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Impactos da reforma tributária no custo de investimentos em óleo e gás

Manutenção do Repetro-Sped e do Repetro Industrialização é a principal reivindicação do setor

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Crédito: Unsplash

A necessidade de modernização do sistema tributário do país é um tema recorrente e que ganhou ainda mais força com aprovação da reforma tributária. Apesar de ainda precisar de Leis Complementares, o texto tem implicações consideráveis, especialmente no âmbito de óleo e gás (O&G). Isso porque o setor desempenha um papel crucial na economia brasileira e contribui de forma significativa para as receitas do governo e investimentos em infraestrutura. 

Dados do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) mostram que, nos últimos dez anos, a extração de O&G foi uma das principais responsáveis pelo ingresso de Investimento Estrangeiro Direto (IED) no Brasil. Ao todo, a atividade atraiu mais de US$ 47 bilhões no período e representou aproximadamente 3% do total de IED. Além disso, a indústria de O&G financia, direta ou indiretamente, 69% de receita bruta ao governo, por meio de impostos e tributos, royalties e participações governamentais – só entre 2010 e 2020, o setor gerou um total de R$ 891,2 bilhões em arrecadação e recolhimento de tributos, somados às participações governamentais. 

Nas rodas técnicas de debate, muito se fala sobre a manutenção dos regimes especiais do setor, como o Repetro-Sped e o Repetro Industrialização. Indiscutivelmente, essa deve ser a principal bandeira setorial para manter a desoneração tributária do Capex nas atividades de exploração e produção, a fim de manter a competitividade global na atração de investimentos estrangeiros. 

Não obstante a incontestável importância da manutenção do Repetro, devemos chamar a atenção para alguns outros aspectos da reforma tributária, a partir da entrada em vigor dos tributos de bens e serviços: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). 

Em relação aos regimes Repetro-Sped e Repetro Industrialização há um benefício fiscal restrito às despesas com bens de capital, com diversas condicionantes de habilitação, e limitado aos itens da lista taxativa prevista na regulamentação da Receita Federal. Apesar da relevância desta desoneração sobre os bens de capital, pode-se observar também vultuosos gastos com a contratação de serviços, aluguel de máquinas e equipamentos e afretamento de navios e plataformas. Estas despesas ocorrem tanto na fase exploratória quanto na fase de produção de óleo e gás, e não estão cobertas por nenhum regime tributário especial. 

Para fins exemplares, analisaremos a seguir um projeto típico de desenvolvimento de campo do pré-sal, a partir de um contrato de engenharia, aquisição, construção e instalação submarina (EPCI). Projetos de EPCI de maior relevância podem chegar a valores em torno de R$ 5 bilhões.

Para simulação dos impactos tributários, vamos estabelecer alguns parâmetros baseados em projetos de EPCI do pré-sal, considerando um contrato no valor aproximado de R$ 4,5 bilhões, e calcular a carga tributária antes e depois da entrada em vigor dos novos tributos sobre bens e serviços. Como as alíquotas de CBS e IBS ainda não são conhecidas, consideraremos uma alíquota padrão de 28%, levando em conta estudos que projetam as alíquotas do IVA-Dual entre 25% e 30%, e simularemos um cenário de efeito direto nos investimentos de uma empresa de petróleo.

Quadro comparativo de carga tributária em contrato típico de EPCI do pré-sal

Pelo exercício acima, podemos compreender que o aumento das alíquotas combinadas do IBS e da CBS têm potencial de elevar a carga tributária sobre o investimento em 20% de forma direta – analisando apenas uma etapa da fase de desenvolvimento do campo. Se considerarmos ainda a continuidade do Repetro após a reforma tributária, este incremento de tributos deve alcançar 14%, isolando somente os efeitos do aumento da tributação sobre serviços. 

No contexto do pré-sal, vale ressaltar que o ciclo de exploração e desenvolvimento dos campos de petróleo é longo, com uma janela de tempo significativa entre o início dos investimentos nas atividades exploratórias e o início da geração de receitas – e os maiores investimentos ocorrem na fase de desenvolvimento. Neste caso, devemos analisar também este incremento da carga tributária sob o prisma do fluxo de caixa e disponibilidade de capital para os altos investimentos necessários. 

No cenário proposto anteriormente, o valor do Capex aumentaria em aproximadamente R$ 1 bilhão. Se projetarmos esse impacto, mantendo as premissas para todo o investimento de uma petrolífera, e pegarmos como exemplo o valor de R$ 45 bilhões de investimento, que foi divulgado para o desenvolvimento do Campo de Raia (Operado pela Equinor), o impacto deste aumento para o consórcio poderia chegar a R$ 9 bilhões.

