As múltiplas competências do Supremo Tribunal Federal, enunciadas no art. 102 da Constituição, podem ser divididas em duas grandes categorias: ordinárias e constitucionais. O Tribunal presta jurisdição ordinária nas diferentes hipóteses em que atua como qualquer outro órgão jurisdicional, aplicando o direito infraconstitucional a situações concretas, que vão do julgamento criminal de parlamentares à solução de conflitos de competência entre tribunais. De parte isso, o Tribunal tem, como função principal, o exercício da jurisdição constitucional, que se traduz na interpretação e aplicação da Constituição, tanto em ações diretas como em processos subjetivos. Ao prestar jurisdição constitucional nos diferentes cenários pertinentes, cabe à Corte: (i) aplicar diretamente a Constituição a situações nela contempladas, como faz, por exemplo, ao assegurar ao acusado em ação penal o direito à não autoincriminação; (ii) declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, como fez no tocante à resolução do TSE que redistribuía o número de cadeiras na Câmara do Deputados; ou (iii) sanar lacunas do sistema jurídico ou omissões inconstitucionais dos Poderes, como fez ao regulamentar a greve no serviço público.
Pois bem. O direito tributário tem servido como um dos principais catalisadores para o desenvolvimento de diversos aspectos especialmente relevantes da jurisdição constitucional no Brasil. Como se trata de uma matéria muito presente na rotina do STF, e com um forte interesse governamental, as disputas tributárias têm sido historicamente um indutor importante de inovação, aperfeiçoamento e discussão de novos mecanismos e técnicas relativas ao controle de constitucionalidade. A variedade de temas que chegam ao Tribunal sobre o assunto, que vão desde a simples definição da competência tributária da União Federal para instituir validamente as contribuições para a seguridade social, até discussões relativas aos direitos e garantias dos contribuintes, passando pela solução de conflitos federativos, forma um espectro extremamente rico e complexo de casos de controle difuso e concentrado de constitucionalidade de atos normativos federais, estaduais e municipais. Isso tem alimentando o debate prático e doutrinário sobre a jurisdição constitucional no país, com reflexos para além dos limites do direito tributário. Quatro exemplos ilustram essa constatação: (i) a afirmação da competência do Supremo Tribunal Federal para declarar a inconstitucionalidade de emendas à Constituição; (ii) o julgamento da primeira ação direta de constitucionalidade, (iii) a consagração da ideia de inexistência de constitucionalidade superveniente e (iv) as Emendas Constitucionais editadas com o objetivo de promover a correção legislativa da jurisprudência da Corte. A seguir, abre-se um tópico para cada um desses temas.
I. Controle de constitucionalidade de emendas à Constituição
As emendas à Constituição Federal, como produto da atuação do poder constituinte derivado, sujeitam-se aos limites estabelecidos pelo poder constituinte originário e podem ser objeto de ação direta de [simple_tooltip content=’Em ordem cronológica, é possível sistematizar os seguintes precedentes em que o STF declarou a inconstitucionalidade de dispositivos de emendas à Constituição: (i) declaração de inconstitucionalidade da EC n° 3/93, que havia instituído o IPMF – Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras, sob o fundamento de não terem sido observadas determinadas limitações constitucionais ao poder de tributar, como a anterioridade e a imunidade recíproca dos entes federativos (STF, ADI 939, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 15.12.1993); (ii) Interpretação conforme a EC 20/98, assentando que o teto instituído para o custeio estatal de benefícios do regime geral de previdência não seria aplicável à licença-gestante, de modo a evitar que o repasse de encargos aos empregadores prejudicasse a inserção das mulheres no mercado de trabalho formal (STF, ADI 1.946, Rel. Min. Sydney Sanches. Tribunal Pleno, julgado em 03.04.2003); (iii) declaração de inconstitucionalidade de dispositivos pontuais da EC 41/2004, apenas na parte em que se instituía variação entre União, Estados e Municípios no tocante ao cálculo da contribuição previdenciária devida pelos servidores inativos, sob o fundamento de ofensa ao princípio federativo (STF, ADI 3.128, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 18.08.2004); (iv) suspensão cautelar da parte central da EC 30/2000, que estabelecera um regime especial para o pagamento de precatórios vencidos, com parcelamento em dez anos, sob os argumentos de quebra da ordem de pagamentos e da isonomia, bem como de violação à autoridade das decisões judiciais (STF, ADI ADI 2.356 MC, Rel. Min. Néri da Silveira, Rel. p/ o acórdão, Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 25.11.2010);(v) declaração de inconstitucionalidade de parte substancial da EC n° 62/09, que pretendeu instituir um novo regime transitório para a regularização dos precatórios, novamente sob os argumentos centrais de quebra da ordem cronológica e da isonomia, bem como de violação ao princípio da moralidade administrativa (STF, ADI’s 4.425 e 4.357 Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14.03.2013).’]inconstitucionalidade[/simple_tooltip]. Esse entendimento, que é hoje pacífico no âmbito do Supremo Tribunal Federal, foi professado e efetivamente exercido pela primeira vez em decisão histórica tomada no julgamento da [simple_tooltip content=’Apesar do julgamento da ADI nº 939 ter sido pioneiro no controle de constitucionalidade por via direta de uma emenda à Constituição, inclusive com a efetiva utilização desse poder, a medida já era admitida em tese pelo jurisprudência do Supremo. Em 1980, no julgamento do MS 20.257, o Plenário do Supremo Tribunal Federal admitiu o cabimento de mandando de segurança preventivo contra projeto de emenda à Constituição, o que pressupõe a possibilidade de inconstitucionalidade da futura emenda. Todavia, nesse caso o mandado de segurança foi admitido e julgado improcedente por ausência de violação à Constituição.’]ADI nº 939[/simple_tooltip]. Na hipótese, questionava-se o dispositivo da Emenda Constitucional nº 03/1993 que cuidava da criação do IPMF – Imposto sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira de competência da União. Mais especificamente, impugnavam-se as exceções criadas pela emenda à anterioridade de exercício e à imunidade tributária recíproca.
