Uma proposta feita pela delegação brasileira e aprovada pelos participantes da 10ª Conferência das Partes da Convenção Quadro do Tabaco amplia os caminhos para que países ingressem com ações para responsabilizar a indústria do fumo pelos danos causados pelo tabagismo.
A estratégia prevê a retomada de um grupo de especialistas para reunir informações sobre medidas já adotadas nesta área e, ainda, para desenvolver metodologias para quantificar os gastos com tratamentos de pessoas que adoeceram em razão de produtos ligados ao tabaco.
Um dos representantes da Advocacia Geral da União (AGU) na delegação brasileira da COP-10, Vinícius de Azevedo Fonseca afirmou ao JOTA haver a possibilidade de a instituição participar da retomada da iniciativa.
“Na oportunidade anterior, a AGU esteve representada por um de seus membros. É possível que isso ocorra novamente” disse. A decisão virá quando o Secretariado da Convenção Quadro iniciar os procedimentos para o retorno do grupo. Não há cronograma definido.
Além de facilitar o ingresso de ações de ressarcimento no cenário global, o acordo pode trazer reflexos imediatos para o Brasil. A avaliação é que a recriação do grupo reforça os argumentos da ação civil pública interposta em 2019 pela Advocacia Geral da União para que fabricantes de cigarros reembolsem os gastos do Sistema Único de Saúde com tratamentos de doenças provocadas pelo tabagismo.
Fonseca afirmou ao JOTA que a intenção da AGU nesta etapa da ação é definir a responsabilidade da indústria. Ele garantiu, no entanto, haver metodologias para mensurar o impacto do tabagismo no sistema público de saúde brasileiro.
“O mandato conferido ao grupo de especialistas expressamente endereça a questão das metodologias de quantificação de danos à saúde provocados pelo tabaco. Essa menção expressa às metodologias de cálculo é um reforço oficial da Convenção-Quadro e dos seus Estados Partes a importante argumentação da União”, disse.
O advogado da União Thiago Lindolpho Chaves, que também integrou a delegação brasileira e ao lado de Fonseca acompanha a ação civil pública, afirmou ao JOTA que a ação da AGU pede a cobrança dos gastos realizados nos cinco anos anteriores a 2019 relacionados a 26 doenças que comprovadamente têm relação com tabagismo.
Neste momento, a AGU aguarda manifestação das empresas do tabaco à réplica apresentada pelos advogados da União na ação, que tramita na Justiça Federal do Rio Grande do Sul. “Nosso esforço agora é nos concentrarmos na discussão do mérito. Essa é nossa prioridade. Os valores do ressarcimento ficarão para a etapa de execução”, afirmou Fonseca.
De acordo com Chaves, o pedido indica que, uma vez definida a responsabilidade da indústria pela Justiça, o valor da indenização seja destinado ao Fundo Nacional de Saúde.
A ação proposta pelo Brasil se inspira em exemplos de outros países, como Canadá, que em 2019 confirmou a responsabilidade das empresas do tabaco. Onze anos antes, a indústria firmou um acordo com 46 Estados norte-americanos que pediam indenização pelos gastos com tratamentos de doenças relacionadas ao fumo.
Na decisão do Canadá, juízes concluíram que a indústria agiu de forma deliberada para ocultar prejuízos provocados pelo cigarro.
Documentos internos da indústria do tabaco que se tornaram públicos há pouco mais de 20 anos, mostram que as empresas sabiam, mas negaram publicamente, que cigarro fazia mal à saúde. O material indica ainda que além de saber da relação, empresas conduziam pesquisas sobre o tema, como mostra artigo publicado na Revista Brasileira de Cancerologia.
Fonseca avalia que a criação do grupo de especialistas permitirá que o Brasil compartilhe com demais países que integram a Convenção Quadro a experiência litigando à indústria do tabaco.
Durante a COP-10, realizada na Cidade do Panamá no início do mês, os países parte decidiram também pela discussão sobre o impacto do tabagismo para o meio ambiente. O tópico foi trazido à pauta também por iniciativa do Brasil.
Estudo dos pesquisadores Ítalo Braga Castro e Victor Vasques Ribeiro, por exemplo, mostra o impacto da contaminação de bitucas de cigarro em praias e áreas urbanas da Baixada Santista. As bitucas, afirmam pesquisadores, provoca poluição severa, podendo afetar lençóis freáticos com resíduos perigosos. Uma bituca, pode ter mais de 7 mil compostos.
Fonseca afirma ser precipitado dizer que a experiência com ações relacionadas a danos à saúde possa ser transferida para uma eventual ação por dano ambiental. “O mandato conferido ao grupo de especialistas não prevê tal abordagem. Isso não significa, porém, que não existam métodos de cálculo desses danos e que futuramente a CQCT e seus Estados Partes não possam tratar do tema”, disse.