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Consumidoras desatendidas pelo varejo nacional conquistam acesso via e-commerce

Demanda por acessibilidade, vestuário plus size e beleza para negras é atendida por plataformas asiáticas, que têm mais variedade

Foto: Unsplash

É uma realidade conhecida: as mulheres negras têm em média menor renda e, com isso, apresentam redução de seu poder de compra no Brasil. Contudo, o acesso ao consumo é dificultado não só pela limitação de recursos, mas também por fatores que vão desde a desigualdade tributária até a falta de oferta no mercado nacional. Somados, eles penalizam ainda mais alguns grupos, como as consumidoras plus size, com deficiência ou que moram fora dos grandes centros. 

Essa população tem demanda por consumo, desde que sejam atendidas com opções de produtos e preços acessíveis. A frustração das consumidoras as levou a buscar novas alternativas para ter acesso a bens, até se conectarem a plataformas de e-commerce cross-border, como Shein, AliExpress e Shopee.

Mercado plus size em ascensão no cross-border

Isso é evidenciado pelo setor de moda plus size, por exemplo. Nos últimos dez anos, esse mercado cresceu 75,4% no Brasil, segundo dados da Associação Brasil Plus Size (ABPS). A expectativa é que o setor expanda pelo menos 10% todo ano, já que atende cerca de 57% da população brasileira – isto é, a  parcela que veste modelos superiores ao tamanho 46. 

Mas a ABPS não está vendo o varejo tradicional acompanhar a tendência, já que 90% dos produtos vêm de pequenos produtores. Coube então ao comércio eletrônico internacional preencher boa parte da demanda. 

“É difícil encontrar roupas maiores que 44 e mesmo o XG parece ser feito em uma modelagem que não corresponde ao público que o procura”, explica Carla Moreira, publicitária e usuária de roupas plus size. Ela partiu então para os marketplaces e varejistas globais que entregam no Brasil, e se especializaram em atender um público mais amplo. 

Para a consumidora interessada em moda desatendida pelo mercado tradicional, essa se tornou a regra. “Foi aí que eu, finalmente, pude encontrar uma blusa cropped do meu tamanho, por exemplo, ou um vestido mais justo que fosse confortável”, conta Moreira, em referência a modelos que se tornaram tendências de estilo nos últimos anos, mas que, frequentemente, são vendidos apenas em numeração pequena. 

Com isso, o interesse por moda plus size associado a essas plataformas cresceu mais de 12 vezes entre 2020 e 2023, de acordo com pesquisa feita pela Timelens, da agência de publicidade FutureBrand. A busca por produtos do segmento é quase cinco vezes maior nas plataformas internacionais do que em lojas tradicionais. 

“O plus size é um grande exemplo de mercado que os varejistas tradicionais vêm tendo que correr para acompanhar nos últimos anos. O interesse é antigo, desde 2012 a procura vem crescendo, mas só agora, com os players globais, estamos vendo um impulso forte de consumo”, diz o diretor e sócio da FutureBrand e da Timelens, André Matias.

Ainda de acordo com dados da Timelens, as conversas sobre o assunto na internet reuniram mais de três mil menções nos últimos dois anos e “enaltecem principalmente a variedade de roupas plus size disponíveis e como elas parecem ser efetivamente pensadas para o público, diferente do que afirmam encontrar no varejo tradicional”.

“O grande trunfo de uma plataforma global é essa elasticidade para abranger diferentes produções. Já que diferentes produtores podem colocar seu produto à disposição de um grande público, há mais oferta e demanda variada”, explica Matias.

Beleza para mulheres negras

O mesmo ocorre com o mercado voltado para a moda e beleza de mulheres negras, que representam 28% da população brasileira, segundo dados atualizados do IBGE. 

“Houve sempre uma carência de produtos de maquiagem específicos para a pele negra, por exemplo. O cross-border trouxe a possibilidade de mulheres daqui comprarem tons mais parecidos com o seus de vendedores de fora”, afirma Matias. 

Além de produtos cosméticos e de beleza específicos para pele ou cabelos negros – que atualmente o varejo brasileiro consegue atender –, a busca por perucas, extensões de cabelo e fios para compor tranças afro no e-commerce internacional cresceram entre esse público. 

