Facilitar e promover o ambiente de inovação de produtos, serviços e modelos de negócios em setores da economia fiscalizados por agências e órgãos reguladores são os objetivos do chamado ‘sandbox regulatório‘. Na prática, deveria promover espaços seguros para empresas novas e consolidadas inovarem e realizarem testes sem medo da rigidez do arcabouço jurídico aplicado por agentes fiscalizadores. O problema é que a maioria dos reguladores ainda não conseguiu tirar do papel modelos aplicáveis de sandbox dos pontos de vista da segurança jurídica.
A dificuldade ganhou, agora, atenção do governo federal, que pretende estabelecer diretrizes para uniformizar as bases comuns do sandbox. É o que explica em entrevista ao JOTA Sabrina Maciel, diretora do Departamento de Política Regulatória (Dereg) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). De acordo com ela, o governo prepara uma agenda para uniformizar os processos básicos do sandbox e facilitar a troca de informação entre agências e órgãos envolvidos no processo de regulação do país. “Muitas agências mencionam não fazer [o sandbox] até pelo risco jurídico”, diz.
Superar esse medo é um dos objetivos do decreto 11.738/2023, publicado na última quinta-feira (19/10), que reformula o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG). “O PRO-REG vai buscar um pouco dessa uniformização de práticas em temas de fronteiras, como o sandbox regulatório. Já tem algumas agências fazendo, mas cada uma faz de um jeito. Não tem uma uniformização, um local onde cada um possa trocar experiência e apoiar o outro”, avalia.
Sabrina afirma que a reformulação do comitê gestor do PRO-REG busca o intercâmbio para melhorar o ambiente regulatório no país, visando transformar o padrão atual de comando e controle no qual as agências atuam de forma impositiva. O comitê será formado por integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU); Casa Civil; Controladoria-Geral da União (CGU); e os ministérios da Fazenda, Gestão e do Planejamento. As agências não participam, mas irão integrar oficinas técnicas para formular boas práticas de gestão para avaliação do comitê. “Estamos fazendo um diagnóstico inicial e vamos trabalhar em oficinas juntamente com as agências e órgãos reguladores. Dessas oficinas vai sair uma estratégia nacional com a priorizações de ações que vamos trabalhar no PRO-REG”, adianta.
O objetivo principal da reformulação é atacar o maior gargalo dos agentes reguladores: as análises de impacto regulatório. As análises são medidas tomadas por uma agência com poder de afetar todo um setor econômico. Mas a maioria tem dificuldade para calcular qual o custo de conformidade de um ato regulatório para o segmento diretamente impactado e para o consumidor final. “Há um estudo que identificou que de 49 relatórios de avaliação de impacto de risco feitos pelas agências, apenas 10 usaram alguma metodologia de custo”, explica.
Por isso, o comitê presidido pelo MDIC irá buscar parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para abrasileirar experiências feitas no México e Portugal na criação de uma calculadora digital. A ideia é reformular a Calculadora de Onerosidade Regulatória (CalReg), lançada no final do ano passado, mas com pouca efetividade. Faltam dados para alimentar a planilha e mensurar custos. “É uma planilha de excel onde [o servidor] tem de inserir todos os custos envolvidos na regulação. O que acontece é que para utilizar essa planilha a agência precisa ter esses dados e ela não consegue ter para preencher”, afirma.
A diretora do Dereg chama de “tarefa hercúlea” o desafio de identificar todos custos envolvidos num ato regulatório. Por isso, a parceria com BID vai envolver AGU, CGU, TCU e entidades do setor privado. “Portugal fez uma calculadora já indicando os custos administrativos daquela norma. É uma ferramenta digital que já tem esses dados. O que estamos fazendo é diversas parcerias para poder criar pilotos em alguns setores para mapear custos e disponibilizar esses dados”, diz. “A ideia é facilitar para que qualquer servidor possa fazer a avaliação de impacto e disseminar essa cultura”, indica.
O PRO-REG repaginado deve atacar outro problema das agências: a criação de agendas regulatórias previsíveis, nas quais os setores regulados possam visualizar com antecedência o momento em que determinado tema entrará na pauta e, assim, parem-se para participar. Haverá, segundo Sabrina, esforço para ampliar a participação social nos mecanismos de consultas públicas — muitas vezes abertas pró-forma, após a norma já ter sido estabelecida. Além da busca por maior transparência do papel da regulação para a sociedade. “A gente tem muita clareza do custo orçamentário e como uma política pública impacta o cidadão, mas acabamos fazendo regulações sem clareza de como a distribuição de custos impacta toda a sociedade”, pondera.
O desafio da reestruturação no programa passa por clarificar o funcionamento de um ecossistema regulatório que cresceu desde a década de 1990 e cuja atuação custa para o bolso do cidadão. “Havia no passado a ideia de que só agência reguladora regula, mas não. Temos vários órgãos da administração direta regulando o tempo todo e eles não se enxergam como reguladores. Precisamos trazer essa visão para que a intervenção do Estado como regulador seja mais efetiva e gere o menor custo possível. Esse é o papel do PRO-REG, a melhoria da qualidade regulatória no país”, diz Sabrina.