No julgamento ocorrido em dezembro de 1993, primeiramente o Tribunal conheceu da ação direta ajuizada em face da emenda constitucional, inaugurando assim a possibilidade de controle de constitucionalidade dessa espécie normativa, o que não é uma prática em todos os países do [simple_tooltip content=’Sobre o tema, v. Rodrigo Brandão, Direitos Fundamentais, Democracia e Cláusulas Pétreas, 2008.‘]mundo[/simple_tooltip]. No mérito, a ADI nº 939 foi julgada procedente em parte e, para o que interessa mais diretamente ao presente trabalho, pela primeira vez o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional, por considerar que foram violados: (i) o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, inciso IV e art. 150, III, “b” da CF); (ii) o princípio da imunidade tributaria recíproca (que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros), que é garantia da Federação (art. 60, § 4º, inciso I, e art. 150, VI, “a”, da CF).
Uma segunda questão importante decidida no julgamento da ADI nº 939 diz respeito à interpretação conferida ao termo “direitos e garantias individuais” constante do art. 60, § 4º, IV, CF. Isso porque o princípio da anterioridade tributária não consta do rol de direitos e garantias fundamentais individuais listados no art. 5º, da CF, mas sim do art. 150, III, “b”, da CF, estando localizado na Seção das Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Portanto, com base em uma visão mais restritiva, não estaria abrangido pela proteção dada às cláusulas pétreas. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal afirmou nesse precedente que a proteção contra a atuação ilegítima do poder constituinte reformador abrange os direitos e garantias individuais espalhados pela Constituição, e não apenas aqueles constantes do art. 5º, da [simple_tooltip content=’Essa orientação foi traçada de forma clara pelo seguinte trecho do voto do Ministro Carlos Velloso na ADI nº 939: “Direitos e garantias individuais não são apenas aqueles que estão inscritos nos incisos do art. 5º. Não. Esses direitos e garantias se espalham pela constituição. O próprio art. 5º, parágrafo 2, estabelece que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela dotados, ou dos tratados internacionais em que a República do Brasil seja parte.”’]CF[/simple_tooltip]. Indo além, o Ministro Carlos Velloso expressamente sustentou em seu voto que todas as limitações ao poder de tributar inscritas no art. 150 da Constituição restringem também a atuação do constituinte [simple_tooltip content=’Voto do Ministro Carlos Mário Velloso na ADI nº 939/DF, Rel. Min. Sydney Sanches: “12. Nem me parece que, além das exceções ao princípio da anterioridade, previstas expressamente no §1º do art. 150, pela Constituição originária, outras pudessem ser estabelecidas por emenda constitucional, ou seja, pela Constituição derivada. 13. Se não se entender assim, o princípio e a garantia individual tributária, que ele encerra, ficariam esvaziados, mediante novas e sucessivas emendas constitucionais, alargando as exceções, seja para impostos previstos no texto originário, seja para os não previstos”.’]derivado[/simple_tooltip]. Sendo assim, a conclusão mais relevante desse julgado é que o Supremo Tribunal Federal considera que todos os direitos materialmente fundamentais estão, em alguma medida, protegidos contra o poder constituinte derivado, mesmo que não estejam localizados no catálogo do art. 5º, da Carta. Tal circunstância, como intuitivo, não suprime a complexa discussão acerca do sentido e alcance da expressão direitos materialmente [simple_tooltip content=’No próprio julgamento da ADI 939, os Ministros Sepúlveda Pertence e Otávio Galloti votaram no sentido da inconstitucionalidade do art. 2º, § 2º da EC 03/93 apenas na parte em que se excluía do regime constitucional no IPMF a imunidade recíproca. Ou seja, dois ministros consideraram que o princípio da anterioridade tributária não é um direito individual materialmente fundamental e, portanto, não mereceria proteção contra a ação do poder constituinte reformador. Para uma visão crítica do julgamento, v. Flávio Bauer Novelli, Norma constitucional inconstitucional: a propósito do art. 2º, §2º, da Emenda Constitucional nº 3/93. Revista de Direito Administrativo, 199:21, 1995, p. 21-57.’]fundamentais[/simple_tooltip].
