Novo presidente eleito, me chamou atenção o destaque na tela da TV com resumo de uma análise feita por minha colega Flávia Oliveira, comentarista da GloboNews: eleição de Lula é uma vitória das minorias brasileiras. Semanas antes, pesquisa Datafolha apontava o então candidato petista como o mais preparado para defender minorias, enquanto Jair Bolsonaro era destacado no combate ao crime.
E, na primeira fala como presidente eleito, Lula se comprometeu, numa tacada só, com o combate à fome, ao racismo, à violência contra mulheres e indígenas, à desigualdade de salários entre homens e mulheres, ao desmatamento da Amazônia.
É fato que esses temas, uma síntese da chamada agenda ESG (que reúne ações de governança nas áreas ambiental, social e corporativa), estiveram presentes durante toda a campanha. Políticas relacionadas ao meio ambiente, à integração social, à diversidade, à inclusão, além da transparência e ética no setor público foram um prato cheio no clima de polarização política que tomou conta do país. Bolsonaristas de um lado, lulistas de outro e a agenda ESG no meio.
Também é fato que, nesse período, a discussão não foi colocada e nem percebida pela população como um pacote ESG. Ficou muito mais como agendas isoladas de grupos “minorizados”. Mas elas estavam lá. E, agora, vista assim, poderíamos cometer o erro de acreditar que a agenda ESG, por si só, tem a garantia de avanço com a força do poder público e que poderemos ser, num curto espaço de tempo, uma Suécia nessa área. Será?
Responsabilidade do setor privado cresceu
Tenho destacado aqui a importância dos fatores “gente” e “comportamentos” quando o assunto é ESG. Sim. Para o tema avançar é preciso sair do campo da teoria para a ação e isso requer compromissos, planos, metas e atitudes. É preciso mudança de cultura social.
O tema ganhou relevância na esfera pública. Acirrou ânimos. Gerou polêmica, mas é preciso ações efetivas para evoluir. O que, na arena política, pode se arrastar com novos embates, sinalizações e comportamentos antagônicos, antes de nos mostrar o caminho efetivo que a temática terá (ou não) no país.
E isso só aumentará a responsabilidade do setor privado para garantir respostas rápidas aos anseios populares e avanços efetivos nessa área, já que a dívida do país nesse campo é grande. A demanda existe, a cobrança popular só aumenta e tende a se traduzir em perfis de consumo mais exigentes em relação aos valores incluídos nessa agenda. O que já estava presente no marketing de muitas empresas precisará ganhar mais força com atitudes concretas.
Na política, o tema seguirá na pauta. Mas em campo, além de um novo Executivo, há um novo Congresso e novos governadores. E vamos lembrar: com atores de destaque no campo lulista e bolsonarista. A coalizão política que sustentará o novo Executivo teve desempenho pior nas eleições estaduais e legislativas em comparação com os aliados do presidente Bolsonaro.
Nomes como os dos ex-ministros Damares Alves (e toda sua teoria de valores da família e de conspiração da ideologia de gênero), Ricardo Salles (polêmico à frente da pasta do Meio Ambiente que volta à cena política com votação superior à da sua adversária Marina Silva, na Câmara dos Deputados) e Eduardo Pazuello (que comandou a Saúde no momento crítico da pandemia da Covid-19) estarão presentes, assim como o ex-juiz Sergio Moro, líder da cruzada anticorrupção que culminou na prisão de Lula.
O debate de ideias e ideologias promete manter as temáticas ESG acesas. Mas quem tenderá a guiar o rumo do Brasil nessa área, no curto prazo, é o setor privado, pelo seu poder de ação e de respostas muito mais rápido. Importante destacar o efeito multiplicador quando uma grande empresa abraça essa agenda de verdade. Ela forma cidadãos que cobram e valorizam posicionamentos de outras empresas e do poder público.
Se você chegou aqui neste espaço agora, a gente já discutiu nas análises anteriores os embates comportamentais no mercado de trabalho atual entre líderes e liderados, fruto da convivência de gerações com diferentes perspectivas diante da vida. De um lado, as gerações dos 40+ e, do outro, as do 40-. Na linha divisória dessa convivência, valores muito claros em relação, por exemplo, à temáticas como as propostas na agenda ESG.
Isso quer dizer que, no setor privado, a polêmica também existe. A diferença é que entre os olhares lulistas e bolsonaristas para os temas ESG há quem arbitre o caminho a seguir. E vamos combinar que, com o mundo competitivo como nunca se viu, a necessidade de sobrevivência ressalta a importância de qualquer empresa ter “a visão do cliente”.
Companhias e lideranças privadas sensíveis a temas como transparência, ética, sustentabilidade, diversidade e inclusão ganharam espaço mesmo diante dos olhares mais conservadores do atual governo. Acredita-se que elas tendem a crescer a partir de agora. Com isso, o poder de resposta do setor privado pode fazer a diferença no avanço do Brasil em relação à agenda ESG. É esperar para ver. Vamos continuar acompanhado aqui. Nos vemos em duas semanas.