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Eleições

Fim da reeleição e eleições unificadas

Reformar ou apenas repetir o velho desejo de novidade?

fim da reeleição
Crédito: Nelson Jr./ASICS/TSE

No mês de maio, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de reforma política-eleitoral que, dentre outras coisas, propõe o fim da reeleição para cargos executivos no Brasil.

Caso essa PEC seja aprovada no Senado e, posteriormente, na Câmara dos Deputados, prefeitos, governadores e presidentes não poderiam mais disputar reeleição consecutiva em nosso país. O que significa e quais seriam as consequências do fim da reeleição presidencial?

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No texto Fim da reeleição: o retorno do debate, publicado em maio, Ernani Carvalho e Breno Avelino examinaram esse debate a partir das lógicas da autonomia eleitoral e da accountability e analisaram a literatura empírica brasileira sobre o tema. Os autores concluíram que abolir a reeleição pode gerar efeitos contraproducentes, como governos de curto prazo e redução de incentivos à boa governança, além de limitar a soberania do eleitor.

No artigo O fim da reeleição para presidente no Brasil em perspectiva comparada, Ian Batista contribuiu para o debate, explorando o tema a partir de uma perspectiva comparada em relação ao hemisfério. Com uma perspectiva e métodos diversos, o autor concluiu que, em um país que carece de renovação, é possível que o fim do instituto seja uma mudança bem-vinda.

Neste artigo, Ranulfo Paranhos e Rodrigo Lins dão continuidade ao debate. Os autores analisam dados sobre a reeleição de prefeitos no Brasil, avaliam experiências e literatura estrangeira, e discutem os desafios e as limitações da proposta de unificação das eleições. Na conclusão, sustentam a importância da prudência e de reflexões aprofundadas sobre a reforma, visando evitar resultados danosos ao nosso sistema eleitoral e, de forma mais ampla, à nossa democracia.

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Panorama geral sobre a proposta e a reeleição no Brasil

Enquanto estamos atentos ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seu grupo de apoio no Supremo Tribunal Federal pela tentativa de engendrar um golpe de Estado no Brasil, uma discussão fundamental para a democracia acontece no Congresso Nacional: a proposta de uma alteração significativa nas regras eleitorais.

A PEC aprovada no Senado Federal que, entre algumas mudanças nas regras eleitorais, pretende extinguir a reeleição para cargos do Executivo (prefeitos, governadores e presidente da República), estabelecer mandatos de cinco anos e unificar todas as eleições a cada ciclo. 

Mudanças como essas resgatam um debate antigo, mas que exige, antes de entusiasmo, reflexão informada. Reformas políticas não são soluções mágicas. Sem análises cuidadosas e dados empíricos, corremos o risco de embarcar em mudanças que produzem mais ruído do que resultados efetivos. 

O dispositivo de reeleição no Brasil foi criado por uma emenda constitucional em 1997 (PEC 16/1997), que assegurou que o então presidente Fernando Henrique Cardoso, um social-democrata, fosse reeleito para mais um mandato de 4 anos. 

Instrumentos como esse  asseguram aos mandatários a oportunidade de submeter sua gestão ao crivo popular. Trata-se de um mecanismo de responsabilização democrática: quem governa bem, pode tentar renovar o mandato; quem governa mal, pode ser penalizado nas urnas. Essa dinâmica do voto retrospectivo é discutida há décadas (Ferejohn, 1986; 1999).

Introduzindo a análise: o que dizem os dados sobre a reeleição de prefeitos no Brasil?

Visando introduzir nossa contribuição para esse debate, passamos a uma breve análise empírica dos dados sobre a reeleição para o cargo de prefeito no Brasil:

Os dados das últimas eleições para o cargo de prefeito mostram que, no ano de 2000, a taxa de reeleição foi de 62%, com 62% de candidatos na condição de reeleição. Em 2004, a taxa foi de 61%, com apenas 25% dos candidatos a prefeitos disputando a reeleição.

Em 2008, foram reeleitos 63% dos candidatos, sendo que 40% eram candidatos à reeleição. O ano de 2012 manteve os mesmos 63% de taxa de reeleição, sendo 43% candidatos à reeleição. Em 2016, a taxa de reeleição foi de 49%, com 44% dos candidatos disputando a reeleição.

No ano de 2020, a taxa de reeleição voltou a crescer, atingindo 64% de um total de 40% de candidatos. Foi apenas nas últimas eleições, em 2024, que a taxa de reeleição atingiu a marca de 81%, com 54% dos candidatos disputando a reeleição.

Inicialmente, esses números podem parecer contraintuitivos. Com base neles, podemos afirmar que candidatar-se à reeleição não é garantia de sucesso.

Esses dados também parecem indicar que o mecanismo é menos uma porta automática para a continuidade no poder e mais uma prova pública de avaliação do desempenho político. 

Em uma perspectiva otimista, nos parece que o eleitor brasileiro tem mostrado mais discernimento ao julgar seus governantes. 