Concluindo esse tópico, embora a norma declarada inconstitucional dissesse respeito à criação de um imposto sobre movimentações financeiras que vigeu durante um ano apenas, o julgamento foi célebre e nele o Supremo estabeleceu importantes balizas para o controle de constitucionalidade de emendas à Constituição. Primeiro, assentando a própria competência para declarar a inconstitucionalidade dessa espécie normativa em sede de controle concentrado. Segundo, estabelecendo que o rol de direitos e garantias individuais que podem servir como parâmetro para esse controle não se esgota no elenco previsto no art. 5º da [simple_tooltip content=’Sobre o tema, o primeiro autor do texto tem defendido que o princípio da dignidade da pessoa humana desempenha um papel central nessa discussão: “Esse princípio integra a identidade política, ética e jurídica da Constituição e, como consequência, não pode ser objeto de emenda tendente à sua abolição, por estar protegido por uma limitação material implícita ao poder de reforma. Pois bem: é a partir do núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana que se irradiam todos os direitos materialmente fundamentais, que devem receber proteção máxima, independentemente de sua posição formal, da geração a que pertencem e do tipo de prestação a que dão ensejo. Diante disso, a moderna doutrina constitucional, sem desprezar o aspecto didático da classificação tradicional em gerações ou dimensões de direitos, procura justificar a exigibilidade de determinadas prestações e a intangibilidade de determinados direitos pelo poder reformador na sua essencialidade para assegurar uma vida digna. Com base em tal premissa, não são apenas os direitos individuais que constituem cláusulas pétreas, mas também as demais categorias de direitos constitucionais, na medida em que sejam dotados de fundamentalidade material.(…) Também em relação aos direitos políticos, certas posições jurídicas ligadas à liberdade e à participação do indivíduo na esfera pública são imunes à ação do constituinte derivado. (…) Em suma: não apenas os direitos individuais, mas também os direitos fundamentais materiais como um todo estão protegidos em face do constituinte reformador ou de segundo grau. Alguns exemplos: o direito social à educação fundamental gratuita (CF, 208, I), o direito político à não alteração das regras do processo eleitoral a menos de um ano do pleito (CF, art. 16) ou o direito difuso de acesso à água potável ou ao ar respirável (CF, art. 225)”. Luís Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo, 2015, p. 213-215.’]Carta[/simple_tooltip].
II. Ação declaratória de constitucionalidade nº 01
A ação declaratória de constitucionalidade foi criada pela Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, tendo como finalidade afastar a incerteza jurídica e estabelecer uma orientação homogênea em relação à determinada matéria. Para tanto, partiu-se da premissa que textos normativos estão sujeitos a interpretações diversas e [simple_tooltip content=’Sobre o tema, v. Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 2016 p. 276.’]contrastantes[/simple_tooltip]. Assim, sem embargo da presunção de constitucionalidade de que gozam os atos emanados do Poder Público, criou-se um mecanismo de reconhecimento expresso da compatibilidade entre uma norma infraconstitucional e a Constituição, para aquelas situações que demandam uma pronta pacificação da controvérsia. Pois bem, ainda em 1993, foi ajuizada a ADC nº 01, que impugnava a constitucionalidade da criação da COFINS pela Lei Complementar nº 70/91, ou seja, os holofotes novamente se voltaram à matéria [simple_tooltip content=’Na ação declaratória de constitucionalidade mencionada, os contribuintes alegavam, em síntese, que a criação da COFINS: (i) resultaria em bitributação, por incidir sobre a mesma base de cálculo do PIS; (ii) feriria o princípio constitucional da não cumulatividade dos imposto da União Federal; (iii) como contribuição social, não autorizaria a sua arrecadação e cobrança pela Receita Federal; (iv) tratar-se-ia, em rigor, de imposto inominado, fruto da competência residual da União Federal; (v) violava o princípio constitucional da anterioridade, posto que o Diário Oficial de 31.12.1991 só circulou no dia 02.01.1992. O julgado rebateu cada uma dessas alegações e, na parte em que a ação foi conhecida, julgou procedentes os pedidos formulados na ADC nº 01.’]tributária[/simple_tooltip].
