Em 25 de fevereiro de 2022, o STF reconheceu no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 843.989/PR o Tema nº 1.199 da repercussão geral para “definir se as novidades inseridas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992, com as alterações dadas pela Lei 14.230/2021) devem retroagir para beneficiar aqueles que porventura tenham cometido atos de improbidade administrativa na modalidade culposa, inclusive quanto ao prazo de prescrição para as ações de ressarcimento”.
Oito dias depois, o ministro Alexandre de Moraes, relator do ARE nº 843.989/PR, determinou o sobrestamento da tramitação “dos Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021”.
Quase dois meses depois do reconhecimento da repercussão geral, o relator proferiu, em 22 de abril de 2022, decisão nos embargos de declaração no ARE nº 843.989/PR para suspender os prazos prescricionais nas ações de improbidade com recursos tramitando no STJ e no STF até o julgamento do Tema nº 1.199.
Não se sabe quanto tempo vai levar para que o Tema nº 1.199 seja julgado e muito menos qual será a decisão do Supremo, mas, analisando-se o que já restou decidido por nossa Corte Constitucional acerca do chamado Direito Administrativo Sancionador, é possível especular.
Mesmo antes da Lei 14.230/2021 já se podia defender que as ações de improbidade administrativa estavam inseridas na seara do Direito Administrativo Sancionador em razão da sua clara natureza penaliforme (natureza essa que, diga-se, é ínsita a todo processo instaurado para uma eventual aplicação de sanções).
Diante de tal natureza penaliforme, pergunta-se: as ações de improbidade administrativa precisam se submeter a determinadas balizas que devem guardar semelhança com os limites impostos pelas garantias do Direito Penal?
Veja, ainda à luz da redação da Lei 8.429/1992 pré-reforma de 2021, o STJ decidiu serem aplicáveis no âmbito dos processos submetidos ao regime do Direito Administrativo Sancionador: a) o princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica (RMS 37.031/SP); b) a vedação da analogia in malam partem (REsp 1.216.190/RS) e c) o estado de necessidade como excludente de ilicitude (REsp 1.123.876/DF).
Mas e no STF?
Bom, o STF, quando do julgamento do Tema nº 1.199, vai se decidir se o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica — insculpido no artigo 5º, XL, da Constituição da República — também se aplica na seara do Direito Administrativo Sancionador ou, mais especificamente, se a retroatividade benigna se aplica a processos que estavam em tramitação sob os auspícios da redação original da Lei de Improbidade Administrativa (LIA).
Mas há decisões do STF sobre Direito Administrativo Sancionador?
Na Rcl 41.557, o ministro Gilmar Mendes consignou em seu voto que o Direito Administrativo Sancionador se aproxima muito do Direito Penal e deve ser compreendido como uma extensão do jus puniendi estatal e do sistema criminal.
Para aplicar a vedação ao bis in idem a um caso concreto, o ministro entendeu que é preciso adotar um enfoque conjunto no campo da política sancionadora e que o Direito Administrativo Sancionador deve ser entendido como um autêntico subsistema penal.
Ao final, extrai-se do voto do ministro Gilmar Mendes (relator na Rcl 41.557) que a unidade do jus puniendi do Estado obriga a transposição de garantias constitucionais e penais para o Direito Administrativo Sancionador.
A Rcl 41.557 foi julgada em dezembro de 2020 pela segunda turma do STF e, na ocasião, o voto do relator foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski, Nunes Marques e Cármen Lúcia, restando vencido o ministro Luiz Edson Fachin.
Por ter sido uma decisão paradigmática, a Rcl 41.557 é uma ferramenta de estudos relativamente boa sobre o que pensam alguns ministros do STF sobre o Direito Administrativo Sancionador, sobretudo, evidentemente, o ministro Gilmar Mendes, mas, reconheça-se não é obviamente uma garantia de como votarão os ministros Ricardo Lewandowski, Nunes Marques, Cármen Lúcia e o próprio Gilmar Mendes quando do julgamento do Tema nº 1.199.
Mas, de toda a sorte, é inegável que, se o racional empregado no julgamento da Rcl 41.557 vier a ser replicado quando da análise da retroatividade benéfica da Lei 14.230/2021, ao se fazer a transposição de garantias constitucionais e penais para o Direito Administrativo Sancionador, a garantia insculpida no artigo 5º, XL, da Constituição da República, haverá de ser aplicada às ações de improbidade administrativa que tramitavam sob a égide da Lei 8.429/1992 pré-reforma de 2021.