Nesta quarta-feira (19/7), o Grupo Especial da Seção do Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) decidiu, por 5 votos a 4, a favor da Paper Excellence, no conflito bilionário com a J&F, e confirmou que José Benedito Franco de Godói é o desembargador competente para relatar os recursos do caso Eldorado Brasil Celulose.
Em quase 3 horas de julgamento, os desembargadores do Grupo Especial também negaram duas reclamações — uma movida pela J&F e outra pela própria Eldorado Brasil Celulose.
A reclamação da J&F questionava a sentença proferida pela juíza Renata Maciel, da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, que negou o pedido da J&F para anular uma arbitragem que deu ganho de causa à Paper Excellence e reconheceu, por 3 votos a 0, o direito da empresa de assumir o controle da Eldorado. Para a J&F, o processo estava suspenso por determinação do desembargador José Carlos Costa Netto e por isso não seria possível que a magistrada decidisse naquele momento.
Agora, com a definição do relator competente, caberá a ele votar no mérito da apelação, que será julgada pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. No dia 20 de março, o desembargador José Benedito Franco de Godói já havia autorizado a retomada da transferência do controle da Eldorado Brasil para a Paper Excellence. A reclamação da Eldorado Celulose que foi negada nesta quarta-feira (19/7) combatia esta decisão.
A transferência da Eldorado Celulose para a Paper Excellence enfrenta agora outro óbice jurídico, desta vez no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Isto porque o desembargador Rogério Favreto, em decisão monocrática, suspendeu os atos de transferência das ações da Eldorado Brasil Celulose e a aquisição de imóveis rurais no território brasileiro pelas empresas Eldorado Brasil Celulose S/A, Paper Excellence BV, CA Investment Brazil S/A, até que elas apresentem autorizações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Congresso Nacional.
Sobre o caso, a Paper Excellence afirma que “a ação popular instaurada na Justiça de Santa Catarina não tem nenhuma consistência e foi baseada em informações não verídicas” e diz confiar que, após prestar esclarecimentos, “o TRF4, que foi induzido a erro, vai rever a decisão”.
Sobre a decisão desta quarta-feira, a J&F afirmou que “continuará reiterando a invalidade da sentença, uma vez que todos os processos estavam suspensos. A J&F Investimentos destaca que a sentença foi proferida pela juíza mesmo durante a suspensão do processo, o que a torna indevida, além de ser contrária à ordem emitida pelo Grupo Especial designado pelo Pleno do Tribunal”. Além disso, diz que “os votos dos demais desembargadores discordaram do relator, e a empresa considera fundamental o cumprimento da ordem emitida pelo desembargador, pois se trata de uma questão institucional do TJSP que diz respeito à ordem pública. A J&F aguardará a publicação do acórdão para tomar as medidas legais adequadas”.
Entenda a disputa jurídica entre Paper Excellence e J&F
A J&F Investimentos busca anular no Judiciário uma sentença arbitral favorável à Paper Excellence na disputa sobre o controle acionário da Eldorado Brasil.
O tribunal arbitral, conduzido entre 2020 e 2021 pela Câmara de Comércio Internacional (ICC), deu ganho de causa à Paper Excellence e reconheceu, por 3 votos a 0, o direito da empresa de assumir o controle da Eldorado. Na ocasião, o negócio de R$ 15 bilhões não foi finalizado, já que a J&F não aceitou o resultado e decidiu pedir a anulação da arbitragem na Justiça.
Em julho do ano passado, a juíza Renata Maciel, da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, proferiu sentença que negou o pedido da J&F para anular a arbitragem.
Entre os argumentos para o pedido de anulação da arbitragem está o de quebra do dever de revelação de conflito de um dos árbitros e o de que a J&F teria sido vítima de um ataque hacker perpetrado pela Paper Excellence.
Na ocasião, a juíza considerou que o acesso indevido aos emails corporativos de fato parece ter ocorrido, mas entendeu que não haveria como determinar quem foi o mandante da espionagem, e que isso não teria ligações com a arbitragem.
Depois dessa decisão de mérito, em outubro, o desembargador Franco de Godoi revogou uma decisão anterior que impedia a transferência da Eldorado Celulose para a Paper Excellence. Proferida a “sentença de improcedência da ação, julgamento de cognição plena, resta afastado um dos requisitos para a concessão da tutela antecipada, qual seja o ‘fumus boni iuris’. E mais, a jurisdição de caráter provisório não poderá suplantar aquela de cunho exauriente realizada pela MMa. Juiza ao julgar o mérito da ação”, afirmou na ocasião.
Dias depois, o desembargador José Carlos Costa Netto, do Grupo Especial da Seção do Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), concedeu efeito suspensivo a embargos de declaração em um conflito de competência, que, na prática, travou a transferência da Eldorado Brasil Celulose para a Paper Excellence.