Ao analisar o mérito da ação, o Tribunal declarou a constitucionalidade dos art. 1º, 2º e 10º da Lei Complementar nº 70/1991, que instituiu a COFINS, bem como das expressões “A contribuição social sobre o faturamento de que trata esta lei não extingue as atuais fontes de custeio da Seguridade Social” contidas no artigo 9º, e das expressões “Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do mês seguinte nos noventa dias posteriores, aquela publicação,…” constantes do artigo 13, todos da Lei Complementar nº 70/1991. Com isso, assentou algumas das principais teses que passaram a guiar a disciplina das contribuições sociais, influenciando diversos outros julgamentos importantes que se sucederam sobre o tema. Todavia, em conclusão capaz de produzir efeitos para além da matéria tributária, assentou também, pela primeira vez após a promulgação da Constituição de 1988, que não há relação de hierarquia entre lei complementar e lei [simple_tooltip content=’
Nesse ponto, é esclarecedor o seguinte trecho do voto do Min. Moreira Alves, relator da ADC nº 01:
“Sucede, porém, que a contribuição social em causa, incidente sobre o faturamento dos empregadores, é admitida expressamente pelo inciso I do artigo 195 da Carta Magna, não se podendo pretender, portanto, que a Lei Complementar nº 70/91 tenha criado outra fonte de renda destinada a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social. Por isso mesmo, essa contribuição poderia ser instituída por lei ordinária. A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complementar – a Lei Complementar nº 70/91 – não lhe dá, evidentemente, a natureza de contribuição social nova, a que se aplica o disposto no §4º do artigo 195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituídos – que são objeto desta ação –, é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar. A jurisprudência desta Corte, sob o império da Emenda Constitucional nº 1/69 – e a Constituição atual não alterou esse sistema -, se firmou no sentido de que só se exige lei complementar para as matérias para cuja disciplina a Constituição expressamente faz tal exigência, e, se por ventura a matéria, disciplinada por lei cujo processo legislativo observado tenha sido o da lei complementar, não seja daquelas para que a Carta Magna exige essa modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm como dispositivos de lei ordinária”.’]ordinária[/simple_tooltip].
No que se refere especificamente ao controle de constitucionalidade, o caso deu a oportunidade para o Supremo Tribunal Federal assentar a própria constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 03/1993, na parte em que criava a ação direta de constitucionalidade, e de disciplinar o seu procedimento, já que a Lei nº 9.868/99 viria a ser editada apenas alguns anos mais tarde, promovendo assim a regulamentação definitiva dos instrumentos de controle [simple_tooltip content=’A Lei nº 9.868/99 disciplina o procedimento da ação direta de inconstitucionalidade, ação direta de constitucionalidade e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.’]direto[/simple_tooltip]. Nesse particular, o voto proferido pelo Ministro Moreira Alves é especialmente relevante para o estudo do controle de [simple_tooltip content=’Já havia sido manejada a ADI 913 em face da Emenda Constitucional nº 03/1993 que sustentava, em síntese, que as alterações por ela trazidas violavam: (i) as garantias fundamentais do acesso ao Judiciário; (ii) do devido processo legal; (iii) do contraditório e da ampla defesa; e (iv) o princípio da separação de poderes. A mencionada ADI foi ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, mas foi julgada prejudicada por ausência de legitimidade ativa ad causam. Assim, o relator entendeu por bem destacar a questão da constitucionalidade da própria emenda via questão de ordem, antes de iniciar o julgamento sobre a da própria ADC nº 01. O voto do Ministro relator Moreira Alves na QO levantada na ADC 1-DF, proferido em 1993, além de ser uma bela retrospectiva da história do controle de constitucionalidade no Brasil até aquele momento, ajudou a definir os contornos da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade até o advento da Lei nº 9.868/99.’]constitucionalidade[/simple_tooltip].
