melhor articulação de candidaturas aos governos estaduais junto à imagem do presidente, principalmente em estados-chave que concentram grande parte do eleitorado.
Para Lula, por sua vez, ainda que apareça com liderança substancial nas intenções de voto nacionais, essa liderança pode não estar completamente consolidada, dado o desempenho tímido de alguns candidatos alinhados a ele em alguns estados-chave, como no Paraná, onde Roberto Requião (PT) está quase 30 pontos percentuais atrás do primeiro colocado, e em Minas Gerais, onde Alexandre Kalil (PSD), público apoiador do petista, está quase 15 pontos percentuais atrás do governador Zema, correndo risco de ser derrotado ainda no 1º turno. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, as intenções de voto indicam disputas acirradas. A estratégia de buscar alianças com políticos e partidos da terceira via pode ser útil para, justamente, maximizar seus votos onde a disputa está indefinida.