Em 18 de julho, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada para falar sobre eleições. O evento foi marcado após Bolsonaro ter criticado publicamente um encontro que havia ocorrido em maio entre o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edson Fachin se reunir com diplomatas, em que reafirmou a segurança do sistema eleitoral brasileiro e se demonstrou preocupado com os constantes ataques às urnas eletrônicas. Este é o fato discutido na ação que tramita no TSE e que pode deixar Bolsonaro inelegível.
À época, Bolsonaro chamou a reunião no TSE de “estupro” contra a democracia e disse que Edson Fachin, então presidente da Corte, chamou os embaixadores para falar sobre as “maravilhas” das urnas eletrônicas. Além dos diplomatas, Bolsonaro convidou Fachin para o evento com os embaixadores. O então presidente do TSE recusou o convite, em nome do “dever da imparcialidade”.
Na apresentação aos diplomatas, Bolsonaro voltou a fazer críticas ao sistema eleitoral brasileiro, falou sobre possíveis fraude sem apresentar quaisquer provas e defendeu o voto impresso. As declarações, de acordo com edição do The New York Times do dia seguinte ao encontro, deixaram os convidados “abalados”. Sob condição de anonimato, os embaixadores afirmaram que ficaram incomodados com a sugestão de Bolsonaro de que o militares deveriam participar do processo para garantir a segurança das eleições.
O evento todo foi transmitido pela TV Brasil e pelas redes sociais oficiais do governo. Além dos militares, parte da sociedade civil e autoridades ficaram incomodadas com o discurso do ex-presidente. Esse foi o contexto no qual o PDT ajuizou ação contra a fala de Bolsonaro. O processo, agora, será julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta quinta-feira e pode deixar Bolsonaro inelegível por oito anos. O JOTA fará uma cobertura ao vivo do julgamento.
Entenda o passo a passo do processo no TSE que pode deixar Jair Bolsonaro inelegível
18 de julho de 2022: O ex-presidente Jair Bolsonaro reúne-se com embaixadores em Brasília e faz ataques ao sistema eleitoral brasileiro. O evento é transmitido por redes sociais e na estatal Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
24 de julho de 2022: O PL oficializa Bolsonaro como candidato à presidência da República e Braga Netto como vice.
19 de agosto de 2022: PDT ajuíza ação contra a fala de Bolsonaro, com o argumento de que representa abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
24 de agosto de 2022: O então corregedor Mauro Campbell concede liminar para determinar a imediata retirada do conteúdo das redes sociais e da Empresa Brasil de Comunicação no Facebook, no Instagram e no YouTube, sob pena de multa de R$10 mil reais.
30 de agosto de 2022: A decisão foi referendada pela Corte, à unanimidade.
29 de outubro de 2022: A defesa de Bolsonaro e Braga Netto apresenta contestação no TSE. Em preliminares, pediu a formação de litisconsórcio passivo com a União e a incompetência da Justiça Eleitoral para análise do caso, uma vez que a fala de Bolsonaro ocorreu na condição de Chefe de Estado. No mérito, em síntese, defendeu que Bolsonaro não pediu votos e mais, os embaixadores não são eleitores, então, o ex-presidente discursou para um público que não poderia votar nele. Alegou-se ainda que o ex-presidente não atacou um candidato adversário, ao contrário, fez um debate público sobre o sistema eleitoral brasileiro.
13 de dezembro de 2022: TSE rejeita as preliminares em referendo.
19 de dezembro de 2022: O primeiro depoimento é tomado: TSE ouve Carlos Alberto Franco França, então Ministro das Relações Exteriores
13 de janeiro de 2023: O PDT juntou aos autos a minuta de decreto de Estado de Defesa, cujo original havia sido apreendido, pela Polícia Federal na residência de Anderson Torres – ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro – durante diligência determinada pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do Inquérito nº 4879, que tramita no STF.
8 de fevereiro de 2023: Foram ouvidos Ciro Nogueira Lima Filho, ex-ministro Chefe da Casa Civil e Flávio Augusto Viana Rocha, ex-secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência. A defesa de Bolsonaro desistiu da oitiva de João Henrique Freitas, prevista para a mesma data
14 de fevereiro de 2023: TSE mantém a inclusão da minuta golpista encontrada na residência do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. O advogado do ex-presidente sustentou que o documento foi apresentado depois da fase instrutória do processo, o que dificulta a defesa.
Já o PDT argumentou que a minuta golpista está relacionada aos autos, pois comprova que a intenção do ex-presidente era desacreditar a Justiça Eleitoral e o sistema eletrônico de votação.
O corregedor-geral, ministro Benedito Gonçalves, manteve o documento no processo alegando que, no curso da ação, todos os elementos constitutivos, extintivos ou modificativos da base fática e jurídica estarão em análise.
