Ao autorizar a prisão do deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil); Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro; e Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior, delegado da Polícia Civil, na manhã deste domingo (24/3), o ministro Alexandre de Moraes justificou que o trio se aproveita do aparato estatal para atrapalhar as investigações e não elucidar o assassinato de Marielle Franco, e do motorista Anderson Gomes, além da tentativa de homicídio da assessora Fernanda Chaves. Leia a íntegra da decisão de Moraes e da manifestação da PGR.
Ainda, Moraes citou trechos do relatório da Polícia Federal que diz que os indícios de autoria dos irmãos Brazão são “eloquentes” e que eles contrataram dois serviços: a execução e a garantia prévia de impunidade dentro da Polícia Civil por meio de Rivaldo Barbosa.
A decisão de Moraes será colocada em plenário virtual para o referendo dos demais ministros da 1ª Turma a partir das 0h do dia 25 de março. Compõem a 1ª Turma, além de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Na decisão, Moraes destaca trechos do relatório da Polícia Federal que apresentam indícios da conexão dos irmãos Brazão, em especial de Domingos, com atividades criminosas relacionadas com milícias e “grilagem” de terras. As autoridades policiais apontam ainda a animosidade dos “Irmãos Brazão” em face de políticos do PSol por conta da regularização fundiária e defesa do direito à moradia no Rio de Janeiro. Leia a íntegra do relatório.
Ainda segundo o relatório da PF, o cenário de conflito entre os Brazão e políticos do PSol, como Marielle Franco, aumentou no segundo semestre de 2017, justamente no período em que o delator, Ronnie Lessa, apontado como executor do crime, diz que se começou o planejamento da execução da vereadora. Na época, Chiquinho Brazão teria tido uma reação “descontrolada” à atuação de Marielle na apertada votação do PLC 174/2016, que tratava sobre assuntos fundiários no município do Rio de Janeiro.
Em outro trecho destacado pelo ministro, a Polícia Federal afirma que os irmãos Brazão infiltraram uma pessoa no PSol (Laerte Silva de Lima) para fazer um levantamento interno de informações.
Entre as informações colhidas estava a de que Marielle pediu para a população não aderir a novos loteamentos situados em áreas de milícia.
A partir desse “levantamento” foi apresentada a proposta do crime. Na ocasião, Rivaldo, que era diretor da divisão de homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro, orientou aos mandantes que a execução não poderia se originar da Câmara dos Vereadores.
Obstrução de investigações
De acordo com Moraes, há, nos autos, fortes indícios e provas de materialidade e autoria dos crimes dos irmãos Brazão e da atuação de Rivaldo Barbosa para atrapalhar as investigações. Portanto, na visão do ministro, as prisões são necessárias para manter a ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a verdadeira aplicação da lei penal.
Na decisão, o ministro destaca um trecho do relatório da Polícia Federal que diz: “até os dias atuais é possível aferir a movimentação de DOMINGOS, CHIQUINHO e RIVALDO no sentido de criar obstáculos à regular tramitação da elucidação dos fatos que circundam o homicídio de Marielle e Anderson”.
No documento da Polícia Federal que embasou a decisão de Moraes, as autoridades policiais dizem que “não pairam dúvidas” acerca da necessidade da decretação da prisão do trio. “Afinal, há seis anos o grupo tenta obstruir as investigações a partir de uma teia de interações e relacionamentos escusos existentes” com órgãos estatais que deveriam combater os crimes dessa natureza.
“Nesse contexto de absurdos e excrescências, é absolutamente deplorável que estejamos diante de um cenário de crime pré-pago no Rio de Janeiro, onde os autores intelectuais avançam com a polícia judiciária a melhor forma de se cometer um homicídio, a fim de que não haja qualquer represália no decorrer de sua futura apuração”, diz um dos trechos do relatório.
O relatório da PF também conclui que “Todos esses elementos descortinam a existência de um verdadeiro estado paralelo, capitaneado pelos campos da política fluminense e detentores da palavra final de quem deve morrer ou viver na Guanabara”.
E acrescenta: “Pior. Inicialmente essa política perniciosa em relação aos crimes contra a vida era restrita aos efeitos colaterais de diversos conflitos paralelos que ocorrem no Rio de Janeiro, tais como guerras de facções do tráfico de entorpecentes, confrontos entre milícias paramilitares, disputas de territórios do famigerado jogo do bicho e máquinas caça-níquel, etc; Entretanto, o presente caso revela que as desavenças regulares do jogo político transbordaram o tabuleiro da democracia e descambar para essa mesma vala de sangue e corrupção”.
Os três presos ficarão na Penitenciária Federal, em Brasília. Segundo a assessoria do STF, eles passaram por audiência de custódia conduzidas pelo magistrado instrutor do gabinete do ministro, desembargador Airton Vieira, nesta manhã, na Superintendência da Polícia Federal no Rio. Depois, foram transferidos para o Distrito Federal.
Moraes também determinou que o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira, seja comunicado da prisão do parlamentar Chiquinho Brazão.
Outros envolvidos
Além das três prisões preventivas, foram determinadas outras medidas ao trio e a outros envolvidos – o delegado da Polícia Civil Giniton Lages; o comissário de Polícia Civil, Marco Antônio de Barros Pinto; a advogada Érika Andrade de Almeida Araújo; e o assessor de Domingos Brazão, Robson Calixto Fonseca.
De acordo com a PF, Robson Calixto figura como miliciano e é apontado como o responsável por arrecadar valores auferidos por grupo paramilitar organizado do tipo milícia na região da Taquara, no Rio de Janeiro. Érika Andrade é esposa do delegado Rivaldo – ela teria empresas usadas para crimes como lavagem de dinheiro e corrupção. Giniton Lages e Marco Antônio Pinto teriam contribuído com a obstrução da investigação dos assassinatos de Marielle e Anderson.
