O ministro Benedito Gonçalves, relator das ações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), votou para declarar Bolsonaro inelegível por abuso de poder político e econômico durante as comemorações do Bicentenário da Independência brasileira no ano passado e por livrar o candidato a vice, o ex-ministro Walter Braga Netto, dessa penalidade. Gonçalves, no entanto, votou por multar os dois investigado em valores diferenciados. O voto determina multa a Bolsonaro em R$ 425 mil e a Braga Netto em R$ 212 mil.
O julgamento conjunto de duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) e uma Representação Especial (RepEsp) contra o ex-presidente da República e o candidato a vice na chapa foi retomado pelo TSE nesta quinta-feira (26/10).
Após os votos dos ministros Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Floriano de Azevedo Marques Neto, o julgamento foi suspenso e será retomado na próxima terça-feira (31/10). O resultado parcial é de 2 x 1 pela inelegibilidade de Bolsonaro e pelo pagamento de multa. Há, no entanto, um voto também pela inelegibilidade de Braga Netto.
Voto do relator
Na leitura de seu voto, o ministro Gonçalves afirmou que os autos reuniram “farto material probatório”, inclusive vídeos e documentos públicos, que mostram que houve uma mescla entre atos de campanha e eventos oficiais.
O relator disse ainda que não se sustenta o argumento de que poderia ser separado o capital político de Bolsonaro enquanto presidente da República da disputa eleitoral em curso. Para o ministro, é preciso analisar se o poder foi exercido de acordo com as restrições que a legislação eleitoral impõe aos agentes públicos.
Segundo Gonçalves, ficou claro pelas manifestações feitas desde julho do ano passado e pela propaganda eleitoral veiculada no dia 6 de setembro de 2022 “a inequívoca difusão de mensagens associando a comemoração do Bicentenário, com todo o seu simbolismo, à campanha dos investigados”.
Para o ministro, “a orla de Copacabana foi transformada em uma aquarela eleitoral no qual o candidato a reeleição pôde mesclar o poder político decorrente do cargo simbolizado pelas performances militares de grande visibilidade e seu capital eleitoral simbolizado pela maciça presença de apoiadores a motocicleta e ao comício”.
Ainda segundo ele, “o desvio de recursos, bens e serviços públicos em favor da campanha restou evidenciado”. “Houve no caso apropriação de bens simbólicos de valor inestimável”, completou.
O relator disse que Bolsonaro, enquanto presidente da República, era claramente a liderança carismática da chapa, mas isso não exime Braga Netto da responsabilidade de averiguar a regularidade do material de propaganda que estava sendo exibido. “Não sendo possível considerar que tudo se passasse sem sua conivência”, disse Gonçalves.
Benedito Gonçalves afirmou que “é possível concluir que as condutas relatadas foram perpetradas diretamente pelo primeiro investigado na condição de presidente da República e contaram com a franca conivência e ocasional participação do segundo investigado [Braga Netto], o que é suficiente para aplicar a multa a ambos ainda que menor percentual para o segundo investigado”.
Com isso, ele julgou procedentes os pedidos formulados na representação para multar Bolsonaro em R$ 425 mil e Braga Netto em R$ 212 mil e por tornar o ex-presidente inelegível por oito anos.
Bolsonaro já havia sido declarado inelegível por 8 anos pelo TSE em ação julgada em junho deste ano. A Justiça Eleitoral entendeu que o ex-presidente abusou de poder político e fez uso indevido dos meios de comunicação oficiais em reunião com embaixadores em que fez ataques infundados ao sistema eleitoral brasileiro.
Divergência
O ministro Raul Araújo, primeiro a votar após o relator, abriu divergência e votou para absolver tanto Bolsonaro quanto Braga Netto. Em seu voto, Araújo disse que não se constatou qualquer conduta típica vedada pela legislação eleitoral e que “não há falar em abuso de poder”. Ele destacou também que não se comprovou a presença de servidores ou uso de bem públicos, além de que os investigados comprovaram que os gastos foram custeados com recursos privados ou de campanha.
O ministro ainda disse que não vê “como considerar que os discursos proferidos em cima de trios elétricos sejam considerados ou confundidos com a continuidade dos atos oficiais dos desfiles cívico-militares”. Segundo Araújo, a imprensa publicou reportagens que informavam, de forma clara, que “após os eventos oficiais comemorativos, grupos pró e contra o então governo da ocasião iriam promover manifestações públicas”.
Divergência parcial
O ministro Floriano de Azevedo Marques Neto, terceiro a votar nesta quinta-feira, acompanhou o voto do relator na determinação de pagamento de multa por Bolsonaro e Braga Netto. Quanto à inelegibilidade dos investigados, o ministro divergiu parcialmente de Gonçalves. Para ele, tanto Bolsonaro quanto Braga Netto devem ficar inelegíveis por 8 anos a partir da eleição de 2022.
“Fica patente que ele [Braga Netto] contribuiu para que o ato fosse consumado. Ele contribuiu para que o abuso do poder político fosse engendrado em ambos os eventos. Concorreu para o desvio de finalidade dos bens e símbolos da república”, justifica o ministro. “Mesmo que coadjuvante, o segundo investigado contribuiu, concorreu, colaborou comissiva ou omissivamente para a prática do ato”, completa.
O ministro afirmou que “a ocasião fez o ilícito”. No seu entendimento, houve, além da proximidade física dos dois eventos, um esforço para associar o ato oficial do Bicentenário ao ato de campanha de Bolsonaro e Braga Netto. “Entendo que por ação dos investigados, os atos cívicos e de campanha se entrelaçaram”, disse.
“A identidade discursiva, os elementos espaço-temporais e a propagação de ideias centrais a seu projeto político são suficientes, ao meu sentir, para assentar a conotação eleitoral da conduta”.
Além disso, o ministro afirma que “a estrutura estatal e o evento oficial foram utilizados para exaltar diretamente o presidente candidato, por exemplo, pelos tratores em Brasília. E para facilitar a organização e difusão de eventos de campanha, por exemplo, na mudança do local no Rio de Janeiro. Sem a ação estatal, os eventos eleitorais seriam de mais difícil organização”.
O julgamento do TSE analisa as Aijes 060097243 e 060098627 e o RepEsp 060098457