Mais especificamente, as laces, perucas que se fixam na cabeça por meio de uma tela frontal – usadas pelas americanas há décadas, incluindo por estrelas como Beyoncé e Rihanna –, tiveram a demanda dobrada nos últimos dez anos, de acordo com dados do Google Trends. 

Poder ter acesso a esse tipo de item é visto como fundamental para a autoestima de mulheres negras – já que, no mínimo, não é justo que elas não tenham a mesma gama de oferta em beleza que as mulheres brancas já tinham no Brasil.

“Ter uma lace é algo que, há cinco anos, eu nem poderia pensar pelo custo que envolvia comprar uma. Hoje, eu tenho umas cinco porque costumo comprar pela internet com o preço bem mais em conta”, afirma Laura Rocha, nutricionista e consumidora do e-commerce. 

Demanda desatendida

“Do ponto de vista racional, é só pensarmos que existe uma demanda de mercado que está sendo ignorada. Quem a satisfaz, a conquista. Essa é a lógica de mercado”, diz Matias. 

Por isso, o e-commerce tem conquistado esses consumidores – que, no plano imediato, poderiam ficar desatendidos se houver uma limitação nesses canais. 

“Hoje, excluindo a América Latina, cerca de 32% dos compradores online adquirem produtos que não estão fisicamente em seu país de origem. Ou seja, fazem cross-border”, diz o fundador da plataforma e-CROSS, Rafael Sant’Anna. O empresário ajuda empresas de diversos países a instalarem e-commerce no Brasil para atingirem o público do país.

Em alguns casos, o acesso a produtos importados não se trata de ganhos em conforto, mas ter mais segurança e dignidade na vida diária. Nessa linha, as compras via plataformas de comércio eletrônico transfronteiriço também têm ajudado pessoas com deficiência e idosos. 

Esse público, frequentemente, precisa fazer compras no exterior para garantir acessibilidade a baixo custo, como mostra o youtuber Atillio Catalane, que faz vídeos ensinando a montar sistemas de casa inteligente com produtos comprados no exterior.

“No início, eu simplesmente focava em mostrar as vantagens de uma casa inteligente. Mas, aos poucos, fui percebendo como as pessoas que buscam acessibilidade foram se interessando mais e mais”, conta ele.

Segundo Catalene, poder ligar luzes, ventiladores, televisão e outros produtos por comandos de voz são alguns dos atrativos para aqueles com deficiência motora e visual. “Nas plataformas, temos uma variedade muito maior de produtos pela metade do preço cobrado no Brasil, muito por conta dos impostos”, diz ele.

“Algo que ainda não existe aqui no país, por exemplo, é o botão único de emergência. Ao ser acionado, ele manda uma mensagem pedindo socorro para familiares e outros contatos escolhidos pelo usuário, junto com sua localização”, exemplifica Catalene

As seguidoras costumam dar feedbacks ao youtuber sobre a independência que adquiriram. Ao implementar os sistemas de casa inteligente comprando os produtos indicados por Catalene, elas conseguem a autonomia que desejavam. “Hoje, é possível fazer tudo por comando de voz sem a ajuda que antes era necessária”, comenta. 

Para os consumidores que têm maior acesso, financeiro e até de mobilidade, para viajar ao exterior, a compra desses produtos é mais fácil. Eles contam ainda com a isenção de impostos de importação para produtos de até US$ 1 mil no retorno ao Brasil, o que não acontece com os brasileiros sem a mesma facilidade. 

Entrega na porta de casa 

Outro ponto que tem feito o público brasileiro aumentar o interesse pelas compras internacionais é a facilidade de envio para locais longes dos grandes centros urbanos – o que colabora para mitigar desigualdades regionais. “A questão é que nada muda se você mora no interior da região norte do Brasil ou no Rio de Janeiro”, explica Sant’Anna, da plataforma e-CROSS

“A maioria dos produtos chega pela aduaneira do aeroporto de Guarulhos e são encaminhados para as empresas de transporte que, depois do Remessa Conforme, devem conseguir fazer uma entrega rápida para o cliente”, diz ele, se referindo ao novo programa do instituído pelo governo federal no início de julho.