Essas evidencias nos levam a duas perguntas cruciais: vale a pena alterar um dispositivo com apenas duas décadas de vigência, com base mais em suposições do que em evidências? A reeleição não seria mais bem compreendida como um dispositivo de mérito do que de privilégios?

Uma breve perspectiva comparada

O Brasil não está isolado no mundo. É importante um esforço comparativo. Como se dão os modelos das demais democracias? Na América Latina, apenas Colômbia, Guatemala, México e Paraguai impõem um único mandato como limite. 

Nas chamadas “democracias antigas”, nenhuma coloca o limite de um mandato. Em toda a Europa, por exemplo, apenas a Armênia, o Cazaquistão e Malta fazem uso do artifício. O Brasil, portanto, estaria indo na contramão institucional das democracias estáveis.

Desafios e limitações da proposta de unificação das eleições

Outro ponto que merece destaque e deve ser preocupante para quem estuda eleições é a proposta de unificar os pleitos para todos os cargos em uma mesma data (de presidente da República a vereador). 

O argumento tem um apelo pragmático: reduzir custos, dar mais racionalidade ao calendário eleitoral e simplificar o processo. No entanto, a ideia parece ignorar um aspecto fundamental da política democrática: a territorialidade das disputas e a pluralidade dos contextos eleitorais.

Ao sobrepor a disputa nacional (presidencial) à municipal (vereadores e prefeitos) corremos o risco de ofuscar o debate sobre problemas locais, que têm natureza, urgência e soluções diferentes da arena federal. Um eleitor de uma cidade do interior pode se ver mais envolvido com a polarização presidencial do que com a escolha do gestor que resolverá questões de esgoto, transporte e saúde básica. 

Do ponto de vista institucional, o desafio é ainda maior. 

O TSE e os TREs já enfrentam gargalos logísticos e tecnológicos em eleições periódicas a cada 2 anos. Imagine em um cenário no qual, em um único domingo, o sistema eleitoral terá de processar: candidaturas para mais de 5.000 prefeituras; cerca de 60 mil vagas para vereador; todos os cargos de governador, deputado estadual, deputado federal, senador e presidente da República; prestação de contas de centenas de milhares de candidatos; milhares de ações de propaganda irregular, abuso de poder e compra de votos. 

Trata-se de uma complexidade exponencial. A unificação pode resultar em sobrecarga fiscalizatória, falhas de controle e, o que é mais grave, em menor capacidade de julgar e punir irregularidades no tempo adequado. 

A Justiça Eleitoral brasileira é, sim, uma das mais eficientes do mundo, mas isso não significa que ela deva ser testada em seus limites funcionais sem garantias de suporte técnico, humano e orçamentário. 

Precisamos apenas considerar o tempo que o eleitor leva nas urnas para saber que a unificação dos pleitos gerará obstáculos à Justiça Eleitoral. Em eleições municipais, de acordo com dados do TSE, o eleitor leva em média menos de um minuto para votar. Já em eleições gerais, em que o eleitor deve registrar seu voto para deputados estaduais, federais, senadores, governadores e presidente, o tempo médio ultrapassa um minuto. 

A tendência, portanto, é de maiores filas nos postos eleitorais. E o impacto das longas filas vai além do desafio de infraestrutura para o TSE. Ela atinge diretamente os eleitores. A literatura da Ciência Política já mostrou que filas longas desencorajam a participação do eleitor (Wang, 2012; Cottrell, Herron e Smith, 2021). Longas esperas em uma dada eleição reduzem a chance de participação do eleitor em um próximo pleito (Pettigrew, 2021). 

Aqui, portanto, temos um impacto direto naquilo que melhor representa sistemas democráticos: a participação popular.

A importância da prudência e de reflexões aprofundadas sobre reformas políticas

Há, sem dúvida, espaço para aprimorar o sistema político-eleitoral brasileiro. Mas reformas exigem prudência, evidências e, sobretudo, uma leitura institucional de longo prazo. Extinguir a reeleição pode parecer uma medida de moralização, mas ignora que o problema não é o direito de tentar novamente, e sim o uso indevido da máquina – algo já combatido por mecanismos de controle e pela vigilância social. 

Não se pode matar um paciente simplesmente por ele apresentar sinais de doença. Na verdade, é preciso tratá-lo para que ele se fortaleça. Em outras palavras: é preciso melhorar o funcionamento do dispositivo de reeleição, com melhores ferramentas de controle sobre uso da máquina pública; não exterminar a possibilidade de reeleição.

Da mesma forma, eleições unificadas podem ser eficientes no papel, mas trazem riscos reais de invisibilizar pautas locais e colapsar o sistema de justiça eleitoral. Reformas que mexem no coração da democracia não podem ser feitas com base apenas na conveniência do calendário político ou no apelo fácil de slogans como “acabar com privilégios”.

Se a história brasileira ensina algo, é que reformas feitas sem atenção às consequências costumam nos cobrar caro mais adiante. Reformas políticas devem ser produzidas com o mínimo de rigor e responsividade, não com impulso. logo-jota