O Código de Processo Civil (CPC) teve, como uma de suas diretrizes, o incentivo à autocomposição e inseriu, no art. 334, uma audiência de mediação e de conciliação quase obrigatória. Ela apenas não será realizada se ambas as partes manifestarem seu desinteresse na autocomposição ou caso o direito não admita a autocomposição (art. 334, §4º, CPC).
Sendo o caso de realização da audiência e se uma das partes não comparecer injustificadamente, o ato será considerado “ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado” (art. 334, §8º).
Em recente decisão, o STJ fixou uma dessas possibilidades, mas que, na verdade, acaba trazendo diversos problemas.
Vamos a análise do AgInt no recurso em mandado de segurança nº 56.422.[1] No caso, a ré deixou de comparecer pessoalmente a audiência, estando representada por seu advogado, com poderes para transigir. Apesar disso, foi multada pela ausência na audiência no dia 04 de abril de 2017.
Dessa decisão, inicialmente, foi interposto agravo de instrumento, que não foi admitido pelo tribunal local em 31 de maio de 2017. A sentença foi proferida em 23 de maio de 2017, julgado o pedido improcedente. No dia 01 de agosto de 2017, foi ajuizado o mandado de segurança, que acabou chegando ao STJ, ao ser inadmitido no tribunal local.
Para chegar à conclusão sobre o cabimento do mandado de segurança contra a decisão que aplicou a multa, o STJ realizou as seguintes considerações:
i) não seria cabível a interposição do agravo de instrumento, pois a decisão da multa não estaria incluída no rol do art. 1.015 do CPC;
ii) não seria exigível da parte a interposição da apelação pela parte vencedora, uma vez que, a sentença lhe seria favorável e “com a simples interposição do apelo, surgiria a possibilidade de recurso adesivo pelo autor da demanda, reabrindo desnecessariamente toda a discussão de mérito no segundo grau”;
iii) a decisão seria ilegal, pois o CPC, de forma expressa, permite a ausência da parte, desde que presente representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir (art. 334, §10), o que teria ocorrido no caso.
Em resumo, não seria cabível agravo de instrumento e nem apelação. Por conta disso, restaria o caminho da interposição do mandado de segurança, pois a decisão seria ilegal e não seria cabível recurso da decisão judicial.
A partir da decisão, compreende-se que, para o STJ, a decisão que impõe a multa é uma decisão interlocutória não agravável. Por conta disso, ao menos em tese, seria aplicável o art. 1009, §3º, do CPC, fazendo com que a decisão seja impugnável na apelação ou nas contrarrazões. No entanto, no caso, como a parte multada foi vencedora, não teria interesse recursal na interposição do recurso, e, por isso, poderia impetrar mandado de segurança.
Mas resta, de qualquer forma, o questionamento em relação à parte que venha a ser vencida. A partir da leitura do acórdão, apenas seria cabível mandado de segurança quando a parte seja a vencedora. Afinal, caso seja vencida terá amplo interesse para a interposição de recurso da sentença e também da decisão interlocutória não agravável.
Isso gera um problema: no caso, a contagem do prazo foi iniciada da decisão que aplicou a multa, mas, como a sentença ocorreu logo depois, ainda havia tempo hábil para a impetração do mandado de segurança. Mas o que fazer em outras situações nas quais a decisão de aplicar a multa ocorra em momento temporal muito anterior à sentença?
Basta imaginar que a decisão que aplica a multa ocorra em 01 de abril de 2020 e a sentença seja prolatada apenas em 01 de abril de 2021, muito depois dos 120 dias do mandado de segurança. Será que a parte poderá impetrar o mandado de segurança mesmo sem saber se será vencedora ou não no processo? Seria possível afirmar que, nesse caso, não há recurso cabível contra a decisão, já que não se pode adivinhar o resultado do processo?
Talvez um caminho seja, de forma bastante peculiar, determinar que a contagem do prazo seja iniciada não da decisão que aplique a multa, mas apenas da sentença. Afinal, seria apenas a partir desse momento no qual, efetivamente, a parte irá descobrir se tem ou não interesse recursal para a interposição da apelação.
Além disso, há uma outra pergunta sem resposta.
O art. 1.009, §3º, do CPC permite expressamente a impugnação da decisão interlocutória não agravável nas contrarrazões da apelação. A parte que, nesse caso, impetrou mandado de segurança, caso houvesse apelação da parte sucumbente, poderia recorrer da decisão que aplicou a multa nas contrarrazões.
Isso significa que a parte vencedora teria dois instrumentos diferentes para a impugnação da decisão da multa, quais sejam, o mandado de segurança e as contrarrazões? Ou seja, caso deixe de impetrar o mandado de segurança, ainda poderá impugnar a decisão nas contrarrazões?
É preciso destacar que a doutrina não é uniforme na interpretação de qual o mecanismo de impugnação a ser utilizado para a decisão que aplica multa por não comparecimento a audiência de conciliação ou de mediação.
Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha defendem o cabimento do agravo de instrumento, tendo por base o art. 1.015, II, do CPC, referente a decisões interlocutórias que versem sobre o “mérito do processo”. Isso porque multas aplicadas no decorrer do processo seria uma “condenação imposta à parte, ampliando o objeto do processo”.[2]
Para outros autores, seria possível o cabimento da apelação, mesmo no caso em que a parte seja vencedora no mérito. Isso porque a decisão que aplica a multa por ausência na audiência é completamente independente da sentença, pois mesmo que a parte sancionada seja vencedora, permanece a condenação.
Por conta disso, permanece o seu interesse recursal que seria exercido através da apelação.[3] No mesmo sentido é o enunciado nº 67 da CJF, segundo o qual “Há interesse recursal no pleito da parte para impugnar a multa do art. 334, §8º por meio da apelação, embora tenha sido vitoriosa na demanda”.
As duas correntes têm os seus méritos. Nos parece mais adequada a interpretação do cabimento da apelação, pois parece haver um alargamento injustificado do conceito de mérito do processo para que se possa admitir o cabimento do agravo de instrumento.
No entanto, de qualquer forma, são entendimentos que não geram complicações processuais. Se cabível agravo de instrumento, a parte deve impugnar a decisão, sob pena de preclusão. Se cabível apelação, a parte precisará esperar a sentença, seja ela vencida ou vencedora no mérito.
Nada disso ocorre com o entendimento do STJ, que é dirigido apenas para a parte que seja vencedora no processo. Isso porque a admissão do mandado de segurança só pode ser justificada para a parte vencedora, que, supostamente, não teria interesse recursal para apelar apenas da decisão interlocutória.
A parte vencida terá a necessidade de apresentar apelação para poder impugnar a decisão. Dessa forma, criam-se vários problemas para os quais não há resposta, já devidamente apontados no texto e que tornam confusa a contagem do prazo para esse mandado de segurança.
[1] STJ, 4ª T., AgInt no RMS 56.422/MS, Rel. Min. Raul Araújo, j. 08/06/2021, DJe 16/06/2021, info. n. 700.
[2] CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 16 ed. Salvador: Juspodivm, 2019, v. 3, p. 262.
[3] UZEDA, Carolina. Interesse recursal. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 212-217; DUARTE, Zulmar. Comentários ao enunciado 67 da CJF. In: KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino; PEIXOTO, Marco Aurélio; FLUMIGNAN, Silvano José Gomes. Enunciados CJF. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 370-372.