III. Inexistência de constitucionalidade superveniente
A teoria da nulidade da lei inconstitucional foi amplamente acolhida no Direito brasileiro desde o início da República e é o entendimento que prevalece ainda hoje, embora não de forma [simple_tooltip content=’Ruy Barbosa asseverava que: “toda medida legislativa, ou executiva, que desrespeitar precedentes inconstitucionais, é, de sua essência, nula”. In: Rui Barbosa, Os actos inconstitucionais do Congresso e do Executivo ante a justiça federal, 1983, p. 47. Por outro lado, esse dogma hoje não é mais absoluto, pois encontra expressa ressalva no art. 27 da Lei nº 9.868/99 e no art. 11 da Lei nº 9.882/99, que autorizam a modulação dos efeitos das decisões que declaram a inconstitucionalidade de leis e atos normativos.’]absoluta[/simple_tooltip]. Segundo essa ideia, se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é uma violação a sua supremacia. Em razão disso, o fenômeno da inconstitucionalidade deve ser tido como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação. Essa não é a única forma de se encarar esse problema, mas é a tese que prevaleceu no Brasil. Em Portugal, por exemplo, vigora a possibilidade da constitucionalização [simple_tooltip content=’Nesse sentido, v. o Acórdão nº 408/1989 do Tribunal Constitucional Português, que teve como relator o professor e Conselheiro Vital Moreira: “(…) estando em causa a regularidade da formação da lei, as normas constitucionais relevantes seriam as do momento da emissão daquela. E incontestável que, se a norma legal em causa tivesse violado as normas constitucionais vigentes na altura em matéria de forma e de competência legislativa, seguramente que essas normas teriam nascido inconstitucionais, e inconstitucionais continuariam a ser, mesmo que uma revisão constitucional viesse a alterar as regras constitucionais pertinentes. Em matéria de forma e competência, as alterações constitucionais só são relevantes para o futuro, isto é, só relevam para os actos normativos posteriores; os actos normativos anteriores continuam a ser constitucionalmente válidos ou inválidos de acordo com as normas constitucionais vigentes à data deles; nem se tornam inconstitucionais, se o não eram; nem deixam de ser inconstitucionais, se o eram. (…) Em suma, no capítulo da competência e da forma dos actos normativos, a norma constitucional relevante é a da data daqueles, fixando-se, definitiva e inalteravelmente, a sua legitimidade constitucional quanto a esses aspectos. Quando, porém, se trata de aferir a legitimidade constitucional do conteúdo das normas jurídicas (ou seja, a constitucionalidade material), os dados da questão alteram-se radicalmente. Do que se cuida então é de saber se a Constituição consente as soluções contidas na norma em questão; o que importa averiguar é se o que a norma estipula é permitido pela Constituição, independentemente da natureza formal, da autoria, da origem e da data da norma. O facto de uma norma ter nascido materialmente conforme à Constituição não impede que ela passe a ser inconstitucional, se a Constituição vier a ser alterada de modo a tornar a norma incompatível com ela (era conforme à Constituição, mas deixou de o ser); inversamente, o facto de uma norma ter nascido materialmente inconstitucional não veda que a inconstitucionalidade desapareça (era inconstitucional, mas deixou de o ser), se e a partir do momento em que a Constituição for alterada de modo a permitir a solução contida na referida norma (supondo, evidentemente, que ela continua em vigor, não tendo ela caducado, ou sido revogada ou declarada inconstitucional com força obrigatória geral). Na primeira hipótese, haverá uma inconstitucionalidade superveniente; na segunda, uma constitucionalização superveniente. Nem uma nem outra têm naturalmente efeitos retroactivos; a inconstitucionalidade superveniente não invalida a norma para o passado (ela continua a não ser inconstitucional nesse segmento temporal) e a constitucionalização superveniente não convalida a norma desde a origem (ela continua a ser inconstitucional no período decorrido até à alteração constitucional que a validou)”. A propósito, v. tb. Claudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho, 2012, p. 570.’]superveniente[/simple_tooltip].
Ou seja, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, uma lei inconstitucional é inconstitucional desde o seu nascimento, como decorrência lógica da teoria da nulidade. Portanto, ainda que seja alterado posteriormente o parâmetro de controle que gerou a inconstitucionalidade, esse vício não pode ser convalidado. Esse entendimento foi consagrado exatamente em um caso que versava sobre direito tributário e que teve como relator para acórdão o Ministro Marco Aurélio. Trata-se do julgamento do RE 346.084 que cuidava da constitucionalidade das alterações promovidas na disciplina da COFINS pela Lei nº 9.718/1998. A mais importante delas dizia respeito à discussão sobre a constitucionalidade do alargamento da base de cálculo efetuada pelo art. 3º, § 1º da legislação [simple_tooltip content=’A redação do art. 3º, §1º da Lei nº 9.718/1998 que era questionada previa que: “Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.”.’]mencionada[/simple_tooltip], que igualou os conceitos de faturamento e receita bruta.
Quanto à impossibilidade de equiparar tais conceitos, o Supremo já tinha posição pacífica consagrada no julgamento da [simple_tooltip content=’No julgamento da ADC nº 01, o Supremo já assentara, nos termos do voto do relator Min. Moreira Alves, o conceito de faturamento como “a receita brutas das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza”.’]ADC nº 01[/simple_tooltip]. Ocorre que o caso teve a seguinte peculiaridade: a Lei nº 9.718/1998 foi editada em 27.11.1998, quando a redação do art. 195, I, da [simple_tooltip content=’O texto constitucional vigente à época previa o seguinte:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;’]CF[/simple_tooltip], autorizava que fossem instituídas contribuições para a seguridade social apenas sobre folha de salários, faturamento e lucro. Ocorre que, em 15.12.1998, portanto, menos de 20 dias depois, foi editada a Emenda Constitucional nº 20/1998, que alterou o texto constitucional passando a prever a possibilidade de criação de contribuição previdenciária sobre a receita bruta e não mais apenas sobre o [simple_tooltip content=’Após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 20/1998, o art. 195, I, da CF, passou a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre
- a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
- b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;”.’]faturamento[/simple_tooltip]. Em razão disso, tentou-se então sustentar que a emenda teria tido o intuito apenas de explicitar o que já constava do texto constitucional anterior ou, ainda, teria promovido a convalidação de eventuais vícios de inconstitucionalidades existentes na Lei nº 9.718/1998.
