O Supremo Tribunal Federal (STF) julga, na próxima quarta-feira (7/4), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.529, que questiona trecho da Lei 9.279/96, a Lei de Propriedade Industrial. Está em discussão o parágrafo único do artigo 40, que trata do prazo de vigência de patentes diante da demora de anos para que o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) analise o pedido depositado. Nesta quarta-feira (31/3), o JOTA promoveu um debate com as teses opostas sobre a ADI, defendidas pelos professores de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Calixto Salomão Filho e Floriano de Azevedo Marques Neto. O encontro foi patrocinado pelo Grupo FarmaBrasil e pela Interfarma.
Para a Procuradoria-Geral da República, que ajuizou a ação, o dispositivo possibilitaria prazo indeterminado para a vigência de patentes se há demora de apreciação do INPI. A lei estabelece que a patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 anos; além disso, o prazo de vigência não pode ser inferior a dez anos a contar da data de concessão. Isso significa que, caso exista demora na apreciação, é possível haver acréscimo da vigência para garantir no mínimo esse período de 10 anos a partir da concessão. A Constituição estabelece, entre suas garantias fundamentais (artigo 5º, inciso XXIX), que este privilégio deve ser temporário.
De um lado, críticos apontam que a prerrogativa da lei de 1996 seria, na verdade, uma espécie de prazo indeterminado para a vigência das patentes, já que ela seria alargada conforme o tempo entre o pedido e concessão aumentasse. Na visão do professor Calixto Salomão Filho, do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, trata-se de uma proteção desproporcional à propriedade industrial.
“Na prática, o parágrafo único permite patentes de tempo indeterminado, e não só pela demora do INPI em conceder. Qualquer justificativa é automática para a extensão da patente. Se a demora for por causa da demora do requerente, ainda que seja provocada, ele também terá mais prazo. Então pode ser um prazo indeterminado, sim, o que seria inconstitucional”, afirmou Salomão Filho no debate ao vivo ao JOTA.
O professor Floriano de Azevedo Marques Neto, do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP, entende que a existência de demora, de qualquer parte, é um problema que deve ser atacado de outra forma, e não anulando um dispositivo que seria constitucional por estabelecer prazo. “Não se deveria jogar o dispositivo fora, mas ir ao cerne do problema. O parágrafo não gera uma desproporção. O que ele diz é que, caso o órgão demore, o requerente vai ter outros dez anos para usufruir; seria uma proteção”, defendeu o professor Marques Neto.
“Ele não fere o princípio constitucional de privilégio temporário. É temporário, de 20 ou dez anos. Não existe inconstitucionalidade simplesmente porque a regra não está adequada ou porque se considera o prazo longo. Prazo longo não quer dizer eterno e não existe patente eterna no Brasil”, pontuou.
De acordo com Salomão Filho, embora não esteja estabelecido explicitamente que não há prazo, seria possível que a exclusividade fosse esticada indefinidamente por um período muito superior a 20 anos, que é o que determina o artigo 40 e é o período praticado por outros países, como nos da América Latina. A média de vigência efetiva, entre 2010 e 2019, girou em torno de 24 anos, segundo levantamento do Grupo de Pesquisa Direito e Pobreza, coordenado por ele na USP, sobre a ADI 5.529. Além disso, o maior período teria sido de 34,5 anos de uma patente não farmacêutica.
“Só no Brasil o prazo é vinculado ao tempo de demora de apreciação. O INPI faz uma boa análise, sim, mas é considerado demorado quando comparamos com países que aceitam tudo rapidamente, porque querem sair na frente. No INPI não deve acontecer assim. Todos os países do BRICs, exceto o Brasil, dizem que vale a partir do momento do pedido, e não da concessão, justamente porque isso gera prazo indeterminado”, defendeu o professor.
Segundo Salomão Filho, logo após o pedido, ainda que ele não tenha sido contemplado naquele momento, é como se proteção começasse a valer, pois a empresa concorrente que infringir esse privilégio seria, posteriormente, penalizada com multa indenizatória. Haveria, portanto, um incentivo para não fazê-lo.
Para Marques Neto, o caminho para reduzir a vigência e, assim, fomentar a concorrência é tornar o INPI mais eficiente e investigar eventuais atitudes de empresas ou institutos de pesquisa requerentes para atrasar processos. “É claro que há problemas, mas não é com essa mudança que isso é resolvido. Não consigo ver como a regra que define prazo mínimo pode ser inconstitucional”, afirmou.
Nesse sentido, a proteção à patente não seria um entrave à inovação, mas um incentivador. “Não há incentivo à inovação se não se tem a certeza de que se terá 20 anos plenos de exploração da exclusividade. Se não tenho essa garantia e o INPI demorar, eu vou gozar 20 anos só com a expectativa”, pontuou. “Patentes não servem só para proteger indústria farmacêutica. Elas envolvem um incentivo à ciência e tecnologia, e não para respeitar a propriedade”, disse, destacando que a maior parte dos investimentos nesse setor são públicos.
Também neste ponto, Salomão Filho tem uma visão oposta. Ele entende que a patente, que na sua visão teria prazo indeterminado, gera monopólio, atrasando a concorrência e a inovação. “A enorme maioria das patentes pedidas no Brasil são estrangeiras, então isso está atrasando principalmente a inovação brasileira. Precisamos desenvolver inovação interna; o que só acontecerá se não houver prazo indeterminado”, explicitou. “Patentes não são o único meio de invenção. Não há demonstração de que aumenta inovação quando há patente. Uma decisão de colocá-las no lugar delas, com prazo determinado e não muito longo seria boa para todos”, defendeu Salomão.
No sentido oposto, Marques Neto entende que uma eventual decisão favorável à ADI significa retirar da ordem jurídica um dispositivo que funciona há 25 anos, e isso traria efeitos adversos: “Uma declaração de inconstitucionalidade é o pior que pode acontecer. Pode ser uma guinada, e não é o momento”.
O relator da ADI é o ministro Dias Toffoli e o julgamento, marcado inicialmente para maio, foi antecipado para a próxima quarta-feira após pedido de tutela provisória de urgência da PGR, que argumentou a urgência em votar a ação diante da pandemia do novo coronavírus.