Coronavírus

Covid-19 faz discussão sobre tributação de dividendos renascer no Senado

Tema consta no PL 766/2020, que prevê transferência da arrecadação para informais

MP prevê empréstimo com juros de 3,75% ao ano
Crédito: Pixabay

A crise da saúde pública e econômica causada pela pandemia da covid-19 fez com que ressurgisse a discussão sobre a tributação de dividendos pagos por pessoas jurídicas a pessoas físicas. A proposta está no Projeto de Lei (PL) 766/2020, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP) O objetivo é usar o dinheiro arrecadado com a tributação a favor da população mais desprotegida aos efeitos da crise, ajudando principalmente os trabalhadores informais.

O PL também institui o Sistema Solidário de Proteção à Renda, que garante aos beneficiários do Bolsa Família um aumento de R$ 150, por pelo menos sete meses. Além disso, o texto também prevê a transferência de R$ 150, por pelo menos quatro meses, aos registrados no Cadastro Único e que não são beneficiários do Bolsa Família. Se aprovada pelo Senado a proposta, que tramita em regime de urgência, deve ser votada na Câmara. 

A tributação de dividendos para pessoas físicas, na forma prevista pelo PL, preocupa tributaristas, já que o projeto não aborda assuntos como a redução da tributação sobre a renda. Alguns afirmam, inclusive, que o texto seria inconstitucional por não respeitar o princípio da anterioridade, que impede a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro do projeto de lei.

O texto do PL assevera que o Poder Executivo, por meio de decreto, e a Receita Federal serão responsáveis por estabelecer as normas e alíquotas para a tributação de dividendos. Segundo a justificativa do projeto de lei, são “centenas de bilhões todos os anos que não recolhem imposto de renda, em benefício da elite econômica do País. Como a revogação de isenção não exige anterioridade, essa medida poderá arrecadar bilhões de reais para transferir aos mais pobres já este ano”. 

Para Francisco Moreira, sócio do Bocater Advogados, preocupa a simplicidade da proposta sobre um tema de alta complexidade. “Não está claro se a tributação seria sobre os lucros apurados em 2019 e distribuídos em 2020, o que é inconstitucional na minha análise, ou apurados em 2020 e distribuídos em 2021”, afirma o advogado.

Segundo o tributarista, as companhias que encerram o balanço em junho de 2020 seriam prejudicadas pela tributação, já que existiria uma desigualdade em relação às outras empresas. Haveria, ainda, o desrespeito à anterioridade. 

“Não adianta criar tributação sobre dividendos quando o Imposto de Renda Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) chegam a 34% na alíquota combinada. A maneira correta seria rever a alíquota sobre a renda, que é uma das mais altas do mundo”, afirma Moreira. 

Para ele, o ideal seria seguir o padrão da OCDE, com a alíquota média de 21% de tributação corporativa. O advogado conclui que a centralização das normas no Poder Executivo também preocupa. “A excessiva delegação ao Executivo pode violar questões de legalidade e constitucionalidade”, afirma.

STF

Segundo a tributarista Ana Monguilod, sócia do PGLaw e professora do Insper, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem se posicionado, recentemente, no sentido que o princípio da anterioridade anual deve ser observada para a revogação de uma isenção fiscal. O princípio citado pelo advogada assevera pela vedação da cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro da lei publicada. 

Em 2014, por exemplo, ao analisar o RE 564.225, o STF decidiu que princípio da anterioridade deve ser obedecido em um processo sobre a revogação de um benefício fiscal de ICMS. Em 2008, a extinção de desconto para o pagamento do IPVA sem a obediência do princípio da anterioridade também foi vedada pela Corte na ADI 4.016-2. 

“Além disso, é extremamente questionável o fato de o PL delegar ao Executivo o poder de revogar a isenção e estabelecer as alíquotas. Ou seja, teríamos o Poder Executivo criando tributação pelo Imposto de Renda” afirma Monguilod. 

Para ela, as consequências do PL, caso aprovado, seriam a “corrida pela distribuição de dividendos” por parte das empresas e uma maior descapitalização das companhias. “Só vai agravar um cenário que já é ruim”, conclui a tributarista. 

Coronavírus

Segundo Marcos Lisboa, presidente do Insper, a eventual tributação de dividendos não poderia financiar o combate ao coronavírus porque a medida só poderia funcionar em 2021, pela regra da anualidade. 

Para ele, a medida tem o potencial de piorar a economia do país. “O governo está dando dinheiro para a sociedade porque a ela vai quebrar. Agora, querem tirar dinheiro da sociedade? Dá com uma mão e tira com a outra? Dividendos pagam impostos no país. Se quiser tributar dividendos, tem que reduzir a tributação dos lucros”, afirma o economista. 

Segundo Lisboa, a aprovação do PL pode gerar ainda mais desconfiança dos investidores para o cenário futuro brasileiro. “O investimento estrangeiro está indo embora do Brasil há muito tempo e batemos o recorde de estrangeiros saindo do Brasil antes da crise. A taxa de juros de longo prazo do país está subindo. Isso é sinal que as pessoas acham que vai piorar no futuro. E, desse jeito, vai piorar muito”, diz.  

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