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Experiências e propostas para as sanções no novo arcabouço fiscal

Estudo aponta que desenho do governo está na direção correta, mas pode ser aperfeiçoado para obter maior eficácia

arcabouço fiscal
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anuncia o novo arcabouço fiscal em entrevista coletiva com a equipe econômica. Crédito: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

O desenho proposto pelo governo para estimular o cumprimento de meta de resultado primário no novo arcabouço fiscal funciona e está na direção correta, mas pode ser aperfeiçoado para dar maior eficácia à proposta. A avaliação é do ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda e coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre, Manoel Pires, em estudo antecipado ao JOTA e que será publicado no Blog do Ibre.

Pires fez um levantamento sobre os chamados “enforcements” praticados em diversos grupos de países para entender os caminhos que têm sido seguidos nesse tema. A discussão sobre os mecanismos para lidar com desvios em relação às metas é hoje o principal tema nas negociações em torno do novo arcabouço fiscal no Congresso.

Considerando o universo dos países da OCDE, o levantamento do economista mostra que a maioria (18) prevê entre as punições a apresentação de requerimentos para que se proponham medidas fiscais corretivas ao Congresso. Em 14 países, há previsão de requerimento para que se explique o descumprimento da meta ao Legislativo. Em nove casos, há previsão de medidas corretivas a serem implementados pelo responsável pela gestão fiscal. Sanções automáticas estão em apenas cinco países da OCDE, menos do que o número de países sem qualquer previsão de sanções, que somam sete.

“Na América Latina, apenas o Brasil apresenta sanções automáticas. A maior concentração dos mecanismos de ‘enforcement’ ocorre na adoção de instrumentos corretivos e na relação com o Congresso Nacional, exatamente como está sendo proposto pelo NAF. Como é possível verificar, o Brasil não adota os mecanismos mais utilizados pelos países-membros da OCDE”, explica Pires.

Apesar da tendência de aprovação sem alterações profundas, a nova regra fiscal proposta pelo governo tem sido criticada pelo mercado e em grande parte do Congresso por dois fatores. O primeiro é a desobrigação de se contingenciar os gastos em caso de previsão de descumprimento de meta. O segundo refere-se às sanções a serem aplicadas caso o resultado fique abaixo do limite de tolerância, a saber a carta do presidente se justificando e se comprometendo a detalhar e aprovar medidas fiscais saneadoras para corrigir o desvio nos próximos exercícios e o redutor do crescimento de despesas – que sairia de 70% para 50% da variação positiva da arrecadação.

“A lógica [das críticas] é que se existem punições muito fracas, o incentivo para o governo se esforçar e cumprir as metas dispostas será muito baixo e o arcabouço fiscal não funcionará adequadamente”, explicou. Para ele, porém, o debate gerado pela proposta do governo é saudável para se desenhar um sistema mais eficaz no sentido de se apontar um horizonte de consolidação fiscal que ao mesmo tempo dê flexibilidade para o gestor da economia agir e cumprir a agenda vencedora nas urnas. “Uma visão mais construtiva, portanto, é avaliar como a proposta pode ser aperfeiçoada a partir de uma análise criteriosa dos seus mecanismos corretivos”, disse.

No texto, Pires não apresenta propostas porque seu foco é mais analisar as experiências existentes, mas deu duas sugestões à coluna. “Do meu ponto de vista, eu aumentaria o redutor e combinaria isso com alguma proibição de aumento de despesa obrigatória que o governo possa tomar”, disse, citando como exemplo medidas na área de pessoal e da Previdência.

O economista considera simplista a crítica de que a flexibilização do “enforcement” serve ao interesse político do governo atual em aumentar os gastos. “Cabe lembrar, nesse caso, que vários técnicos do Tesouro Nacional no ano passado – durante, portanto, o governo Bolsonaro – elaboraram uma nova proposta de regra fiscal que previa exatamente os mecanismos propostos pelo NAF”, destacou.

Nesse sentido, ele também lembra que a área técnica do Tesouro propôs no governo passado o fim do contingenciamento, “pela percepção correta de que esse instrumento não funciona mais em função da crescente rigidez do orçamento” e que “ocorreu como resposta da classe política aos cortes orçamentários recorrentes e às dificuldades de planejamento dos órgãos centrais de governo”.

Pires salienta que “enforcements” de natureza punitivista não garantem que o gestor da política econômica de fato se empenhe para cumprir as metas fiscais. “Na prática, o medo da punição resulta na definição de metas pouco desafiadoras”, disse, reforçando um argumento que interlocutores do governo têm lançado com frequência. “Por outro lado, é importante observar que um sistema de ‘enforcement’ muito frágil pode produzir o efeito oposto: um governo pode definir metas absolutamente irrazoáveis e não se esforçar para atingi-las, comprometendo a credibilidade do sistema econômico e da política fiscal”, completou, reverberando a preocupação do mercado, que tem duvidado da capacidade de o governo entregar as metas prometidas para os próximos anos.

Diante disso, Pires simulou o comportamento do resultado primário no contexto da proposta atual do governo. “No cenário base, considerei a regra de despesa aplicando 70% do crescimento da receita real definida pela nova regra fiscal. No cenário alternativo aplico a regra de despesa a partir de 50% do crescimento do respectivo critério de receita”, explicou.

Pelas contas dele, o redutor de 50% pode melhorar o resultado primário em comparação à regra principal, mas não de forma substancial. “Ao final de três anos de aplicação do redutor, o resultado primário seria apenas 0,2 p.p. superior ao cenário base. Todo o ajuste é feito pela despesa, que ao final de 2026, atingiria 18,5% do PIB contra 18,7% do PIB no cenário base”, relata.

Pires também simula um cenário no qual coloca um redutor alternativo de 30% do crescimento da receita real, algo que não existe na proposta original. “O resultado indica que o déficit primário ao longo dos três anos seguintes seria reduzido para 0,2% do PIB. Em relação ao cenário base, esse mecanismo sozinho teria produzido um efeito de redução do déficit primário de 0,6 p.p. do PIB, um resultado bastante razoável”, disse, complementando que essa ideia de um redutor mais elevado poderia ser aplicada caso ocorresse um desvio grande em relação à meta fiscal.

O estudo de Pires é uma contribuição muito útil para o debate que se tornou central no destino do arcabouço fiscal no Congresso, em meio a pressões por endurecimento e flexibilização no texto do governo.

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