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Prazos do CPC e a crise causada pelo coronavírus

Análise do prazo do art. 523, §1º, do CPC

@flickr/DafneCholet

O art. 523, §1º, do Código de Processo Civil é um dos dispositivos que rege a execução de sentença civis que contenham obrigações de pagar. De acordo com o referido dispositivo, o executado tem um prazo de 15 (quinze) dias para realizar o pagamento do valor objeto da condenação.

O próprio dispositivo estabelece as consequências para o descumprimento de tal prazo, estipulando que, em tal hipótese, o crédito executado será acrescido de multa de 10% (dez por cento), bem como de honorários advocatícios de 10% (dez por cento). Os referidos encargos possuem função coercitiva; isto é, visam infundir do devedor/réu pressão no sentido de realizar o pagamento voluntário, afastando, deste modo, a necessidade de execução forçada. Ou seja, cuida-se de meio executivo que age sobre a vontade do devedor, tornando o inadimplemento manifestamente desvantajoso1.

A crise resultante do chamado coronavírus (SARS-COVID/02) trouxe diversas dificuldades para a sociedade em geral, notadamente para os empresários, que, além das despesas correntes, deparam-se cotidianamente com um fluxo de demandas e, eventualmente, de condenações em obrigações de pagar quantias.

Em determinados ramos empresariais, houve a própria interrupção das atividades por ato do Poder Público (como nos casos dos shopping centers e transporte público), o que tende a gerar dramática a situação de estrangulamento de caixa, culminando, muito provavelmente, na impossibilidade material de pagamento dos valores advindos de condenações judiciais.

Ciente de tais dificuldades no ramo da aviação civil, o Poder Executivo Federal editou a Medida Provisória de n. 925, de 2020, que confere prazo de 12 (doze) meses para reembolso do valor decorrente da compra de passagens aéreas. Certamente, tal dispositivo será invocado pelas companhias aéreas nos casos de condenações advindas de cancelamentos decorrentes da crise.

Entretanto, tal medida provisória se aplica apenas a um ramo da economia, havendo diversos outros que, igualmente afetados, não foram contemplados. Há, portanto, o seguinte problema: o que fazer com os demais ramos de atividade e com os prazos e consequências advindas do art. 523, §1º, do CPC?

Em um primeiro momento, é possível supor que a suspensão nacional dos prazos processuais – determinada por Resolução do Conselho Nacional de Justiça – sobrestará tais pagamentos até o dia 30 de abril de 2020 (data final da suspensão). Isto porque, embora se trate de um prazo instituído para a prática de ato da parte, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a contagem respectiva deve se dar em dias úteis, o que, provavelmente, levará à conclusão pela não contagem respectiva durante o período de suspensão2.

Com o restabelecimento dos prazos, contudo, é possível que o problema persista, sobretudo para os ramos afetados diretamente pela crise, tais como os setores de turismo, alimentação e transporte público, notoriamente afetados.

Para fazer frente a tal problema, é importante que o Poder Judiciário admita, em casos excepcionais, que a parte executada suscite a impossibilidade material de pagamento (advinda do caos social gerado) e com isso afaste a multa e os honorários decorrentes do art. 523, §1º, do CPC; afinal, tais encargos só possuem razão de ser caso o devedor tenha a possibilidade optar pelo pagamento, o que, infelizmente, tende a não ocorrer em segmentos específicos da atividade econômica nacional, cuja liquidez tende a ser reduzir sensivelmente.

No último dia 23, inclusive, a 32ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro deixou de aplicar multa decorrente do não pagamento de acordo judicial, ao passo que sobrestou o pagamento da avença até o restabelecimento da atividade empresarial desempenhada pelo executado3.

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1 DIDIER JR. Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. 7 ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 5, p. 518.

2 Conferir p. ex: Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, REsp 1708348/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/06/2019, DJe 01/08/2019; e, Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma, REsp 1693784/DF, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017, DJe 05/02/2018

3 Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, 32ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, ATOrd 100730-07.2019.5.01.0032, juiz: Filipe Ribeiro Alves Passo, julgado em 23 de março de 2020.

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