O corregedor também deixou claro que a partir de agora o parâmetro nas Aijes para as eleições de 2022 seria o da dispensa de decisão interlocutória a cada fato ou documento novo apresentado. A ideia aqui foi permitir que as ações sejam turbinadas e que haja perda do objeto inicial.
Na prática, o procedimento permitido pelo TSE nas eleições de 2022 impede que o argumento usado para rejeitar o pedido de cassação da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer, em 2017, seja usado contra Bolsonaro e Braga Netto. Na ocasião, a Corte eleitoral negou a cassação da chapa por entender que o processo foi além do pedido inicial do PSDB a partir do momento em que foram incluídos depoimentos de executivos da Odebrecht.
8 de março de 2023: A defesa de Bolsonaro encartou aos autos uma petição denominada “recurso extraordinário” avisando que pediu ao STF que analise as provas incluídas no processo da Justiça Eleitoral depois da fase instrutória do processo. A petição foi formalmente endereçada ao Ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE e deve ser analisado após o fim das discussões na Corte eleitoral.
16 de março de 2023: Anderson Gustavo Torres, ex-Ministro da Justiça e da Segurança Pública e os policiais federais Ivo de Carvalho Peixinho e Mateus de Castro Polastro foram ouvidos. Eduardo Gomes não foi ouvido, uma vez que não foi possível localizá-lo nos endereços que constam no Cadastro Eleitoral.
27 e 28 de março de 2023: TSE colheu depoimentos das testemunhas Filipe Barros, deputado Federal, Vitor Hugo, ex-deputado Federal, e Augusto Nunes, apresentador do programa “Os Pingos nos Is”. Houve desistência da oitiva de Guilherme Fiúza e Ana Paula Henkel pela defesa de Bolsonaro.
10 de abril de 2023: A defesa de Bolsonaro apresenta as alegações finais requerendo a extinção do processo sem resolução de mérito, por incompetência da Justiça Eleitoral; a extinção do processo para Braga Netto, que seria parte ilegítima; a redelimitação da demanda, excluindo-se a minuta do golpe, limitando-a ao evento da fala de Bolsonaro a embaixadores e a improcedência do pedido
12 de abril de 2023: O Ministério Público Eleitoral (MPE) se manifesta favorável ao pedido de inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas exclui Braga Netto.
5 de junho de 2023: TSE marca o julgamento.
22 de junho: Inicia-se o julgamento, com leitura do relatório do ministro Benedito Gonçalves e sustentação oral do advogado do PDT e a da defesa de Bolsonaro. A minuta do golpe marcou a sessão. O advogado do PDT e o Ministério Público Eleitoral se manifestaram pela possibilidade das chamadas provas supervenientes, ou seja, inseridas depois da fase instrutória do processo.
O advogado de Jair Bolsonaro, Tarcísio Vieira, no entanto, afirmou que a minuta do golpe foi injetada a “fórceps”, como um corpo estranho e trata-se de um fato novo na ação. Para ele, o caso da chapa Bolsonaro-Braga Netto se assemelha ao da Dilma-Temer, portanto, o TSE não pode aceitar provas novas após a fase instrutória do processo, ou seja, o TSE não poderia incluir a minuta do golpe nos autos da ação eleitoral. Em 2017, a Corte eleitoral negou a cassação da chapa Dilma-Temer por entender que o processo foi além do pedido inicial do PSDB a partir do momento em que foram incluídos depoimentos de executivos da Odebrecht.
27 de julho: Relator da ação, ministro Benedito Gonçalves vota para tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível pelos próximos oito anos contados a partir das eleições de 2022. No entanto, Gonçalves não estendeu a penalidade a Braga Netto, candidato a vice na chapa por entender que não tem como relacioná-lo aos fatos trazidos aos autos.
Em seu voto de 382 páginas, Gonçalves entendeu que Bolsonaro cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação ao discursar para embaixadores em 18 de junho, em Brasília, a um público formado por embaixadores de diferentes países. O relator manteve as provas posteriores à fase instrutória, como a minuta do golpe.
29 de junho: Três ministros votaram, Floriano de Azevedo Marques e de André Ramos Tavares seguiram o relator e votaram pela inelegibilidade de Bolsonaro. Raul Araújo votou pela improcedência da ação e, consequentemente, absolvição de Bolsonaro. Placar ficou 3 a 1 pela inelegibilidade, contando o voto do relator. Todos os ministros, entretanto, votaram por liberar Braga Netto das acusações, formando maioria de 4 a 0.
30 de junho: O julgamento deve ser retomado, conforme marcado pelo TSE, com voto dos ministros do STF, Cármen Lúcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes.