Os impactos da crise gerada pela pandemia de Covid-19 na economia, em decorrência das medidas de isolamento impostas à população e da paralisação ou diminuição relevante das atividades das empresas, levaram à adoção de uma série de medidas tributárias para mitigar seus efeitos por governos ao redor do mundo.
Logo no início da pandemia do COVID-19, que atingiu inicialmente os países do Leste Asiático e da Europa, alastrando-se depois pelo resto do mundo, a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), por meio do seu CTPA (Centre for Tax Policy and Administration), preocupou-se em mapear o impacto da mesma nas atividades econômicas e, portanto, na arrecadação tributária, com reflexos para a governança dos serviços públicos por ela custeada, e para a saúde econômica das empresas e das famílias.
A OCDE, como é cediço, se afigura como um fórum global de boas práticas internacionais, composto, hoje, por 37 países que adotam a democracia representativa e a economia de mercado[1].
Criada em 1948 para gerir os recursos do Plano Marshall, inicialmente era Organização Europeia para a Cooperação Econômica, OECE, abrindo-se para países não-europeus em 1961, passando a ter status de organismo mundial.
A OCDE possui cerca de 200 comitês, grupos de trabalho e forças-tarefa, nos quais as reuniões e debates permitem troca de experiências e coordenação de políticas em áreas diversas da atuação governamental. Por ser um fórum mais restrito que a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMC (Organização Mundial do Comércio), é mais fácil, ali, conseguir convergência no tratamento dos temas, notadamente aqueles mais controversos.
O Brasil, em que pese ainda não ser formalmente um país-membro da OCDE, é considerado um key partner e, por isso, participa regularmente dos trabalhos de diversos comitês, como os de Agricultura, de Estatísticas, de Política Científica e Tecnológica, de Investimentos, de Comércio, dentre outros. Do ponto de vista tributário, participa, por exemplo, do Grupo de Trabalho de Impostos sobre Consumo (Working Party 9 – WP9[2]), além de estar incluído nas discussões do conhecido Projeto anti-BEPS, de combate à evasão tributária, e na discussão dos impactos tributários trazidos pela Economia Digital.
O acima mencionado CTPA (Centre for Tax Policy and Administration), responsável pelo mapeamento das medidas de combate à pandemia, é o comitê de maior destaque no que se refere às questões tributárias, tendo sido dirigido por Jeffrey Owens, e cujo atual diretor é o francês Pascal Saint-Amans.
O organismo internacional em questão previu que haveria quatro (4) fases principais nas políticas governamentais para enfrentar os aspectos econômicos e tributários da pandemia. São elas: (1) a fase de resposta imediata; (2) a fase de amortecimento dos impactos e da capacidade de preservação; (3) a fase de recuperação; e (4) a fase de resiliência e de recuperação econômica e arrecadatória dos tributos.
Para mensurar e avaliar a primeira fase, no mês de março último, a OCDE realizou pesquisa em 47 jurisdições, compreendendo seus 37 países membros e outros, como o Brasil, Peru, China, Malásia, Vietnã e Indonésia. A pesquisa versou sobre as medidas adotadas em relação às diferentes espécies de tributos, a saber: (i) os diretos, sobre a propriedade e a renda; (ii) os indiretos, sobre o consumo; e (iii) aqueles destinados ao custeio da seguridade social e da previdência.
As jurisdições que responderam à pesquisa preencheram uma tabela contendo, para cada espécie tributária, o elenco de medidas adotadas, a data de sua implantação e do seu término previsto, a estimativa de custo e o detalhamento das medidas.
A planilha da OCDE continha uma primeira classificação de medidas possíveis, que poderíamos denominar de gêneros de medidas, a saber: a) prorrogação de prazos; b) diferimento de pagamentos; c) eliminação de multas e juros; d) facilitação do parcelamento de débitos; e) suspensão da recuperação de ativos; f) agilização da recuperação de tributos; g) mudanças temporárias nas auditorias e flexibilização de controles; h) novas e mais ágeis formas de comunicação e de prestação de serviços.
