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Tributário

Código de Defesa do Contribuinte: um assunto importante demais para ser urgente

Trâmite do PLP 17/22 deve garantir a participação democrática de seus destinatários

código de defesa do contribuinte
Crédito: Pedro França/Agência Senado

Em março deste ano, o deputado federal Felipe Rigoni (União Brasil-ES) apresentou à Câmara dos Deputados o PLP 17/2022, com o intuito de criar o chamado Código de Defesa do Contribuinte[1].

Conforme a justificação que acompanha o PLP, o texto original teve como inspiração o Tax Payer Bill of Rights, do IRS norte-americano, bem como outras iniciativas legislativas da mesma natureza já apresentadas no Congresso Nacional. Sua diretriz é coibir eventuais excessos da administração na relação entre fisco e contribuintes, alinhando a legislação com a jurisprudência dos tribunais e com o princípio constitucional da livre iniciativa (artigo 170 da Constituição Federal), além de, em suas palavras, corrigir “assimetrias e disparidades na relação contribuinte-cidadão e Fazenda Pública”.

No curso do processo legislativo, o PLP foi designado à relatoria do deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), sendo-lhe atribuída tramitação em regime de urgência urgentíssima, nos termos do artigo 155 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, destinado à deliberação instantânea de matéria considerada de relevante e inadiável interesse nacional.

Nesse formato, ficam dispensados alguns prazos e formalidades legislativas, como, por exemplo, a aprovação do projeto pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), devendo a proposição ser votada em até cinco sessões e remetida ao plenário para votação.

Os procedimentos que marcam o trâmite ordinário do processo legislativo são essenciais para a maturação do projeto, permitindo a análise detalhada do texto normativo e das emendas a ele apresentadas e, consequentemente, seu aprimoramento a partir das críticas e sugestões levadas pela sociedade ao Congresso Nacional.

Tais medidas são indispensáveis quando se trata de norma que, tal como o PLP 17/2022, traz mudanças estruturais ao ambiente tributário, de indiscutível impacto e relevância.

Nesse sentido, citamos como exemplo a garantia de que o contribuinte não terá seus bens apreendidos como meio coercitivo para o pagamento de tributos, bem como a vedação de imposição de sanção pecuniária confiscatória que ultrapasse o montante do tributo.

O texto original do PLP trata também da instituição de pré-auto, da impossibilidade de se atribuir responsabilidade tributária solidária em razão do mero pertencimento a grupo econômico e a necessidade de que seja analisada, no caso da instituição de taxas, a correspondência entre o valor exigido e o custo da atividade estatal, além de prever, no âmbito federal, o fim definitivo do voto de qualidade no Conselho de Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

A relevância e a sensibilidade do tema são evidentes e ficam reforçadas pelas críticas positivas e negativas conferidas ao texto originário do PLP, bem como às 28 emendas apresentadas ao seu texto até o momento. Como reflexo desse cenário, foi realizada pública com entidades representativas da administração tributária e dos contribuintes, resultando na apresentação do substitutivo ao PLP 17/2022, que altera substancialmente o texto original submetido ao Parlamento.

Apesar de encampar iniciativas necessárias e há muito debatidas academicamente — como o prestígio às resoluções alternativas de conflitos tributários e a previsão de incentivos positivos e tratamento diferenciado aos bons contribuintes, em linha com as diretrizes da OCDE —, o substitutivo ao projeto trouxe também relevantes alterações em temas sensíveis e que demandam um debate sereno e cauteloso com a sociedade.

Como exemplo, citamos os artigos 57 a 60 do substitutivo, que alteram as regras de extinção da punibilidade penal em razão do pagamento ou parcelamento do débito tributário (artigos 57, 58 e 59) e estabelecem um novo marco legal de fixação de multas tributárias no Código Tributário Nacional (artigo 60), reforçando a adoção do “paradigma do crime” como instrumento de garantia do cumprimento adequado de obrigações tributárias, em previsão que pretende superar a jurisprudência consolidada sobre o tema[2] sem debate público.

Os artigos 18 a 22 e 29, inciso II, do substitutivo, por sua vez, disciplinam a formulação, resposta e revisão de consultas fiscais tributárias, trazendo previsões que, embora positivas, poderiam ser incrementadas para aprimorar de modo amplo e estrutural esse importante instrumento para redução da incerteza jurídica. A legislação poderia ser alterada para prever, por exemplo, a realização de audiências prévias à formulação da resposta da administração tributária e a possibilidade de sua revisão por órgão colegiado e de formação plural.

O mesmo ocorre com as regras encampadas pelo artigo 6º do substitutivo, que atribui à Fazenda Pública a competência para a criação de programas de conformidade e a classificação de contribuintes, estabelecendo em seu parágrafo único algumas implicações decorrentes do programa, a exemplo da flexibilização de prazos para o cumprimento de obrigações tributárias e o acesso a canais de atendimento simplificados para orientações e regularização de débitos.

A iniciativa é elogiável e de extrema relevância, mas há espaço para melhoria do texto proposto, em especial com relação aos benefícios mínimos a serem concedidos pelo fisco como incentivo à conformidade dos contribuintes. Nessa linha, a previsão trazida pelo substitutivo poderia ser tratada como uma boa oportunidade para a melhoria também de questões envolvendo a renovação de certidões de regularidade fiscal e a facilitação dos meios de garantia do crédito tributário por contribuintes com boa avaliação.

Os exemplos citados acima refletem algumas das muitas questões que, se debatidas de forma ampla, transparente e aprofundada pela sociedade no trâmite ordinário do processo legislativo, viabilizariam que o marco legal de conformidade e cooperação entre fisco e contribuintes seja efetivamente construída em um ambiente de diálogo, inserindo as partes da relação tributária no debate.

Além disso, muitos dos temas tratados no PLP 17/22 também serão objeto de Anteprojetos de lei em fase de elaboração pela comissão de juristas instituída pelo Senado e pelo Supremo Tribunal Federal, a exemplo dos parâmetros para a autocomposição e redução de litígios fiscais. Composta por juristas de formação e experiência plurais, a comissão tem o objetivo de formular proposições legislativas que dinamizem, unifiquem e modernizem o processo administrativo e tributário nacional[3], tendo oportunizado a participação da sociedade por meio de audiências e de consulta pública.

Para alcançar a desejada construção coletiva do Código de Defesa do Contribuinte, com a análise minuciosa de todas as questões previstas no substitutivo, é indispensável que seja convertida a tramitação do PLP — incluído na pauta do plenário a partir do dia 29 de agosto — em regime de urgência para ordinário, possibilitando o diálogo entre os contribuintes, a administração pública, a academia e o Congresso Nacional, e abrindo espaço para que a redação do texto legal reflita a pluralidade de visões que permeiam as relações tributárias.

Afinal, o primeiro passo para a defesa dos direitos dos contribuintes é prestigiar o espírito democrático que permite sua participação ampla no processo legislativo, com a deliberação pelas comissões competentes e análise detida dos substitutivos e emendas que acompanham sua tramitação.


[1] Também chamado por alguns de Código do Pagador de Impostos.

[2] Conforme a jurisprudência consolidada do STJ, “O adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.” (v.g. HC 362478).

[3] Conforme Ato Conjunto dos Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal nº 1/2022, disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9087234&ts=1660771649296&disposition=inline, acessado em 1/09/2022.logo-jota