Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!” dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor de Direito do Trabalho e coordenador trabalhista da Editora Mizuno, Dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a #pergunte ao professor.
Neste episódio de nº 93 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► O que é assédio eleitoral e quais suas repressões trabalhistas?
Resposta ► Com a palavra, o professor Ronaldo Lima dos Santos.
O direito de voto é uma garantia de todo cidadão brasileiro. Trata-se de um direito humano fundamental consagrado nas modernas democracias representativas e em diversos diplomas internacionais. É por meio do voto que se exerce a soberania popular. No Brasil, além de um direito fundamental (art. 14, da CF/88), o voto deve ser exercido de modo direto e secreto. Cada cidadão deve exercer o direito de voto de acordo com a sua consciência política.
Trata-se de uma liberdade de autodeterminação política de cada pessoa. O exercício do direito de voto, porém, pressupõe a garantia de outras liberdades e direitos fundamentais, igualmente consagradas na Constituição Federal de 1988, como a liberdade de locomoção (art. 5º, XV), a liberdade de trabalho (e de não trabalho no dia da votação), a liberdade de consciência (art. 5º, VI), a garantida da intimidade e da vida privada (art. 5º, X), a liberdade de expressão (art. 5º, IV e IX), a liberdade de crença (art. 5º, VI), do direito à sua convicção política (art. 5º, VIII) e da liberdade partidária (art. 17, caput), pois a pluralidade de partidos políticos representa a diversidade política e social da própria sociedade brasileira.
O trabalhador, como cidadão brasileiro, deve ter efetivada a sua garantia constitucional de exercer a sua escolha e o seu direito de voto em conformidade com todas as liberdades acima enunciadas, uma vez que é um ser dotado de dignidade humana e autoderterminação em todas as suas relações sociais, inclusive nas relações de trabalho, onde devem ser preservados e resguardados os seus direitos fundamentais.
O direito de direção do empregador só pode ser exercido nos estritos limites e finalidades laborais, não podendo ele, empregador, invadir a esfera das liberdades e garantias fundamentais dos trabalhadores, sob pena de caracterização do abuso de direito, como também prática de ilícitos civis, criminais e trabalhistas, além da reparação por danos morais e materiais.
Nesta esteira de raciocínio, o empregador – seja diretamente, por seus prepostos ou terceiros – não pode interferir na esfera de autodeterminação política dos trabalhadores. Assim, por exemplo, ações como propagandas nos locais de trabalho são consideradas ilícitas pela legislação eleitoral (Lei 9.504/97 e Resolução TSE 23.610/2019), podendo inclusive caracterizar abuso de poder econômico.
Por outro lado, caracteriza assédio eleitoral a prática de atos de pressão e/ou condutas coercitivas, coativas ou discriminatórias exercidas pelo empregador ou outros, no local do trabalho ou não, sobre os trabalhadores para com vistas a influenciar ou obstar o livre exercício do direito de voto, como objetivo de direcionar o voto dos trabalhadores para um candidato de preferência do empregador, inibir a liberdade de expressão política dos trabalhadores, impor a abstenção do trabalhador na votação ou instituir o psicoterror eleitoral na relação de trabalho, com a propagação de mensagens diretas ou indiretas para a coletividade dos trabalhadores, com o intuito de induzir o trabalhador em determinada conduta eleitoral desejada pelo empregador. Tais atos constituem crime eleitoral, nos termos do art. 297 do Código Eleitoral.
A conduta ilícita do assédio eleitoral também pode ser acompanhada da sua forma premial. Neste caso, para além da pressão e da coerção, o empregador oferta aos empregados vantagens aos trabalhadores, como o pagamento de quantia em dinheiro, cestas básicas, transporte e alimentação, entre outras, o que é capitulado como crime eleitoral, nos termos do art. 299 e 302 do Código Eleitoral. Aproveita-se o empregador, in casu, da situação de vulnerabilidade econômica dos trabalhadores para impor a compra do voto.
O trabalhador que estiver em atividade profissional regular no dia da eleição tem direito a ausentar-se para exercer o seu direito de voto, não podendo o empregador criar embaraço ao empregado, seja não o liberando para a votação, seja convocando-o para o trabalho com o intuito de provocar a abstenção do trabalhador no pleito eleitoral (art. 297, Código Eleitoral).
O assédio eleitoral no âmbito empresarial constitui uma versão atualizada do voto de cabresto, que marca os processos eleitorais brasileiros ao longo da sua história. A figura do coronel nos rincões do Brasil é reconfigurada no coronelismo empresarial que marca as eleições do Brasil no século 21. Somente com o implemento da cidadania, diminuição da pobreza, incremento da justiça social, fortalecimento das instituições públicas e privadas, com o combate e punição dos novéis coronéis empresariais, em todas as esferas jurídicas, poder-se-á acreditar na efetivação de um regime verdadeiramente democrático no Brasil, onde cada trabalhador-cidadão possa exercer com plena e total liberdade de consciência o seu direito fundamental de voto.