Para cada um daqueles gêneros, a planilha da OCDE também previa algumas espécies de medidas, das seguintes naturezas: a) melhoria do fluxo de caixa das empresas; b) apoio ao sistema de saúde; c) transferências financeiras; d) política tributária de apoio ao consumo; e) política tributária de apoio ao emprego; f) política tributária de apoio ao investimento; g) outras medida de política tributária; h) outras medidas não fiscais.
Na análise das respostas, a OCDE imediatamente, percebeu um alinhamento amplo nas tipologias de medidas adotadas, embora a “profundidade” destas pudesse diferir de um país a outro.
Primeiramente, percebeu-se que quanto mais restritivas foram as medidas de isolamento social (“lockdown”), um maior número de medidas foi tomado. De outro lado, em um dado ainda a ser confirmado, onde houve um menor número de medidas, a informação é que elas foram mais “generosas”.
De modo geral, notou-se uma maior frequência na adoção de medidas de apoio financeiro às famílias e de favorecimento do fluxo de caixa das empresas, em especial do setor de saúde.
Notou-se, também, um aprendizado por parte dos países muito afetados pela crise de 2008/2009, refletido na redução de jornadas de trabalho, para preservar o emprego, e por medidas de facilitação do pagamento de hipotecas.
É possível dizer que houve maior gama de medidas de administração tributária do que de política tributária.
Dentre as medidas de administração tributária, tivemos: (i) prorrogação do prazo para atendimento de deveres registrais e instrumentais (obrigações acessórias) (30% dos países da OCDE e do G20); (ii) prorrogação do prazo para o pagamento de impostos e/ou de contribuições para a seguridade social (80% dos países da OCDE e do G20); (iii) agilização da devolução de tributos (30% dos países da OCDE e do G20); (iv) agilização do desembaraço aduaneiro de produtos para o combate à pandemia.
Em relação às medidas de política tributária, as principais foram: (i) redução das contribuições para a previdência social; (ii) maiores provisões para prejuízo; (iii) isenções ou redução do IVA para medicamentos, equipamentos e serviços prestados no combate à pandemia (25% dos países da OCDE e do G20); (iv) medidas tributárias para reduzir a carga tributária das empresas e dos empregados do setor de saúde.
Naquilo que é pertinente ao Brasil, o fato de nosso país possuir um sistema federativo peculiar dificulta a adoção de medidas que valham, uniformemente, para todos os tributos nacionais, especialmente se levarmos em conta a quase completa ausência de coordenação entre as medidas tomadas pelo governo federal e aquelas dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Apesar disso, de modo geral, o Brasil parece alinhado (“alinhamento amplo”, mas não necessariamente profundo, como descrito pela OCDE) à adoção de medidas, tanto de administração tributária, quanto de política tributária, voltadas a tributos diretos (em menor escala), indiretos e destinados ao financiamento da seguridade social.