O Remessa Conforme, em vigor desde 1º de agosto, estabelece que as plataformas credenciadas terão os trâmites aduaneiros facilitados na chegada ao Brasil. Além disso, poderão escolher os transportadores parceiros. A expectativa é que esses elementos sejam responsáveis por uma entrega mais agilizada. 

Além disso, as compras de até US$50 feitas nessas plataformas terão isenção do imposto de importação de 60% sob o Regime de Tributação Simplificado (RTS) – permanecem, mesmo nesses casos, o ICMS de 17% em todas as compras. Em contrapartida, os marketplaces precisam garantir transparência sobre as vendas e pagamento de tributos 

“As normas tornam o pagamento de impostos mais efetivo, permitindo que tanto os correios quanto as empresas de entrega privadas tenham tempo de liberação igual, o que resulta em frete mais rápido para o consumidor final”, acrescenta.

Matos, da FutureBrand, aponta que a igualdade no tempo de entrega tem dado resultados. “Ainda que São Paulo ainda seja o estado que mais consome por conta de seu maior número populacional, vemos que, proporcionalmente, a busca pelos varejistas cross-border são maiores no Distrito Federal, Santa Catarina, Tocantins e Roraima”, diz ele. Nesses estados, a compra de um produto importado vendido diretamente no Brasil também é, via de regra, mais alto, o que os penaliza mais. 

Assim, os efeitos esperados pelo Remessa Conforme devem impactar positivamente sobretudo os consumidores tradicionalmente desatendidos pelo mercado nacional. Ou, no sentido oposto, limitações ao comércio eletrônico transfronteiriço podem ser sentidas especialmente por eles. 

Os resultados podem ser observados no acesso a bens de consumo, mas também na própria geração de renda. “Com esse acesso maior aos produtos de outras partes do mundo, produtores e empreendedores locais também podem ter mais acesso a insumos para sua própria produção”, explica o analista de competitividade do Sebrae, Gustavo Reis. 

Como exemplos, miçangas para fazer pulseiras, ferramentas e modelagens para cerâmica, tintas, papéis e materiais para costura estão entre as principais procuras dos produtores locais dentro das plataformas, cita Reis.

Impactos da tributação 

No que trata de consumo, as populações menos assistidas ainda precisam driblar outro problema: o sistema tributário brasileiro. Por seu caráter atualmente regressivo, ele faz com que mulheres negras e a baixa renda de modo geral paguem proporcionalmente mais impostos. Isso é mais um limitador ao poder de compra delas. 

Os tributos sobre consumo tendem a aumentar mais a desigualdade que aqueles incorrendo sobre renda ou propriedade, por exemplo. “Pessoas de renda mais baixa usam todos os seus recursos em gastos com bens e serviços, enquanto os de renda mais alta não: eles conseguem poupar uma grande parte”, afirma Marina Thiago, cofundadora do Pra Ser Justo, movimento suprapartidário a favor da reforma tributária atualmente correndo no Senado.

Para resolver isso, o governo, atualmente, implementa diversos descontos em alíquotas específicas, como na cesta básica e nos serviços. “Mas isso ainda não resolve a situação: a redução sobre a cesta básica atinge tanto pobres quanto ricos, por exemplo”, explica.

“Quem tem mais poder de consumo compra mais, mas continuam a não pagar impostos. A tributação que poderia sair dessas pessoas não é aproveitada”, diz ela.

O atual texto da reforma tributária sendo discutido pelo Senado inclui descontos na alíquota de alguns produtos necessários à vida, como os da cesta básica. Outra grande proposta da reforma é o chamado cashback, que devolve os impostos pagos para corrigir desigualdades de gênero, renda e raça, segundo o texto. 

De acordo com pesquisa realizada em 2021 pelo movimento, dentre os potenciais beneficiários do programa, 72% seriam pessoas negras e 57% mulheres, conforme dados do Cadastro Único (CadÚnico). 

Essa é a população que mais compromete os próprios rendimentos com o pagamento de tributos. Se houvesse maior justiça fiscal sobre o consumo, haveria mais disponibilidade de recursos para outros investimentos. 

Nesse sentido, a tributação, quando excessiva, pode limitar o acesso a bens a grupos mais vulneráveis  – enquanto a população de alta renda pode continuar comprando. No caso do comércio eletrônico, é o que pode acontecer com alíquotas elevadas incidindo de forma igual a todos os consumidores.

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