A utilização de combustíveis fosseis é uma das principais causas de emissão de gás de efeito estufa, e por conseguinte, da mudança climática. Isto acaba redundando em mudanças regulatórias ou comportamentais que tendem a deprimir a demanda no médio prazo. Em grande medida por isso, as grandes empresas petrolíferas receiam que uma inevitável transição para uma economia global de baixo carbono as tornem “ativos encalhados”. Enquanto isto, a Petrobras segue o caminho inverso, se negando a ampliar seus investimentos nesta direção.
Grandes companhias petrolíferas — como Equinor, de capital misto, a BP e Shell, privadas, e mesmo as estatais chinesas — clamam estar se preparando para se tornarem empresas de energia limpa, desenvolvendo novos combustíveis e investindo de forma consistente. Até há poucos anos, a Petrobras caminhava na mesma direção. Já em janeiro de 2019, a condução da empresa, indicada pelo governo Jair Bolsonaro, decidiu de forma inequívoca abandonar os promissores projetos em energia renovável então em curso. Na época, o então presidente da companhia alegava, em coletivas à imprensa: “Se decidirmos entrar no jogo [das energias renováveis] queremos entrar para vencer, não vamos nos apressar sem pensar só porque outras grandes empresas de petróleo estão fazendo isso”.
Esta estratégia de extrair mais valor no curto prazo, com um mínimo investimento, levou a empresa a privilegiar atividades de extração de petróleo bruto e gás, de jazidas já descobertas, sobretudo do pré-sal. E para robustecer ainda mais os ganhos de curto prazo, decidiu-se pela venda de ativos, como transporte de gás e participações detidas em campos produtivos de petróleo. Não é surpreendente, portanto, que já no 2° trimestre de 2019, a empresa tenha obtido lucro recorde de R$ 18 bilhões, após venda de ativos da ordem de R$ 34,5 bilhões. Ainda no mesmo ano, a empresa pôs em prática o plano de reduzir seu escopo de atividade, vendendo o controle da maior distribuidora brasileira, a BR. E assina, por sua iniciativa, acordo com o Cade para a venda de oito refinarias como contrapartida do arquivamento de investigação sobre suposto abuso de posição dominante.
Apesar do discurso em defesa pelo desmonte do monopólio, e por maior competição, os efeitos presumidos sobre aumento da concorrência, estes resultados esperados não resistem a uma análise técnica mais cuidadosa. De fato, o que observamos é o surgimento de refinarias regionais interligadas por dutos de transporte e distribuição, cada qual representando genuínos monopólios naturais. Tampouco fica de pé a presunção de que a magia da “abertura do mercado” à importação iria levar a introdução da concorrência no mercado de combustíveis: passados seis anos da adoção de política de preços de paridade internacional no governo Temer, dados da ANP indicam que a participação das importações na oferta doméstica de combustíveis é de 8% para gasolina e 23% para diesel.
Talvez ainda mais impressionante, desde 2016, com aval governamental, a Petrobras passou a se comportar como se o acionista principal já não fosse a União, estando a empresa liberada de perseguir dois primordiais objetivos de longo prazo. Como empresa, a primeira meta deveria ser resguardar a sua futura posição competitiva e sua sustentabilidade, evitando, como já mencionamos, que se torne um “ativo encalhado” no futuro próximo.
É importante, neste tocante, mencionar que a janela de oportunidade está se fechando: apesar do aumento recente do preço do petróleo, causado pela guerra na Ucrânia e suas consequências, há uma forte tendência de médio prazo de redução do financiamento e de investimentos voltados para atividades de alto carbono. A Petrobras, neste sentido, pode se tornar um Titanic acelerando o passo para um iceberg inevitável. Como empresa em que predomina o acionista público, seu objetivo principal deveria ser ter um papel central na segurança e no planejamento energético do país. Coisa que, como denotamos, não está ocorrendo com a intensidade que demanda o momento geopolítico e econômico grave que se coloca ao nosso país.
Neste contexto, chama a atenção que, como mencionamos, enquanto Equinor, BP, Shell e Total investem em ativos eólicos solares e onshore no Brasil, o maior acionista da Petrobras decidiu instar a empresa a abandonar o futuro, e concentrar-se na atividade mais lucrativa a curto prazo, a extração em águas profundas, para satisfação dos acionistas privados. Impressiona que, em um momento em que o Brasil poderia ganhar com uma transição energética para baixo carbono, a maior empresa de energia do país é instada a operar movida pela ingênua crença de que a concorrência se estabeleceria por meio de algumas poucas oportunidades e incentivos.
A subserviência da Petrobras aos objetivos de curto prazo, anunciada pelo presidente da empresa ainda em 2019, está expressa nas duas distribuições recordes de dividendos em 2022: a empresa, sob protestos de distintas entidades, entregou aos seus acionistas R$ 180 bilhões apenas em 2022 – marca jamais atingida por qualquer das empresas do setor.
Esta generosidade na distribuição dos investimentos contrasta com os R$ 17 bilhões previstos em investimentos no mesmo ano — quando o refino do petróleo extraído nas bacias brasileiras, em quantidade superior ao consumo, demandaria investimentos para modernizar e adaptar refinarias que foram projetadas para um tipo de petróleo mais leve que só recentemente, no pré-sal, passou a ser produzido no país. Não à toa, das oito refinarias que o Cade determinou a venda pela Petrobras em 2019, decisão aplaudida e apoiada pelo governo, apenas duas encontraram até agora interessados.
Em suma, o Brasil vê, atônito, a transformação de um monopólio público de direito em um monopólio privado de fato, às expensas da sociedade, para maximizar lucros de monopólio. Renunciamos à capacidade de planejamento energético de longo prazo do país, desenvolvendo fontes de energia renováveis, pesquisa em novos insumos, em biofertilizantes e biodefensivos, em tecnologia de reciclagem de resíduos, tudo o que em um horizonte mais largo se mostra absolutamente indispensável para a retomada de desenvolvimento em bases sustentáveis.
Os acionistas privados minoritários evidentemente batem palmas à esta bizarra abdicação do direito e da responsabilidade do acionista majoritário — o Estado brasileiro. Porém, em um momento de transição politica, é imperativo discutir esta démarche anacrônica, despida de qualquer resquício de estratégia de desenvolvimento.