Por aqui, destacam-se as seguintes atitudes tributárias no combate aos efeitos negativos da pandemia de Covid-19 na economia:
- reduções temporárias de alíquotas, como nos casos de IOF-Crédito; IPI para produtos médico-hospitalares; Imposto de Importação para produtos utilizados no combate à pandemia; PIS/COFINS para alguns produtos utilizados no enfrentamento da pandemia; Contribuições ao “Sistema S”; FGTS para casos de encerramento definitivo de atividades empresariais durante a pandemia; ICMS para determinados produtos e em apenas alguns Estados; ISS para determinados serviços e em poucos Municípios;
- renegociações de dívidas, como nos casos de reabertura de parcelamentos em âmbitos municipais e estaduais. Poderia ser enquadrada, aqui, a implantação da legislação referente à transação tributária no âmbito federal;
- prorrogação de prazo para drawback suspensão e isenção, gerando desoneração de tributos incidentes nas importações de bens utilizados em produtos a serem exportados;
- prorrogação de medidas de cobrança administrativa de dívida ativa da União, tendo sido realizado, também, por alguns Estados e Municípios;
- suspensão de envio de débitos para protesto em cartório, por parte da União e de alguns Estados e Municípios;
- suspensão de prazos de defesas e recursos administrativos, especialmente em âmbitos federal e estadual;
- suspensão de prazos para apresentação antecipada de garantia em execução fiscal, por parte da União;
- suspensão de prazo para apresentação de pedidos de revisão de dívida ativa, também por parte da União;
- suspensão de exclusões de parcelamentos por inadimplência, medida tomada por todos os entes federados;
- autorização para isenção de ICMS, em decisão tomada pelo CONFAZ;
- prorrogação de obrigações acessórias, medida tomada pelos três níveis de entes federados;
- prorrogação de prazo para enquadramento no SIMPLES Nacional, medida com efeitos diretos para relações com a União, com os Estados e com os Municípios;
- prorrogações de certidões de regularidade fiscal, em todos os entes federados;
- prorrogação de prazo de pagamento de alguns tributos, a exemplo de INSS-Patronal, PIS, COFINS, IRPF, IPTU, ISS, ICMS;
- suspensão de débitos automáticos para pagamento de parcelamentos, especialmente em âmbito federal;
- simplificação de normas para apresentação de documentos à Receita Federal do Brasil e a Secretarias de Fazendas Estaduais e Municipais;
- simplificação de regras para despacho aduaneiro;
- prorrogação de vencimentos de parcelas de parcelamentos;
- prorrogação de prazo de pagamento da Guia do SIMPLES, que contém vários tributos federais, estaduais e municipais;
- facilitação dos procedimentos de recuperação de créditos tributários e compensações tributárias, medida adotada por pouquíssimos Estados e não aplicada pela União (pelo menos, até o momento);
- eliminação de juros e aplicação de penalidades tributárias, no caso de alguns Estados e Municípios.
O nível de fragilidade econômica dos entes federados brasileiros parece influenciar diretamente a quantidade e o alcance das medidas adotadas por cada um. Os Municípios, que são notadamente os entes subnacionais (locais) com menor capacidade de arrecadação própria, ou não aplicam qualquer medida tributária de combate aos efeitos econômicos advindos da pandemia, ou aplicam medidas tímidas, condizentes com sua realidade financeira.
O mesmo raciocínio se aplica aos Estados (entes subnacionais regionais) que, no entanto, atuam em maior medida, do ponto de vista tributário, do que os entes subnacionais locais no combate aos efeitos econômicos da pandemia de Covid-19.
A União, enquanto ente nacional, quase não tomou medidas tributárias no contexto aqui tratado (com exceção de decisões ligadas à sistemática do SIMPLES Nacional), o que é prova da mencionada ausência de coordenação entre os entes federados brasileiros no combate, através do sistema tributário, aos efeitos nefastos da pandemia. Enquanto ente federal, porém, a União tem sido responsável por numerosas medidas assumidas pelo Brasil.
No contexto das descrições da OCDE, acerca das medidas tributárias de combate aos efeitos da pandemia de Covid-19 na economia, é possível afirmar que o Brasil tem se dedicado, especialmente, à melhoria no fluxo de caixa das empresas e ao apoio ao sistema de saúde.
Se as medidas terão sido suficientes para evitar maiores danos à economia, ao mesmo tempo em que buscam evitar grandes prejuízos às contas públicas, os próximos meses dirão, com a entrada do Brasil nas fases de recuperação, resiliência e retomada econômica e arrecadatória.
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[1] Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Colômbia, República Tcheca, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Coreia do Sul, Letônia, Lituânia (recém ingressado), Luxemburgo, México, Países Baixos, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia, Estados Unidos e Reino Unido.
[2] No qual o co-autor José Eduardo de Paula Saran participa como colaborador e observador.