Diante desse cenário, em maioria conduzida a partir de voto do Ministro Marco Aurélio, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o vício de inconstitucionalidade é congênito e não pode ser convalidado pela posterior alteração do parâmetro de [simple_tooltip content=’
Nesse sentido, é esclarecedor o seguinte trecho do voto do Ministro Marco Aurélio no RE 346.084:
“Como, então, dizer-se, a esta altura, que houve simples explicitação do que previsto na Carta? É admitir-se a vinda à balha de emenda constitucional sem conteúdo normativo. É admitir-se que o legislador ordinário possa, até mesmo, modificar enfoque pacificado mediante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no que haja atuado, à luz das balizas constitucionais, como guardião da Lei Fundamental. Descabe, também, partir para o que, ao nascer, mostrou-se em conflito com a Constituição Federal. Admita-se a inconstitucionalidade progressiva. No entanto, a constitucionalidade posterior contraria a ordem natural das coisas. A hierarquia das fontes legais, a rigidez da Carta, a revelá-la documento supremo, conduz à necessidade de as leis hierarquicamente inferiores observarem-na, sob pena de transmudá-la com nefasta inversão de valores. Ou bem a lei surge no cenário jurídico em harmonia com a Constituição Federal, ou com ela conflita, e aí afigura-se írrita, não sendo possível o aproveitamento, considerado texto constitucional posterior e que, portanto, à época não existia. Está consagrado que o vício de constitucionalidade há de ser assinalado em face dos parâmetros maiores, dos parâmetros da Lei Fundamental existentes no momento e que aperfeiçoado o ato normativo. A constitucionalidade de certo diploma legal deve se fazer presente de acordo com a ordem jurídica em vigor, da jurisprudência, não cabendo reverter a ordem natural das coisas. Daí a inconstitucionalidade do §1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98.”.’]controle[/simple_tooltip]. O julgado mencionado, mais do que decidir sobre a legítima base de cálculo da COFINS, serviu para consagrar a noção que os atos normativos incompatíveis com a Constituição, como regra geral, são nulos de pleno direito e, portanto, jamais chegam a se incorporar de maneira válida ao ordenamento jurídico, pouco importando se o vício que ostentavam era formal ou material. Vale dizer, não são passíveis de serem [simple_tooltip content=’Claudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho, 2012, p. 571-573.’]convalidados[/simple_tooltip].
IV. Correção legislativa de jurisprudência e diálogos constitucionais
No Brasil, poucos domínios são tão férteis em exemplos de atuação do Poder Legislativo com o objetivo de modificar uma interpretação cunhada pelo Judiciário quanto o tributário. Atualmente, se considera essa atitude como um dos aspectos de um fenômeno conhecido na doutrina como diálogo constitucional ou [simple_tooltip content=’A expressão tem origem na doutrina canadense, ao comentar disposições da Carta Canadense de Direitos que instituem um diálogo entre a Suprema Corte e o Parlamento a propósito de eventuais restrições impostas a direitos fundamentais. Na sua expressão mais radical – e incomum –, a Carta permite até mesmo que o Parlamento, presentes determinadas circunstâncias, reveja certas decisões juidiciais. Sobre o tema, v. Peter Hogg e Allison A. Bushell, The Charter dialogue between courts and legislatures (or perhaps the chart isn’t such a bad thing after all), Osgoode Hall Law Journal 35:75, 1997; e Mark Tushnet, Weak courts, strong rights: judicial review and social welfare rights in comparative constitutional law, 2008, p. 24-33. Na literatura brasileira, v. Rodrigo Brandão, Supremacia judicial versus diálogos constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição?, 2012, p. 273 e s.’]diálogo institucional[/simple_tooltip]. Embora a corte constitucional ou corte suprema seja o intérprete final da Constituição em cada caso, três situações dignas de nota podem subverter ou atenuar esta circunstância, a saber: a) a interpretação da Corte pode ser superada por ato do Parlamento ou do Congresso, normalmente mediante emenda constitucional; b) a Corte pode devolver a matéria ao Legislativo, fixando um prazo para a deliberação ou c) a Corte pode conclamar o Legislativo a atuar, o chamado “apelo ao legislador”.
