Há um problema grave no funcionamento do plenário virtual do Supremo Tribunal Federal: a vulnerabilidade dos pedidos de destaque para uso estratégico individual por ministros do STF. O pedido de destaque existe para transferir uma discussão do ambiente virtual para o físico. Porém, quando um ministro pede destaque, o julgamento é reiniciado e os votos proferidos são descartados.
Isso pode se tornar profundamente problemático nos casos em que o pedido de destaque é realizado quando já houver votação em estágio avançado no plano virtual e um dos membros do tribunal tiver sido substituído por outro quando o julgamento for retomado no ambiente físico. O caso previdenciário da chamada “revisão da vida toda” serve perfeitamente para ilustrar essa situação.
O caso em si diz respeito ao cálculo do benefício previdenciário das pessoas que já eram contribuintes antes da criação do Plano Real (RE nº 1.276.977). O recurso extraordinário começou a ser julgado em 2021. Teve início com o voto do relator, ministro Marco Aurélio, acompanhado por quatro. Nessa mesma ocasião, o ministro Nunes Marques abriu divergência, e foi acompanhado por outros quatro.
O julgamento foi então suspenso por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Após a devolução dos autos, o julgamento foi retomado no próprio plenário virtual. O ministro desempatou a questão, votando pela possibilidade de recalcular a aposentadoria. Na ocasião, o relator, Marco Aurélio, já havia sido substituído pelo ministro André Mendonça, que costuma sucedê-lo nas relatorias.
Foi neste momento, após a apresentação de 11 votos, com maioria formada, que o julgamento foi interrompido por um pedido de destaque. Na prática, a medida reabre toda a discussão para ser retomada desde o início. A principal diferença é que o caso será retomado por uma composição diferente, em um momento indeterminado do futuro.
Diferentemente do que ocorre no pedido de vista, o ministro que pede destaque não controla quando um julgamento será retomado. Depois do destaque, cabe ao relator liberar a ação novamente para julgamento, obrigatoriamente ao ambiente físico. Depois da liberação pelo relator, caberá ao presidente acomodá-lo na pauta de julgamentos. Uma vez reiniciado o julgamento no ambiente físico, ele é resetado: os votos já proferidos são novamente tomados, em ordem decrescente de antiguidade.
No caso da “revisão da vida toda”, isso implica que o ministro relator terá a liberdade de escolher o momento de liberação do caso para novo julgamento. Como o relator era o ministro Marco Aurélio, pela prática, a relatoria deveria ser transferida para seu sucessor, André Mendonça, que justamente não havia participado do julgamento original.
A postura não é inédita no STF. No RE 835818, que discutia a inclusão de créditos presumidos do ICMS na base de cálculo da Cofins e da contribuição ao PIS, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque após 11 votos já proferidos. Esse caso também contava com um voto do ministro Marco Aurélio, que foi descartado depois do pedido de destaque. Mas desta vez a repercussão tem sido tanta que noticia-se a possível existência de uma articulação interna para que os ministros, em sede de questão de ordem, preservem o voto do relator.
Extinguir o pedido de destaque não será uma boa solução. É importante que exista alguma ferramenta para deslocar discussões ao ambiente físico. A interação no plenário virtual é ainda mais limitada do que aquela existente no ambiente físico e pode gerar dificuldades. É legítimo deslocar um caso para o ambiente físico, por exemplo, para aumentar a capacidade de interlocução entre os ministros.
Porém, é preciso evitar que essa ferramenta possa ser deturpada como uma forma de rediscussão artificial de um julgamento. Por exemplo, no julgamento do RE 1049811, a análise foi suspensa para definição da tese no ambiente físico, diante de uma dificuldade de deliberação em um ambiente com capacidade de interação tão limitada. Parece algo razoável, ainda que nesse caso a transferência tenha sido por suspensão de julgamento e não por pedido de destaque.
Esse dilema foi criado pelo próprio STF. Pouco antes de sua aposentadoria, o ministro Marco Aurélio enviou um ofício à presidência do tribunal requerendo que seus votos fossem mantidos em alguns processos com julgamento iniciado e interrompido por pedido de destaque. O pedido foi rejeitado após consulta do presidente da Corte, Luiz Fux, aos demais ministros. A justificativa foi a impossibilidade de excepcionar a regra da Resolução 642/19, apesar de o apego às regras regimentais nem sempre ser defendido. Agora se fala em algum tipo de solução ad hoc, por meio de questão de ordem.
Independentemente dos méritos ou deméritos do pedido de destaque no caso da “rediscussão da vida toda”, os ministros se deparam com mais uma ocasião ideal para refletir sobre como estabelecer mecanismos de controle para mitigar riscos de ações individuais abusivas. Uma oportunidade para aperfeiçoar o pedido de destaque e a institucionalidade do tribunal.