De volta à Presidência da República após 13 anos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recorreu a uma fórmula conhecida na montagem de seu governo: a distribuição farta de cargos para obtenção de apoio no Congresso Nacional — o chamado presidencialismo de coalizão, termo cunhado pelo cientista político Sérgio Abranches.
No total, nove partidos foram contemplados na montagem ministerial. PSD, MDB e União Brasil, que não integraram a chapa vencedora nas urnas, levaram três ministérios cada, assim como o PSB, do vice Geraldo Alckmin; PDT, Rede, PSOL e PC do B, um ministério cada; e o PT indicou nove nomes.
Nos governos Lula 1 e 2, essa mecânica fazia sentido: os ministros funcionavam como intermediários de seus partidos junto ao governo. O deputado fazia a peregrinação nos ministérios e contava com uma forcinha do colega de legenda para emplacar recursos em suas bases eleitorais. Em troca, dava votos ao governo e o ministro se cacifava junto ao Palácio do Planalto. O uso do orçamento público como instrumento de barganha entre os Poderes, com critérios políticos prevalecendo na liberação de recursos orçamentários, era praticamente inevitável, como anota o consultor da Câmara Ricardo Volpe no artigo “O papel das emendas parlamentares no presidencialismo de coalizão”.
Mas o quadro mudou. Na esteira da fragilização política do governo de Dilma Rousseff (PT), o Congresso alterou a Constituição para determinar que as emendas individuais de deputados e senadores passassem a ter execução obrigatória correspondente a 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) da União — hoje o percentual é de 2% da RCL.
A impositividade das emendas individuais tinha como argumento evitar que a liberação dos recursos continuasse a ser usada como instrumento para constranger congressistas a colaborar com o governo.
Como várias boas ideias que geram efeitos inesperados, esta teve uma consequência simples: o preço do parlamentar subiu. Hoje, cada um dos 513 deputados federais tem direito de indicar R$ 32,1 milhões em emendas individuais, independentemente de sua posição política. No caso dos 81 senadores, R$ 59 milhões anuais cada. No orçamento de 2023, a modalidade totaliza R$ 21,2 bilhões[1].
“Eu não vou ajudar o governo para ganhar qualquer cinco pau (R$ 5 milhões). Minha base é bolsonarista. Eu pego os 30 municípios que tenho voto, boto R$ 1 milhão por ano em cada um e daqui quatro anos, faço 100 mil votos”, ouvi de um deputado durante as discussões sobre a reforma tributária. O governo liberou R$ 7,4 bilhões em emendas às vésperas da votação. O deputado votou a favor da reforma.
Some-se a isso a “festa danada” proporcionada pelas emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”, nas quais a negociação de recursos bilionários deixou de ser com o Palácio do Planalto e passou para as mãos dos presidentes da Câmara e do Senado.
Os congressistas ficaram viciados. Ninguém mais precisava ser fiel ao governo, mas sim ao Arthur Lira da vez. Foi necessário que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarasse o mecanismo inconstitucional quando a brincadeira já havia consumido R$ 53,9 bilhões de recursos públicos nos anos anteriores.
Mas o fato é que o presidencialismo de coalizão se tornou um instrumento obsoleto, custoso e pouco eficiente para obter apoio no Congresso. Veja o caso do União Brasil: com uma candidatura presidencial irrelevante nas eleições de 2022 (0,5% dos votos), mas 59 deputados na Câmara, abocanhou três ministérios e só entregou 63% de seus votos no primeiro semestre — o Republicanos, sem ministério, entregou mais.
Indicado ao Ministério das Comunicações, mas sem experiência no setor, o médico e deputado Juscelino Filho obrigou o Planalto a fazer vista grossa algumas vezes diante das denúncias do uso indevido de recursos públicos, alocação de parentes na máquina e suspeitas sobre seu patrimônio.
Quando se soube que Daniela Carneiro (Turismo) estava de saída para o Republicanos, o União chiou ante à possibilidade de diminuição de sua representação na Esplanada. Foi feita a troca por Celso Sabino e aguarda-se que o apoio cresça, mas nem o governo tem esperança de que o partido entregue votos na mesma proporção que aliados de primeira hora, cuja média foi de 90,5%[2]. Agora, tenta ir lá e tirar um ministério do União Brasil para ver o barulho.
Com o preço inflacionado e precisando de apoio do Congresso para aprovar medidas que engordem o Orçamento para o próximo ano, sob risco de não cumprir o prometido déficit zero em 2024, o governo avalia saídas. Uma delas é oferecer um “cardápio” de obras e investimentos planejados pela gestão para que deputados e senadores “patrocinem” em suas bases.
Possivelmente não será suficiente. Mas o governo não tem ideia do que colocar no lugar do velho modelo. O parlamento, por sua vez, sabe que não passará fome — e quer se empanturrar.
[1] Dado referente a 2023 e gentilmente calculado por Pedro Henrique Oliveira, da Instituição Fiscal Independente (IFI).
[2] Compilação feita pelo analista de dados do JOTA, Daniel Marcelino.