Na experiência brasileira, a maioria dos precedentes relativos à primeira hipótese tem natureza tributária. Aqui, o direito tributário desempenhou um papel especialmente significativo, catalisando o debate sobre a legitimidade da jurisdição constitucional e sua relação com os demais Poderes. Como exemplos de reação normativa às decisões do Supremo Tribunal Federal pela via de emendas à Constituição, podem ser listados: a criação de taxas municipais de [simple_tooltip content=’O julgamento do RE 233.332/RJ, sob a relatoria do Ministro Ilmar Galvão, em 1999, assentou o entendimento de que “o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa”, dada a sua indivisibilidade. De tão reiterado, foi editada um novo verbete de súmula consagrando exatamente essa ideia. O Congresso Nacional, porém, poucos anos depois, editou a EC n° 39/02, acrescentando a contribuição de iluminação pública ao rol das espécies tributárias previstas na Constituição e, na prática, restabelecendo a cobrança desejada pelos Municípios. A questão retornou à apreciação do STF que validou a cobrança da contribuição tal qual estabelecida na emenda constitucional editada para superar a anterior jurisprudência do Tribunal. (STF, RE 573.675, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 25.03.2009).’]iluminação pública[/simple_tooltip], a progressividade das alíquotas do [simple_tooltip content=’Em diversos precedentes, o STF declarou a natureza real do IPTU e, com base nisso, a invalidade de leis municipais que pretendiam fixar alíquotas progressivas, estabelecidas segundo dados da capacidade contributiva dos contribuintes. O entendimento da Corte foi superado pela EC n° 29/2000, que admitiu, expressamente, a progressividade. Decidindo casos de leis que instituíram a progressividade após a EC nº 29/2000, o Tribunal tem considerado constitucional a correção legislativa promovida. (STF, AI 629959 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 21.08.2012)’]IPTU[/simple_tooltip], a cobrança de contribuição previdenciária de [simple_tooltip content=’Ao julgar a ADI 2010/DF, relatada pelo Ministro Celso de Mello, o STF declarou inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária sobre os proventos dos servidores públicos inativos. Na sequência, o Congresso promulgou a EC n° 41/03, que admitiu expressamente a possibilidade de incidência, a ser imposta por lei do ente responsável por cada sistema próprio. O debate foi devolvido ao Tribunal, que resolveu manter a opção política do constituinte derivado, notadamente a partir do argumento de que inexiste direito adquirido a não ser tributado (STF, ADI 3.128, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. Min. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 18.08.2004).’]inativos[/simple_tooltip], a incidência de ICMS nas operações de importação realizadas por pessoas físicas e não contribuintes do [simple_tooltip content=’No julgamento do RE 203.075, de relatoria do Min. Maurício Corrêa, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o ICMS não poderia incidir nas operações de importação realizadas por pessoas físicas e demais não contribuintes. As discussões ficaram concentradas na abrangência da regra de competência que permitia, à época, a cobrança do ICMS na importação, analisando se era possível extrair da materialidade escolhida pela Constituição a autorização para tributação de tais contribuintes. A Corte respondeu de maneira negativa a essa indagação, valendo-se de uma interpretação semântica dos termos “circulação de mercadorias” e “estabelecimento”, constantes da regra de competência então vigente. Entendeu a Corte que as pessoas físicas não têm estabelecimento, mas sim domicílio, e que os contribuintes em geral não praticam atos de comércio, ficando, por conseguinte, fora do alcance da regra de competência do imposto. Esse julgamento teve vigorosa influência sobre a jurisprudência do Tribunal dali em diante, culminando com a edição da Súmula nº 660/STF, que pacificou o tema. Na sequência, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 33/2001, para superar o entendimento da Corte para tais casos. A discussão foi novamente levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal que, no recurso extraordinário com repercussão nº 474.267, confirmou a constitucionalidade da emenda e a possibilidade de incidência do ICMS em relação a pessoas físicas e não contribuintes diante do novo texto constitucional. Para uma análise detalhada e crítica de todo o histórico jurisprudencial e legislativo dessa discussão, v. Ricardo Lodi Ribeiro, Tributos: teoria geral e espécies, 2013, p. 252-255.’]imposto[/simple_tooltip] e a possibilidade de inclusão na base de cálculo da contribuição patronal para financiar a seguridade social dos valores pagos a administradores e autônomos, conforme previa a [simple_tooltip content=’A redação original do art. 195, I da Constituição autorizava a instituição da contribuição previdenciária devido pelo empregador com base na “folha de salários”, termo que, no julgamento do RE 166.772, de relatoria do Min. Marco Aurélio, o STF decidiu interpretar de modo a excluir os valores pagos aos administradores e autônomos, que não tinham vínculo jurídico com o empregador nos moldes da CLT. Assim, foi declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 7.787/1989. Posteriormente, esse entendimento foi reafirmado e, na ADI nº 1.102, de relatoria do Min. Maurício Corrêa, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade dos termos “empresário” e “autônomos” constantes do art. 22, I da Lei nº 8.212/91 baseados nas mesmas razões. Pois bem, em razão disso, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 20/1998 que alterou o art. 195, inciso I, da CF, para deixar claro que a contribuição patronal poderia incidir sobre “a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”. Ou seja, houve o claro intuito de superar o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e, até pela forma como o novo texto afastou o argumento utilizado pelo Tribunal para declarar a inconstitucionalidade da legislação anterior, a discussão não prosseguiu, prevalecendo a decisão do Congresso Nacional.’]Lei nº 7.787/1989[/simple_tooltip].