Falta de clareza nas novas regras de recuperação de créditos acumulados

Um dos pilares constitucionais desta reforma tributária é o princípio da neutralidade e não cumulatividade plena. Significa que, embora se possa observar um possível aumento de alíquotas e bases de incidência, a tendência é de que a carga tributária final seja equalizada pela recuperação integral de créditos em toda a cadeia (conceito de crédito financeiro).

No entanto, ao debater os possíveis impactos da reforma tributária, não podemos deixar escapar a análise do ambiente legislativo e político que nos trouxeram até aqui, com o chamado “manicômio tributário”. A falta de clareza sobre o funcionamento da tributação no “pós” reforma tributária, ainda pendente de regulamentação pelas Leis Complementares por virem, traz insegurança sobre os mecanismos e regras de recuperação e compensação dos tributos. Considerando que a carga tributária pode ser elevada na fase de investimentos, resta uma inquietude sobre o tempo de retorno dos créditos tributários gerados. 

Recentemente, o governo federal editou uma medida provisória (MP 1202/2023), que criou limitações ao direito de compensação de créditos tributários e impactou milhares de empresas, sob o argumento exclusivo do déficit orçamentário e diminuição da arrecadação federal. 

Ao mesmo tempo, com bastante frequência, empresas precisam impetrar mandados de segurança para pressionar a Receita Federal a analisar os seus pedidos de restituição de créditos tributários, nas situações em que a restituição é de fato permitida. Outros créditos não restituíveis acabam prescritos e baixados para o resultado da empresa como custo, visto que a empresa não consegue meios de compensar com outros tributos dentro do prazo de cinco anos. Vale ressaltar que esses são apenas alguns exemplos de problemas infralegais, nos quais constantemente o contribuinte esbarra na regulamentação de leis (mal escritas ou silentes), que permitem ao governo e à Receita Federal normatizar as formas e limitações de compensação e restituição de tributos. 

A Emenda Constitucional 132/2023 prevê que para a aquisição de bens de capital, a Lei Complementar disporá sobre a possibilidade de desoneração, por meio de mecanismos de diferimento, crédito integral ou redução de alíquota. Para outras formas de investimentos incorporados ao ativo imobilizado, não há previsão para redução de alíquotas ou mecanismos especiais de recuperação dos créditos. Atualmente, a recuperação de créditos tributários sobre o ativo imobilizado se dá por meio de taxas de depreciação, amortização, e segue também princípios contábeis.

Ainda que possamos considerar uma realidade de não cumulatividade plena do IBS/CBS, novamente destaca-se o fato de que o ciclo de investimentos de E&P é longo, e o tempo de recuperação destes créditos deve gerar não só um incremento do custo financeiro, mas também uma análise da capacidade de investir e de gerar maiores ganhos imediatos ao governo, via royalties e participações governamentais.

A necessidade de regras firmes e segurança jurídica sobre a recuperação de créditos tributários

Como constatação das reflexões acima, existem várias preocupações com os efeitos da reforma tributária para a indústria de O&G. A manutenção do Repetro-Sped e Repetro Industrialização é a principal reivindicação do setor. No mesmo sentido da “conta do investimento”, o governo e o congresso precisam sinalizar regras e métodos claros para evitar uma maior concentração de tributos sobre serviços nas fases de exploração e desenvolvimento dos campos.

Ainda que a reforma tributária caminhe para aumentar o peso das alíquotas do IVA-Dual sobre serviços e afretamentos de embarcações, a Lei Complementar deve dispor de forma clara e firme sobre métodos de prevenção do acúmulo de créditos e da prescrição destes créditos, em especial para as empresas exportadoras.

Essa poderia ser uma reflexão para qualquer setor econômico ou qualquer investimento em expansão ou implantação de empreendimentos, mas é preciso observar que, no caso do setor de O&G, o tempo para começar a gerar receitas e recolher tributos de um novo campo em produção pode chegar a 7 anos – o que não acontece em nenhuma outra atividade.

Note que esta análise não está levando em consideração outros aspectos da mudança do sistema tributário, inclusive pontos positivos. O princípio da não cumulatividade plena tende a acabar com a cumulatividade de alguns tributos na cadeia de produção, como é o caso do ISS que incide de forma cumulativa. O ponto de atenção que foi proposto aqui diz respeito ao aumento direto da tributação nas etapas de investimento e insegurança jurídica, quanto à recuperação destes tributos no contexto das atividades de exploração e produção de petróleo e gás. 

Ou seja, todo o incremento de carga tributária na “linha final” dos investimentos será levado em consideração na análise das petroleiras, isso independentemente das regras que serão postas pelas Leis Complementares. Devemos ter em mente que outros países produtores de petróleo mantêm políticas firmes de desoneração do capital investido nas fases de exploração e desenvolvimento e isso, seguramente, será considerado na conta. 

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