A tramitação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 365/2022, que revoga resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre o chamado sinal locacional, tornou-se um fórum de meias verdades. A decisão da autarquia, que usurpou as competências do Congresso Nacional na elaboração de políticas públicas, alterou os custos da transmissão, encarecendo o transporte das energias limpas do Norte e Nordeste para o restante do país.
No entanto, a verdade é que a solução da Aneel não provou-se positiva para qualquer região. Se a agência argumentou que a mudança poderia reduzir tarifas de energia aos consumidores do Norte e Nordeste, o que ocorreu na prática foi o aumento do custo da geração elétrica nessas mesmas regiões, colocando em risco a conquista de termos nossas energias renováveis como as mais eficientes e baratas do mundo.
A energia ficará mais cara para todos. Os nordestinos, por exemplo, verão a geração pujante e os investimentos na região migrarem para o Sul e o Sudeste, ao lado de todas as oportunidades e o desenvolvimento que até então chegam ao Nordeste.
Mas não é só isso. Como o Norte e o Nordeste exportam para o restante do país, não só essas regiões terão energia mais cara – os consumidores residenciais brasileiros, de maneira geral, sentirão os impactos deste aumento no médio e longo prazo, enquanto os grandes consumidores do Sul e Sudeste já vão sentir imediatamente. Ou seja, se a distribuidora do Amapá já pratica um aumento de 44% nas tarifas, imagine o que vem pela frente.
Na medida em que se aumenta o preço da energia no Centro-Sul, qual será o impacto entre os grandes consumidores, responsáveis por 80% da produção nacional de bens e serviços? Eu mesmo respondo: energia mais cara, produtos mais caros para todo o Brasil e aumento da inflação em seguida. Belíssima decisão “técnica”, não é mesmo?
Esconder o impacto global desta nova metodologia é grave e inadmissível para agentes públicos, o que nos leva a questionar a atitude ética dos mesmos neste caso.
Além disso, como a nova metodologia da Aneel torna a transmissão mais barata para os geradores do Sul e Sudeste e mais cara para os do Norte e Nordeste, veremos os empreendimentos migrarem para o Centro-Sul e haverá uma predominância de projetos solares e térmicas – salvo no Rio Grande do Sul, essas regiões não possuem ventos adequados para geração. Assim, essas usinas terão de buscar terras mais caras, voltadas à agroindústria, o que não ocorre atualmente. Dessa forma, todo o Brasil será penalizado com aumentos nas tarifas de energia e ampliação das desigualdades regionais.
Será preciso também, caso prevaleça a nova regra, avaliar seu impacto nos leilões regulados. E não adianta dizer que os certames de 2021 demonstraram que as fontes renováveis continuam pujantes: na época, sequer sabíamos que teríamos, de uma hora para outra, uma nova metodologia. Os 200 gigawatts (GW) de outorgas renováveis tampouco comprovam o acerto das novas resoluções, uma vez que foram solicitadas antes do Sistema Elétrico Nacional conhecer essa nefasta metodologia.
O que estamos assistindo é que a Aneel, por decisão de cinco diretores, alterou a lógica de expansão da geração de energia elétrica, deslocando empregos do Norte e Nordeste para outras regiões, tornando a produção mais cara, com riscos de impacto na inflação. Continuaremos chamando essa decisão de “técnica” pois as agências reguladoras são intocáveis?
Tal decisão foi assustadoramente política. Agora, cabe aos parlamentares – eleitos pelo povo – fazer valer suas prerrogativas, a exemplo da própria elaboração de políticas públicas, e revisar este equívoco. O PDL 365, portanto, tem um efeito didático: mostrar aos burocratas do setor elétrico que é necessário reduzir a arrogância, aumentar o conhecimento sobre a Constituição e deixar de utilizar o manto da tecnicidade para acobertar decisões equivocadas.