Pandemia

TCU aposta em uso intensivo de IA para controlar compras da Covid-19

Corte de Contas usa cruzamento de dados com cerca de 90 bases para tentar identificar irregularidades

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TCU. Crédito: Borowski / Domínio Público

Em período de calamidade pública e alto número de contratações emergenciais, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem intensificado seu trabalho em inteligência artificial na tentativa de fiscalizar o uso do dinheiro público destinado ao combate ao coronavírus.

Desde o início da pandemia, a Corte de Contas traçou diretrizes e normas. O Plano Especial de Acompanhamento das Ações de Combate à Covid-19 foi aprovado pelo plenário do TCU no início de abril, com 27 ações previstas de forma prioritária para atuação do Tribunal.

Para colocar lupa em um grande número de aquisições, o trabalho em inteligência artificial consiste, principalmente, em uma leitura automática do Diário Oficial da União, que filtra textos que tratam sobre o coronavírus e cruza dados com cerca de 90 outras bases de dados, conforme tipologias pré-definidas.

O levantamento diário é colocado em uma planilha e, a partir disso, enviado para os auditores das áreas responsáveis, que aprofundam as investigações sobre contratações que possam ser arriscadas. As informações também são compartilhadas com Ministério Público, polícia e Tribunais de Contas dos estados.

Com esse cruzamento, os programas subsidiam os auditores do Tribunal, que conseguem identificar, por exemplo, se as empresas vencedoras dos certames têm capacidade técnica e operacional para realizar o trabalho contratado pelo poder público.

“Há empresas vencedoras de uma licitação de R$ 100 milhões de reais que têm somente um funcionário. Não é uma irregularidade por si só, mas existe um potencial muito grande para que essa aquisição seja melhor analisada”, afirmou o secretário-geral de Controle Externo do TCU, Paulo Wichers.

No limite, caso se conclua que há indícios de irregularidade em determinada compra, os processos são abertos e distribuídos ao ministro-relator responsável pela área de atuação no plenário do TCU.

O uso de inteligência artificial foi escolhido devido à agilidade na detecção de possíveis ilícitos. Em um primeiro momento, o TCU preferiu não fazer demandas diretas aos gestores. “Contratações se davam em um cenário diferenciado, e a prioridade era salvar vidas”, justificou Wichers.

Um exemplo de possível irregularidade identificada pelo TCU no período foi uma dispensa de licitação pelo Ministério da Saúde para a aquisição de aventais, avaliada em quase R$ 1 bilhão.

Na ocasião, a área técnica do Tribunal identificou que a empresa escolhida para produção de aventais apresentava possível insuficiência de capacidade operacional para fornecer o produto com a quantidade, qualidade e no prazo necessário. Após a atuação do tribunal, a pasta cancelou a licitação.

“O cruzamento com outras bases de dados podem indicar possíveis ilicitudes”, explicou o secretário, sem mencionar casos concretos. “Há empresas criadas no início de março disputando contratações emergenciais. É um indicativo de que pode ter irregularidade”, alertou o secretário-geral.

Outro exemplo citado por Wichers foi o pagamento do auxílio emergencial por parte do governo federal. Primeiro, a área técnica do TCU identificou o pagamento irregular para cerca de 73 mil militares.

Posteriormente, outro trabalho da área técnica da Corte de Contas identificou um possível pagamento irregular dos R$ 600 para quase seis milhões de pessoas.

Em relação ao benefício, Paulo Wichers explicou que a inteligência artificial do TCU cruza dados dos beneficiários com informações da Secretaria do Trabalho, verificando, por exemplo, se o favorecido é empregado de alguma empresa.

Apesar da ampla base de dados, o secretário destaca que, caso o TCU tivesse acesso a informações de secretarias de finanças estaduais, seria possível aprofundar investigações sobre empresas contratadas pela União.

Para o secretário, passado o momento da pandemia, os órgãos devem intensificar o compartilhamento de dados. “Quanto mais bases de dados conseguirmos acessar, maiores serão os alvos acertados para coibir o mal uso intencional ou não do dinheiro público”, falou.

Paulo Wichers destacou que não é só o Ministério da Saúde que merece atenção do TCU. Ele citou hospitais universitários, Fiocruz, entre outros órgãos, além de transferências de recursos federais para estados e municípios. “A compra de álcool em gel, por exemplo, vai com a tag de Covid-19″, resumiu.

Até este momento, segundo dados oficiais do TCU, são 69 processos abertos no Tribunal relacionados à pandemia do coronavírus. Desses, 21 são relacionados à área da saúde, com relatoria do ministro Benjamin Zymler.

Saúde

Justamente pela quantidade de atos relacionados à área da Saúde, o secretário disse que o TCU, no início da panemia, optou por criar um Grupo de Trabalho com auditores focados nos trabalhos da pasta, auxiliando a então equipe do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.

Passado o primeiro período, com a diminuição da demanda por parte do ministério, o órgão realocou seus servidores em um grupo de trabalho geral, que observa os atos relacionados ao coronavírus em todos os ministérios.

“Num primeiro momento, o ministério não nos demandou o quanto nós imaginávamos”, explicou Paulo Wichers.

No início de junho, o TCU reiterou a necessidade de receber informações do ministério. A pasta da Saúde, segundo o órgão, não tem informado, de forma completa e tempestiva, a respeito dos processos de contratações relacionadas à Covid-19″.

“Esse fato resulta na identificação tardia de algumas delas, por meio de consultas ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) ou por meio de publicações no Diário Oficial da União”, advertiu o ministro-relator Benjamin Zymler.

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