Em seu discurso no ato de um ano dos ataques de 8 de janeiro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que os inimigos da democracia recorrem à “desinformação, desordem e vandalismo” para simular uma força que não possuem.
Seja simulação ou não, pelo menos nas redes, a direita bolsonarista demonstrou força no aniversário da tentativa de golpe de Estado que aos poucos nos grupos perdeu o caráter de sublevação política, com os pedidos repetidos de intervenção militar colocados em segundo plano. Além de medir o domínio da direita sobre os principais trending topics no Twitter/X e o alcance maior de deputados e senadores bolsonaristas no Instagram ao longo da última semana, o JOTA monitorou mensagens em 50 grupos, que nesta segunda-feira (8/1) tiveram a maior atividade diária em meses.
Na narrativa bolsonarista, repetida nos grupos e por parlamentares, influencers, ecoada em rádios e TVs regionais, tratou-se no máximo de revolta de patriotas indignados, agindo de forma espontânea, sem coordenação. Senhoras e crianças, além de alguns infiltrados ou exaltados que podem ser culpados de depredação, mas nunca de “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”.
É essa chave que permite a convivência de um domínio continuado da direita bolsonarista nas redes com pesquisas que mostram repúdio de quase 90% aos atos do 8/1. Porque, a julgar pela expressão das opiniões no ambiente digital, há repúdio a coisas completamente diferentes entre os respondentes.
É uma versão poderosa, que permite manter as devoções políticas dos últimos anos e preservar a superioridade moral sobre a esquerda, ao inverter as responsabilidades. Nessa ótica, quem atenta contra a democracia é o governo, conivente com os ataques, e STF, por perseguir opositores de Lula. Mesmo os culpados por depredação são vitimizados como mártires políticos de uma ditadura judicial a serviço da esquerda.
E por isso, o ato “Democracia Inabalável” é facilmente retratado como um teatro petista, em favor do governo. Longe da união na caminhada do 9 de janeiro de 2023, louvada hoje por Lula como um marco da história democrática do país, a maioria dos governadores à direita, bolsonaristas ou não, faltou ao evento. Em parte, pela pressão digital, que atravessa divisas estaduais.
Zema, que colocou em sua agenda oficial na manhã de hoje a participação no ato no Congresso, foi bombardeado de forma incessante nas redes abertas e nos grupos. No início da tarde, deixou saber pela imprensa que não mais iria. Depois, um enorme aviso de “cancelado” em vermelho foi adicionado ao evento em sua agenda. Um cancelamento contra o cancelamento. Eduardo Leite, presente no evento, passou a receber os ataques concentrados.
Sem Ibaneis Rocha, do Distrito Federal, coube à governadora petista Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte, falar em nome dos colegas, o que diminuiu a mensagem de união do evento, que, entre advertências aos golpistas, foi defendida por ela e pelos presidentes do Senado e do STF em seus discursos.
Já Lula usou menos o tom de união e fez um discurso contra os bolsonaristas e o que representou o governo Bolsonaro. Falou em “boiada”, “fascismo”, desmatamento da Amazônia. Em improviso, perguntou por que os “filhos dele” não renunciam, já que duvidam das urnas e sugeriu que STF e TSE usem a sua história e a do PT para convencer quem duvida da democracia. À esquerda, houve defesas do discurso “autêntico” e “forte”. As redes bolsonaristas leram a confirmação do conluio que tanto apregoam.
Lula está preso na mesma armadilha de Biden, que aos poucos abandonou o tom de união do país em suas mensagens sobre o ataque ao Capitólio e passou a acusar Trump como golpista e chamar os trumpistas radicais de ameaça à democracia. Lá e cá, a direita tem mais resultado nas redes com a polarização, com reação mais entusiasmada da base seja às mensagens de seus líderes, seja dos seus opositores.
No fim da tarde, havia 20.500 menções à palavra “ditadura” no Twitter/X, com mais de 60% feitas pela direita contra a esquerda e o governo Lula e STF. Um ano depois que apoiadores de Bolsonaro tentaram dar um golpe de Estado e provocar a intervenção das Forças Armadas contra o resultado das urnas, nem esta narrativa óbvia a esquerda consegue vencer.
Uma mostra dos limites da mensagem da esquerda petista foi o vídeo publicado nesta segunda por Janja com artistas como Chico Buarque e Gilberto Gil falando “Democracia”. É uma peça que repete a tática petista desde 1989, com artistas de 1989. O vídeo teve menos visualizações que o último publicado por Nikolas Ferreira, falando sobre a morte de um policial por presos beneficiados por “saidinha” de Natal. É um subtema abraçado pela direita nas duas últimas semanas, com repercussão muito além da sua bolha imediata, sem que o governo ou a esquerda tenham conseguido reagir.
O próprio Bolsonaro deu destaque em suas redes à pauta de segurança neste 8/1, republicando vídeo do filho Flávio sobre saidinha e dizendo que o PT foi contra pena maior para quem matar crianças. Nada sobre os atos de um ano atrás, apenas a reprodução de uma publicação sobre acusações de Palocci sobre propinas para Lula, com o comentário: “Democracia brasileira”. A ex-primeira-dama Michelle foi mais direta, publicando uma imagem com a data de morte do “Patriota Clezão”, um réu por invasão e depredação do Congresso que morreu de infarto na prisão e é tratado como mártir pelos bolsonaristas.
Ao fim o balanço digital desta segunda-feira é uma vitória simbólica de Bolsonaro. De novo sem agir direta e explicitamente, o ex-presidente continua referência da direita digital, que representativa ou não das opiniões da direita mais ampla no país, tem impacto nas ações de atores políticos e conseguiu em um ano tornar menos coesa a reação política ao ataque às instituições.