É preciso dizer que, em relação a essa discussão, a prática caminhou de forma mais rápida do que a teoria. Principalmente no Brasil, as obras que procuraram tratar do tema dos diálogos constitucionais são mais recentes do que a maioria dos exemplos de emendas constitucionais que promoveram a correção legislativa da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, a atuação legislativa teve o efeito de chamar atenção para o assunto e de servir de fonte de reflexão para os trabalhos acadêmicos que lhes [simple_tooltip content=’As principais obras sobre o assunto no Brasil foram publicadas no começo da década, em ordem cronológica: Conrado Mendes Hübner, Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação, 2011; Rodrigo Brandão, Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais. A quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição?, 2012; e Gustavo da Gama Vital de Oliveira. Direito Tributário e Diálogo Constitucional, 2013. Cabe registrar que, embora sem menção expressa ao tema dos diálogos constitucionais, Ricardo Lobo Torres já alertava para a importância do tema da correção legislativa da jurisprudência. Cf. Ricardo Lobo Torres, Tratado de Direito Financeiro e Tributário: Valores e Princípios Constitucionais Tributários – volume II, 2005, p. 443.’]sucederam[/simple_tooltip]. Embora o debate sobre a correção/alteração legislativa da jurisprudência não encerre toda a ideia de diálogo constitucional, ela com certeza é uma das suas manifestações mais explícitas, consubstanciando-se em exemplo de debate constitucional entre os dois Poderes e que, no caso brasileiro, teve como móvel principal a matéria [simple_tooltip content=’Reconhecendo a correção legislativa pela via de emenda constitucional como característica importante da teoria dos diálogos constitucionais v. Rodrigo Brandão, Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais. A quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição?, 2012, p. 299. No mesmo sentido, em obra que trabalha a questão sob o prisma do direito tributário, Gustavo da Gama Vital de Oliveira pontua o seguinte: “Conforme já mencionado, com base nos conceitos já desenvolvidos no presente trabalho, podemos compreender a correção legislativa da jurisprudência como uma das manifestações do diálogo constitucional. A mecânica da correção legislativa da jurisprudência pressupõe um antecedente lógico, que é a existência de entendimento jurisprudencial acerca de determinado tema de natureza constitucional. Discordando da solução dada pelo Judiciário ao tema, o Legislativo pode editar uma emenda constitucional que altere o texto constitucional com o intuito de superar o entendimento jurisprudencial. No caso brasileiro, mesmo após a edição da emenda constitucional corretiva, o debate ainda não é necessariamente encerrado, pois pode caber ao poder Judiciário o controle de constitucionalidade da emenda constitucional de forma a verificar eventual violação ao conteúdo de cláusula pétrea.” v. Gustavo da Gama Vital de Oliveira, Direito Tributário e diálogo constitucional, 2013, p. 73.’]tributária[/simple_tooltip]. É de relevo notar que, em praticamente todos os casos mencionados, o Supremo Tribunal Federal foi deferente com a interpretação constitucional realizada pelo parlamento pela via da emenda à Constituição e, chamado a decidir novamente sobre a validade das alterações constitucionais promovidas, não as declarou inconstitucionais.
O que se deduz desse registro final é que o modelo vigente não pode ser caracterizado como de supremacia judicial. O Supremo Tribunal Federal tem a prerrogativa de ser o intérprete final do direito, nos casos que são a ele submetidos, mas não é o dono da Constituição. Justamente ao contrário, o sentido e o alcance das normas constitucionais são fixados em interação com a sociedade, com os outros Poderes e com as instituições em geral. A perda de interlocução com a sociedade, a eventual incapacidade de justificar suas decisões ou de ser compreendido, retiraria o acatamento e a legitimidade do Tribunal. Por outro lado, qualquer pretensão de hegemonia sobre os outros Poderes sujeitaria o Supremo a uma mudança do seu desenho institucional ou na superação de seus precedentes por alteração no direito, competências que pertencem ao Congresso Nacional. Portanto, o poder do Supremo Tribunal Federal tem limites claros e a Corte tem reconhecido isso ao declarar a constitucionalidade de praticamente todas as correções legislativas de sua jurisprudência tributária que foram promovidas por emendas constitucionais. Na vida institucional, como na vida em geral, ninguém é bom demais e, sobretudo, ninguém é [simple_tooltip content=’Luís Roberto Barroso, A razão sem voto: O Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. In: D. Sarmento (Coord.) Jurisdição constitucional e política, 2015, p. 3-34.’]bom sozinho[/simple_tooltip].