No dia 19 de agosto, por maioria, os desembargadores do Grupo Especial haviam decidido que a competência para processar e julgar a questão é da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, integrada por Franco de Godoi. Mas, ao conceder efeito suspensivo ao recurso, Costa Netto considerou que há possibilidade de alteração do julgado e que seria relevante aguardar o julgamento dos embargos de declaração para a tomada de decisões, a fim de evitar riscos de danos de difícil reparação. Os embargos de declaração foram opostos pela Paper Excellence enquanto o efeito suspensivo foi pedido pela J&F.
Em dezembro do ano passado, então, a Paper desistiu dos embargos de declaração que ela mesmo havia apresentado no conflito de competência, mas Costa Netto não oficializou a desistência e pediu que a J&F e a Eldorado se manifestassem sobre a renúncia ao embargo, o que não está previsto no Código de Processo Civil. Logo após, enviou o processo para o Grupo Especial da Seção do Direito Privado, responsável por decidir essa questão nesta quarta-feira, 19 de julho. Alguns dias depois, Costa Netto negou um pedido de revisão da decisão que foi feito pela Paper Excellence.
Em março, em apenas uma semana, dois desembargadores tomaram 3 decisões monocráticas divergentes. No dia 20 de março, o desembargador José Benedito Franco de Godoi, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, autorizou a retomada da transferência do controle da Eldorado Brasil para a Paper Excellence.
Dois dias depois, na quarta-feira (22/3), foi a vez do desembargador Costa Netto, do Grupo Especial da Seção do Direito Privado, reafirmar a suspensão da transferência, em detrimento da decisão do colega. Novamente dois depois, na sexta-feira (24/3), Franco de Godoi reiterou sua decisão para que a transferência do controle da empresa fosse retomada. Ele subiu o tom nas críticas a Costa Netto, que, segundo ele, teria tomado decisões que “extrapolaram as regras do processo civil, sem correspondência em nenhuma legislação processual civil de países civilizados”.
Ao determinar mais uma vez a suspensão da transferência da Eldorado Celulose, em 22 de março, Costa Netto afirmara que como a homologação da desistência de um recurso pela Paper Excellence foi objeto de um agravo interno, ficou pendente a fixação do entendimento definitivo, pelo Grupo Especial, sobre a pertinência da homologação da desistência e a apreciação de questões de ordem pública. Também escreveu que não é a primeira vez que “são tomadas decisões, por órgãos inferiores ou de mesma hierarquia” “no sentido de desafiar e contrariar as competências legais e regimentais deste órgão”.
“Tais comportamentos são contraprodutivos, por provocarem exatamente o que o conflito de competência visa evitar o proferimento de decisões conflitantes e desconexas , além de atrasarem ainda mais a solução final do conflito de competência, em prejuízo a todos os envolvidos”, escreveu Costa Netto.
Dois dias depois foi a vez de Franco de Godoi rebater e elevar o tom. Segundo ele, Costa Netto se esqueceu que “naquele simples Conflito de Competência a sucessão de atos que extravasaram os limites de sua processual e legal atuação afetaram os alicerces dos fundamentos abraçados pelo Colendo Grupo para dirimir conflitos de competência”.
De acordo com Franco de Godoi, Costa Netto também ignorou que lhe falta a “competência para reanalisar as decisões prolatadas por integrantes de Câmaras Comuns de Direito Privado” e que ele não poderia “arvorar-se em órgão revisor, como fê-lo”. Desta forma, ficaria “esfacelada por todo o processado a conduta” de Costa Netto “faltando-lhe competência para determinar ao Colendo Tribunal Arbitral o não cumprimento de decisões”.
Na ocasião, Franco de Godoi determinou que o Ministério Público fosse oficiado para providências cabíveis, além de encaminhar cópia da decisão para o presidente do TJSP, aos desembargadores do Grupo Especial da Seção de Direito Privado e ao Tribunal Arbitral.
Há dois meses, em despacho num pedido de abertura de processo administrativo disciplinar contra Costa Netto, o presidente do TJSP, Ricardo Anafe, escreveu que o desembargador tomou “uma série de decisões juridicamente não justificáveis (não adotam um entendimento possível, seja ele majoritário ou minoritário, dentre aqueles que podem ser extraídos da interpretação da norma e de sua conjugação com os fatos relevantes do caso), manifestamente imprudentes e geradoras de graves consequências (interferência em negócio jurídico bilionário), podendo configurar exercício abusivo do dever-poder de julgar”. Neste caso, caberá ao Órgão Especial da Corte decidir se abre o PAD contra Costa Netto.