Líder nas pesquisas de intenção de voto para o Palácio do Planalto nas eleições de 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem arriscando movimentos que conspiram contra a formação de uma coalizão de sustentação ao governo, caso assuma um terceiro mandato a partir de 2023. Trata-se de mais uma interrogação sobre a estratégia de campanha petista – a outra é relativa a dúvidas sobre o programa econômico.
O petista tem direcionado sua artilharia para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), expoente do centrão, em declarações públicas e reuniões privadas. Em conversas com aliados, repete que não aceitará o “sequestro” do orçamento pelo núcleo-duro do Congresso. Para Lula, as chamadas emendas de relator são um símbolo disso.
É parte da estratégia petista questionar o orçamento secreto e as premissas do acerto que levou Lira ao centro das decisões do Congresso. Esse tipo de plano, no entanto, levará Lula a ser cobrado a dizer com mais clareza qual modelo de governabilidade pretende adotar em substituição ao vigente.
Na toada de críticas a Lira, o petista associou nesta terça-feira (3/5) a disputa por verbas federais à emenda do semipresidencialismo, bandeira do presidente da Câmara.
“Ele [Lira] acha que pode mandar, inclusive, administrando o orçamento. O orçamento é aprovado pela Câmara e pelo Congresso, mas tem que ser administrado pelo governo [federal] porque é para isso que o governo é eleito. E é o governo que decide cumprir o orçamento aprovado em função da realidade financeira do Estado brasileiro”, afirmou Lula, no ato em que recebeu a chancela do Solidariedade para a eleição de 2022.
“Temos que ter conhecimento de uma coisa: se a gente ganhar as eleições e o atual presidente da Câmara continuar com o poder imperial, porque ele já ‘tá’ querendo criar o semipresidencialismo, ele já quer tirar o poder do presidente para que o poder fique na Câmara e ele aja como o imperador do Japão”, concluiu o petista.
Não demorou para que Lira desse uma resposta e classificasse a fala de Lula como “grosseria” e fruto de “desinformação”. “Dizer que o Congresso não pode legislar sobre o orçamento, só quem vem com intenção de fazer ditadura no Brasil, só quem vem atrás de fazer sistemas totalitários no Brasil”, afirmou o líder do centrão.
Cada dia mais favorito para presidir a Câmara em um novo mandato, Lira tem boas chances de comandar os debates sobre o orçamento do próximo ano e da agenda legislativa como um todo no biênio 2023-24. É por isso que ficar de olho nessa troca de farpas se torna ainda mais importante.
Nesse contexto, a dosagem das reformas econômicas, o desenho dos programas sociais e a adoção de medidas que visem incrementar a arrecadação e administrar os riscos às contas públicas passarão, muito provavelmente, pelas mãos de Lira e seus principais operadores políticos – independente se o vitorioso for Lula ou Jair Bolsonaro.
O ex-presidente pode, na verdade, estar usando apenas um instrumento de retórica eleitoral ao desafiar o poder de Lira num cenário em que, no curto prazo, não dá indicativos de dissipar as dúvidas que persistem a respeito da sua agenda e de um aceno para o establishment econômico.
Lira é aliado hoje de Bolsonaro e, ao ir para o embate com o presidente da Câmara, o cálculo político de Lula pode ser privilegiar a busca por votos desqualificando a aliança que dá sustentação ao rival. A manobra, no entanto, pode custar caro em médio prazo porque o mercado entende que um eventual novo governo Lula não teria entraves substantivos para montar a equação da governabilidade com o centrão.