Há maioria formada entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar o governo federal a fazer funcionar o Fundo Clima. Para isso, os ministros proíbem o governo federal de contingenciar as receitas do fundo e pedem alocação integral dos recursos. Na decisão, a maioria do colegiado também entendeu que a União foi omissa em 2019 em relação aos valores disponíveis. A discussão ocorre na ADPF 708 que está em julgamento no plenário virtual até o fim desta sexta-feira (1/7).
O Fundo Clima é um dos instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima e se constitui em um fundo de natureza contábil, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e com parte dos recursos operada pelo BNDES, e tem a finalidade de garantir recursos para apoio a projetos ou estudos e financiamento de empreendimentos que tenham como objetivo a mitigação das mudanças climáticas.
O objetivo do fundo é o de apoiar a implantação de empreendimentos, a aquisição de máquinas e equipamentos e o desenvolvimento tecnológico relacionados à redução de emissões de gases do efeito estufa e à adaptação às mudanças do clima e aos seus efeitos. O fundo entrou em 2020 com cerca de R$ 500 milhões de sua parcela reembolsável congelados no BNDES e R$ 8 milhões de sua parcela não reembolsável disponível.
No Supremo, a maioria acompanha o relator, ministro Luís Roberto Barroso, que entende que a matéria ambiental é constitucional. Barroso lembra que o Brasil firmou uma série de compromissos internacionais para a redução do desmatamento e da emissão de gases que contribuem para o efeito estufa e ressalta que o país passa por uma desestruturação das políticas ambientais.
“A gravidade da situação ambiental brasileira, a aversão à temática reiteradamente manifestada pela União, o histórico de desestruturação de órgãos colegiados integrantes da Administração Pública e de não alocação de recursos para a proteção ambiental corroboram, ainda, a necessidade de que este Supremo Tribunal Federal atenda ao pedido dos requerentes de determinação de que o Executivo tem o dever – e não a livre escolha – de dar funcionamento ao Fundo Clima e de alocar seus recursos para seus fins. Nesse sentido, é procedente o pedido de que deixe de se omitir em tal operacionalização nos exercícios subsequentes” , escreveu o relator.
No caso específico do Fundo Clima, ele ficou inoperante em 2019 e parte de 2020 por escolha política do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deixando de aprovar os Planos de Anuais de Aplicação de Recursos (PAARs) de 2019 e 2020 e abstendo-se de destinar os recursos. No entanto, com a propositura da ação pelos partidos políticos PSB, PSOL, PT e Rede Sustentabilidade, o governo mobilizou-se rapidamente para retomar o funcionamento do fundo. Ainda em 2020, a parcela não reembolsável do fundo foi inteiramente destinada a um único projeto, o Lixão Zero de Rondônia e outra parcela foi contingenciada pelo Ministério da Economia.
Em seu voto, Barroso propôs a seguinte tese: “O Poder Executivo tem o dever constitucional de fazer funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas, estando vedado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente (CF, art. 225), de direitos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (CF, art. 5º, § 2º), bem como do princípio constitucional da separação dos poderes (CF, art. 2º c/c art. 9º, § 2º, LRF).”
Até 19h de sexta-feira acompanhavam Barroso os ministros Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Edson Fachin. André Mendonça e Nunes Marques ainda não haviam votado.
Governo
Nos autos, a Presidência da República manifestou-se pelo descabimento da ação, porque ela se voltaria, em seu entendimento, contra atos de natureza regulamentar. No mérito, alegou inexistir retrocesso na matéria e ponderou que a destinação dos recursos em questão se insere no exercício de competência discricionária do Chefe do Executivo, que não se sujeitaria a revisão judicial sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes. Já a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu a ausência de omissão e alegou que os recursos que deveriam ter sido aplicados no ano de 2019 seriam – no tempo futuro – transferidos ao BNDES.
Repercussão
O Observatório do Clima classifica a decisão do Supremo como “uma vitória histórica e necessária”. Em nota, a especialista-sênior em Políticas Públicas da entidade, Suely Araújo, comenta que “esse julgado na prática terá um alcance bem mais amplo do que o Fundo Clima: a decisão favorável à ADPF 708 traz o precedente fundamental de que a omissão no uso de recursos destinados à política climática é inconstitucional. O poder público não tem o direito de optar pela não política pública nesse campo.”
Os advogados que assinam a ação em nome do PSB, Rafael Carneiro e Felipe Corrêa, do Carneiros e Dipp Advogados, também comemoram o resultado e reiteraram que o inconstitucional bloqueio dos recursos do Fundo Clima não só viola normas nacionais como descumpre uma série de compromissos internacionais firmados pelo Brasil, colocando em xeque o bem-estar das atuais e futuras gerações.