As discussões sobre a reforma tributária mal foram reiniciadas, com a criação de um Grupo de Trabalho (GT), no último mês, e já estão criando celeuma na Câmara dos Deputados. Parlamentares reclamaram da representação desigual entre partidos e regiões do país , principalmente por conta da Zona Franca de Manaus (ZFM). No grupo, com 12 membros, três são do Amazonas, o que gerou críticas especialmente de deputados do Sul. Há ainda questionamentos pela falta de mulheres e negros no GT, cujos trabalhos devem ir até maio.
O grupo foi formado por meio do critério de representação partidária, ou seja, partidos com maior bancada tiveram mais lugares no colegiado. Mas, diante das reclamações, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que pode aumentar o número de parlamentares no GT: “Talvez tenham ficado algumas distorções, alguns estados do Sul não indicaram, a bancada feminina está requisitando [participação], a gente pode tentar moldar isso para uns 15 membros no máximo”, afirmou em entrevista coletiva após encontro na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na última segunda-feira (6/3).
Lira declarou esperar que o tema seja discutido com “o máximo possível de convergência”, por meio da ponderação de diversos interesses envolvidos entre setores produtivos (agronegócio, varejo, serviço) e governos estaduais (em relação ao ICMS). Ele já descartou que as discussões comecem do zero, uma vez que o tema já foi discutido em comissão especial. A proposta deve ser levada diretamente a Plenário.
Atualmente, estão em tramitação duas Propostas de Emenda da Constituição (PECs) que abordam com detalhamento a reforma tributária, são elas: a PEC 45/2019, que tramita na Câmara dos Deputados, e a PEC 110/2019, no Senado Federal.
Reclamações já antes da primeira reunião do GT
Antes da primeira reunião do ano sobre a reforma tributária, o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) questionou a falta de parlamentares da região Sul no GT. “Há uma desproporção grande entre estados do Norte e do Sul, basta ver que há três parlamentares [que compõem o GT] apenas do estado do Amazonas, que tem quatro milhões de habitantes, e nenhum do estado do Rio Grande do Sul, que tem mais de 11 milhões de habitantes”, observa o deputado em entrevista ao JOTA.
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Um dos incômodos principais dos deputados, especialmente do Sudeste e do Sul, estão relacionados às isenções tributárias concedidas à Zona Franca de Manaus. Para Van Hattem, as isenções na região geram mais custos ao consumidor, já que os gastos com o transporte dos produtos até a região seriam maiores dos que os benefícios no preço final.
“Nós montamos as peças de uma moto em São Paulo e levamos essas peças de caminhão até Santos. Elas sobem de navio até Belém e pegam outro navio até Manaus. Lá, a motocicleta é montada e, depois, desce de navio até Belém. A moto pega outro navio até Santos e sobe a Serra do Mar de caminhão para ser vendida em São Paulo. Deve ser a moto mais viajada da história com 0 km rodados”, opina.
Adail Filho (Republicanos-AM), membro do GT da reforma tributária, declarou ao JOTA que está lutando para manter os incentivos fiscais oferecidos na Zona Franca de Manaus.
“Estamos lutando incessantemente para manter os direitos da Zona Franca de Manaus. Eu e os demais deputados do Amazonas, que também fazem parte do grupo de trabalho, convidamos todo o GT para realizar uma reunião diretamente de Manaus e visitar a Zona Franca, esse é o primeiro passo para mostrar para o relator e para os demais membros do grupo a importância do nosso modelo econômico para o estado e para o Brasil”, disse Filho.
Uma das discussões que o GT precisa enfrentar é descobrir qual será a alternativa para a Zona Franca de Manaus sem o IPI. Isso porque, com a unificação de impostos proposta pela reforma, o IPI acaba. Como o incentivo atual é baseado nele, é necessário discutir as ideias de incentivo substituto ao modelo em vigência.
Sobre a Zona Franca de Manaus, o coordenador do GT, Reginaldo Lopes (PT-MG), acredita ser possível encontrar um tratamento diferenciado para a região que seria regulamentado por uma Lei Complementar.
“Você tem várias formas de tratamento diferenciado oferecido, desde as pessoas de baixa renda, a gente tanto fala de cashback, de devolver o imposto imediatamente para as pessoas de baixa renda, até um tratamento diferenciado para aquele setor intensivo de mão de obra, podemos pensar algo nesse sentido. Como diz o Papa Francisco: a tecnologia a favor da humanidade e não a humanidade a favor da tecnologia. Na lógica da empregabilidade, isso tem diferença para quem emprega robôs ou para quem emprega gente? Você tem ali os setores regionais, as economias setoriais, então vamos conversando, é possível encontrar algum tratamento diferenciado dentro de uma única legislação que seja regulamentada por Lei Complementar”, afirmou.
GT x Comissão especial
Outro ponto que gerou críticas foi a criação de um GT, que tem menos membros, e não de uma nova comissão especial, com mais integrantes e representação, como ocorreu na legislatura passada. Lira, no entanto, pensa o contrário, assim como o coordenador do GT e o coordenador Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Lopes ressalta que “a comissão especial já venceu os seus trabalhos”. O coordenador relembrou que as duas PECs são frutos de quatro anos de debate nas duas casas. “Elas estão prontas para o Plenário da Câmara dos Deputados e também para o Plenário do Senado. O GT da reforma tributária nasce de um contexto em que ele tem o papel de concluir diálogos, resolver os dissensos e estabelecer acordos políticos”, observa.
Folha de pagamento
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou na última segunda-feira (6/3) que o sentimento geral é votar reforma tributária até o fim de maio, mas evitou falar sobre o conteúdo do relatório de Aguinaldo Ribeiro e se o documento incluirá algo sobre desoneração da folha de pagamento.
Na última terça-feira (7/3), o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, afirmou, durante evento da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, que o “debate da desoneração da folha tem que ser enfrentado simultaneamente com a da reforma tributária”. O tema ainda está em discussão dentro do governo, que deve decidir nas próximas semanas se deve ser incluído na reforma.