Inovação

Necessidade da mudança do controle nas contratações por encomendas tecnológicas

Devido à incerteza na obtenção de uma solução, é necessária a mudança na visão do controle em relação a projetos

Crédito: Pexels

Relembro que, de acordo com Rauen e Barbosa (2019, p. 15)[1], encomenda tecnológica (ETEC) é “uma compra pública voltada para encontrar solução para determinado problema por meio de desenvolvimento tecnológico. Ou, formalmente, (…) tipos especiais de compras públicas diretas voltadas a situações muito específicas nas quais exista risco tecnológico.

São exemplos de possíveis utilizações de uma ETEC: uma nova vacina, um novo material, uma nova tecnologia para despoluição de um rio, uma metodologia de produção mais econômica, a junção de diversas tecnologias em um produto complexo, entre outros.

Conforme visto nos artigos anteriores, essa modalidade de compra é muito diferente das aquisições públicas comuns, em razão de algumas características, tais como: presença inequívoca do “risco tecnológico” (incerteza na obtenção da solução); decisões discricionárias ao longo do projeto; possibilidade de exclusão de fornecedores; e critério de escolha do fornecedor baseado na maior probabilidade de sucesso.

Assim, um elemento essencial para que esse instrumento se torne, definitivamente, um estímulo à inovação no Brasil refere-se à necessidade de mudança na atuação do controle nos projetos que utilizam tal instrumento. Essas mudanças deverão levar em conta as especificidades dessa forma de contratação, bem como considerar o novo cenário da administração pública, qual seja, menor número de servidores e menos recursos orçamentários.

Diante dessa situação, observa-se, primeiramente, que a fiscalização desses projetos não deverá ser exercida apenas pelos órgãos de controle “de fato” (Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União, Ministério Público, etc.), mas por todos os envolvidos no projeto da ETEC (órgão contratante; Comitê de Especialistas; entidade financiadora do projeto, quando existir; controle social; entre outros).

Para a realização desse controle mais amplo, é importante que os instrumentos para acompanhamento da execução dos projetos de ETEC sejam os mais automatizados possíveis, de maneira a reduzir a burocracia, o retrabalho e a demora em tomada de decisões. Somente dessa maneira, será possível a conclusão desses empreendimentos que vão requerer acompanhamento durante toda sua execução que, em regra, será de longo prazo.

Outro ponto relevante para o controle mais amplo das Encomendas Tecnológicas refere-se à necessidade de transparência ao longo de todo o projeto. Todas as decisões discricionárias, em especial, as relativas à classificação ou desclassificação de fornecedores, deverão ser devidamente justificadas e disponibilizadas ao público (exceto as com necessidade de sigilo). Em projetos semelhantes às ETECs em outros países, é comum a existência de um site para acompanhamento de todos os detalhes não sigilosos da iniciativa durante toda a sua execução, boa prática que deverá ser adotada em nosso país.

Mais um aspecto a ser considerado na fiscalização das ETECs relaciona-se à análise do projeto inicial proposto pelo(s) fornecedor(es). A maior probabilidade de sucesso na obtenção da solução decorrerá de um projeto inicial detalhado, o qual deverá conter: a necessidade específica a ser atendida com a iniciativa; as metas para cada etapa; a explicação da rota tecnológica a ser adotada; a definição do ambiente de testes, se for necessário; entre outros.

Outro elemento essencial na fiscalização dessa modalidade de compra pública refere-se ao entendimento que o controle deverá ter no sentido de que o esforço nesses projetos é tão importante quanto o resultado. Afinal, mesmo que a solução desejada não seja encontrada, haverá pagamento ao contratado em função do esforço de pesquisa e desenvolvimento. Tal ponto decorre da principal característica desse instrumento, que é o “risco tecnológico” (incerteza na obtenção do produto final desejado).

Por fim, o controle a ser realizado nas ETECs deverá ser concomitante ao andamento do projeto e não posterior, que é a regra nos dias atuais. Somente com o acompanhamento pari passu de cada uma das etapas desse empreendimento, os controladores poderão entender os obstáculos e as dificuldades reais de todos os atores envolvidos no processo (contratantes, comitê de especialistas, pesquisadores, investidores, etc), atendendo, assim, ao previsto no art. 22 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB)[2].

Apesar de todas as adaptações acima mencionadas nas fiscalizações das Encomendas Tecnológicas, isso não significa que deve haver um relaxamento no combate à má utilização dos recursos públicos. Pelo contrário, a realização do controle concomitante do avanço de uma ETEC, de forma transparente, em sistemas automatizados e com a análise da atingimento das metas de cada etapa, possibilitará que os órgãos de controle atuem tempestivamente na correção dos rumos do empreendimento. Ou então, nos casos em que não houver as devidas correções, o controle poderá suspender a transferência dos recursos destinados ao projeto, bem como penalizar os responsáveis pela má utilização dos tão escassos recursos públicos.

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[1] RAUEN, A. T.; BARBOSA, C. M. M. Encomendas tecnológicas no Brasil: guia geral de boas práticas. Brasília: Ipea, 2019.

[2] Art. 22.  Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.

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