Entre as medidas estão: busca e apreensão domiciliar e pessoal; bloqueio de bens; afastamento das funções públicas, uso de tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno, entrega de passaporte, suspensão de porte de armas, e apresentação perante o juízo da execução no RJ.
Ministério da Justiça
Em entrevista coletiva na tarde deste domingo, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmou que a corporação concluiu que os irmãos Brazão são os mandantes do crime, mas não descartou novas descobertas após a análise do material apreendido neste domingo.
“Nesse momento, a PF encerra essa fase da investigação, apontando não só os mandantes, mas apontando também executores e intermediários e que, de alguma maneira, tem alguma relação com o crime. Isso não anula, nem invalida que eventuais outras ações possam ser adotadas, a partir, inclusive, dessa etapa agora das apreensões e análise de material que vai ser feita e encaminhada ao poder público judiciário.”
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou que a Polícia Federal entrou na investigação do crime em fevereiro de 2023 após identificar as obstruções à elucidação do caso dentro da Polícia Civil do Rio de Janeiro e aproveitou a coletiva para reforçar a prioridade da pasta com o combate ao crime organizado.
“Isso mostra que o crime organizado não terá sucesso aqui em nosso país porque temos uma polícia forte, efetiva” e as forças de segurança estão em alerta e atentas e estão suficientemente preparadas para enfrentar o crime organizado”, disse.
Lewandowski afirmou que a prisão dos mandantes do crime contra Marielle e Anderson é um “Triunfo do estado brasileiro”.
Relatoria de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes é o relator do inquérito 4954 por sorteio no Supremo Tribunal Federal. O sorteio ocorreu apenas entre ministros da 1ª Turma porque havia uma prevenção no caso, isto é, a ministra Rosa Weber já cuidava do assunto por conta de uma habeas corpus impetrado pela defesa de Ronnie Lessa no Supremo. Porém, como ela aposentou, houve uma redistribuição entre os cinco ministros que compõem a turma e acabou sendo designado para Alexandre de Moraes.
Repercussão na família de Marielle
Em nota enviada à imprensa, assinada pelos familiares de Marielle, Marinete, Anielle, Antônio e Luyara, a família disse que as prisões são um “passo importante para a busca da Justiça”. Confira a íntegra:
“Neste Domingo de Ramos (24), dia de celebrar nossa fé, a luta por justiça, e na liturgia o domingo que antecede a Páscoa sobre recomeços e ressurreição, acordamos com a notícia da operação conjunta da Procuradoria Geral da República, Ministério Público do Rio de Janeiro e da Polícia Federal.
Hoje é um dia histórico para a democracia brasileira e um passo importante na busca por justiça no caso de Marielle e Anderson. São mais de 6 anos esperando respostas sobre quem mandou matar Marielle e o por quê?.
Marielle era uma parlamentar eleita com mais de 46 mil votos na Cidade do Rio de Janeiro e tinha uma atuação voltada à garantia de direitos para a população fluminense e melhoria das condições de vida de toda a cidade, com atenção para aquelas e aqueles que comumente tem seus direitos fundamentais violados: moradores das favelas e periferias, pessoas negras, mulheres, trabalhadores informais. Sua luta era por justiça social, garantia de direitos básicos para a população. E é por essa razão que sua luta não termina com seu bárbaro assassinato e de seu motorista, Anderson.
A resolução do caso é central para nós, mas não apenas. Hoje, falamos da importância desta resposta para todo o Brasil, os eleitores de Marielle, para defensoras e defensores de direitos humanos e para a população mais vulnerabilizada desse país.
É importante não perdermos de vista que até o momento ninguém foi efetivamente responsabilizado por esse crime, entre os apontados como executores e mandantes. Todas as prisões são preventivas e ainda há muita coisa a ser investigada e elucidada, principalmente sobre o esclarecimento das motivações de um crime tão cruel como esse. Mas, os esforços coordenados das autoridades são uma centelha de esperança para nós familiares.
Reconhecemos o empenho da Procuradoria Geral da República, da Polícia Federal, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e do Ministro Alexandre de Moraes do STF para avançar por respostas sobre o caso, agora aguardamos o resultado da condução da investigação e a eventual denúncia dos mandantes e de todos os responsáveis pelas obstruções da justiça.
Neste dia de dor e esperança, nossa família segue lutando por justiça. Nada trará nossa Mari de volta, mas estamos a um passo mais perto das respostas que tanto almejamos”.
Entenda a investigação que apura quem matou Marielle Franco
Há seis anos o caso é investigado, mas esbarra em obstáculos para identificar os mandantes. Marielle e Anderson foram assassinados em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro, quando a vereadora ia embora de um evento público.
A suspeita é de que tenha sido um crime político, com envolvimento de milícias. Um dos motivos levam a esse entendimento é o fato de a vereadora ter tido atuação marcada pelo combate às milícias.
Antes de ser eleita, ela havia trabalhado com o ex-deputado estadual Marcelo Freixo, quando ele comandou a CPI das Milícias no Rio de Janeiro. À época, quando liderou a CPI, Freixo sofreu uma série de ameaças. A comissão foi responsável por destrinchar o funcionamento e as denúncias contra as milícias.
A vereadora havia sido a 5ª mais votada nas eleições no Rio em 2016. Além de ser conhecida por atender vítimas da milícia e por dar apoio a policiais vitimados pela violência no Rio e às suas famílias, ela denunciava abusos da Polícia Militar.