Consumidor

Proibição de oferta de crédito a idosos via telemarketing se alastra nos estados

No início do ano, STF considerou constitucional lei paranaense que veda a prática direcionada a idosos

crédito telemarketing
Foto: Ono Kosuki/ Pexels

O avanço de golpes por telefone direcionados a aposentados e a má fama das ofertas via telemarketing têm levado à proibição da contratação de crédito por esse canal em diferentes partes do Brasil. A vedação é sobretudo para o público que passou dos 60 anos ou recebe benefício do INSS, e já aparece em legislações estaduais nas cinco regiões brasileiras. A discussão também chegou ao Congresso.

A possibilidade de proibir que um contato telefônico se transforme em tomada de empréstimo bancário ganhou força em maio, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional lei do Paraná que proíbe a oferta e a celebração de contratos desse tipo e à distância com aposentados e pensionistas.

A lei paranaense 20.276/2020 proíbe instituições financeiras e outras empresas que oferecem crédito de divulgar campanhas dirigidas a aposentados e pensionistas, além de estabelecer que a contratação de empréstimos depende de autorização expressa desses consumidores – com assinatura de contrato e apresentação de identidade, por exemplo.

Relatora da ação direta de inconstitucionalidade 6.727, a ministra Cármen Lúcia afirmou na ocasião que a autorização dada somente por telefone aumentaria a exposição a fraudes, abusos e coação por terceiros para a tomada de crédito sem total anuência dos aposentados. Fora os riscos de endividamento excessivo. Na perspectiva de Cármen Lúcia, que foi seguida por todos os outros ministros, a norma seria uma suplementação ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) para proteger um grupo mais vulnerável.

Nesse caso, a preocupação se deve principalmente ao fato de que a população idosa forma a maioria dos aposentados e pensionistas do INSS. Além da defesa enquanto consumidor, essa parcela da população é protegida pelo Estatuto do Idoso (na lei 10.741/2003) e também pela Constituição em seu artigo 230, que dispõe sobre o dever coletivo de amparar as pessoas idosas.

A ação questionando a legalidade da lei, movida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) quase um ano antes, argumentava que havia usurpação da competência da União para legislar sobre propaganda comercial, Direito Civil e política de crédito, além de violar princípios constitucionais da proporcionalidade e da livre iniciativa.

“Haverá uma ruptura na política de crédito formulada pelo Conselho Monetário Nacional [do Banco Central], com uma radical redução na oferta justamente para um dos segmentos da população mais afetado pelos riscos inerentes à pandemia que se atravessa”, afirmou o advogado da Consif, Ricardo Luiz Blundi Sturzenegger, no pedido.

Os argumentos não foram capazes de anular os efeitos da lei – portanto, se pode supor que as premissas não seriam inválidas em outras legislações na mesma linha. Desde então, a proibição de firmar empréstimos em contato por telemarketing com aposentados apareceu em outras leis já aprovadas e em projetos ainda em discussão.

Em agosto, entrou em vigor no Distrito Federal lei que proíbe as instituições financeiras de ofertar e celebrar contrato de empréstimo de qualquer natureza por telefone, ou oferecer cartão de crédito consignado a idosos, aposentados e pensionistas por esse canal. Pelo texto, a desobediência geraria multa de R$ 200 mil por contrato, além da possibilidade de a empresa ter a inscrição estadual cancelada em eventual reincidência.

No Pará, foi sancionada em junho lei, no mesmo sentido, que proíbe a oferta e celebração de contratação de empréstimos para aposentados e pensionistas por ligação. O objetivo seria o de reduzir o risco de fraudes com a utilização indevida de dados pessoais e bancários de idosos.

Com esse mesmo foco, em julho, Santa Catarina passou a ter lei que proíbe instituições financeiras e outras empresas de arrendamento mercantil de conceder crédito na conta de beneficiários do INSS sem autorização direta dos beneficiários. Meses antes, o Procon de Criciúma (SC) havia reunido centenas de denúncias em um período de poucos meses de aposentados reclamando de empréstimos consignados não autorizados por eles. A lei viria para coibir esses abusos.

Apesar das recentes normas, outros estados já contavam com leis antes da decisão do STF. Desde 2019, a Paraíba proíbe tanto a oferta por ligações de contratos de empréstimo financeiro com aposentados e pensionistas. Nesse caso, o maior alvo é contra o endividamento dos idosos, e não fraudes.

“Muitos contratam sem a plena capacidade de conhecimento do que se está contratando e a consequência é o grande acúmulo de processos no Poder Judiciário, bem como o sofrimento do contratante em estar vinculado a prejuízos financeiros, que geram muito estresse e comprometem a sua saúde”, justificou o deputado Ricardo Barbosa (PSB), autor do texto.

Além da Paraíba, Espírito Santo e Rondônia também têm leis que vedam a prática desde 2019. Os três estados tiveram as normas questionadas no STF pela Associação Nacional dos Profissionais e Empresas Promotoras de Crédito e Correspondentes no País (Aneps). As críticas são semelhantes às feitas à legislação paranaense, que não foram acolhidas pelo tribunal.

Além de ferir a competência da União, se diz que as leis iriam contra princípios constitucionais da livre concorrência, da defesa do consumidor, da busca do pleno emprego, da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa. Essas outras ações (ADIs 6.202, 6.203 e 6.418) ainda não foram julgadas.

Nessa perspectiva, há ainda o entendimento de que as leis, ao simplesmente proibir, não seriam capazes de coibir os riscos apontados no acordo por telefone. “O consumidor precisa ser protegido com leis rígidas que punam quem fere os interesses dele com ofertas predatórias. Agora, quando se toma uma decisão que o priva da decisão, se está tutelando, como se ele não fosse suficientemente capaz”, afirma Edison Costa, presidente da Aneps.

Segundo ele, o maior problema, que resulta em ofertas enganosas ou endividamento excessivo, é a atuação de empresas pouco idôneas no papel de correspondentes bancários, até sem devida autorização. “A cadeia deveria parar nos correspondentes ligados às instituições, mas há muitos ‘parceiros’ irregulares, que não deixarão de fazer dezenas de ligações diárias”, diz ele. Além de combater autores dessas práticas, uma alternativa seria melhorar um sistema de assinatura digital que vede a possibilidade de falsidade ideológica.

Além dos estados que já têm leis vigentes sobre a questão, outros discutem projetos – é o caso de Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo. Há ainda propostas municipais, como em Campinas (SP), Fortaleza, Macapá, Salvador, Uberaba (MG). E a proibição pode se tornar nacional, a depender do desfecho de propostas que tramitam na Câmara dos Deputados.

Golpes desafiam telemarketing

Esses movimentos ganham força com o aumento de fraudes e golpes financeiros contra idosos observada na pandemia. No final do ano passado, levantamento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostrou que, desde o início da pandemia, houve um aumento de 60% em tentativas de golpes financeiros contra idosos.

Por isso, neste ano passou a valer uma autorregulação da entidade para mitigar os casos, com conscientização de consumidores e de funcionários para lidar com esse público. Clientes com mais de 60 anos passaram a ter o serviço “Não perturbe”, que é o bloqueio de ligações de telemarketing; e movimentações e transações financeiras suspeitas, atípicas ou recorrentes também devem ser bloqueadas. Outra opção seria o cliente contratar serviços de alerta de transações e movimentações, com cadastro do número de telefone.

Em outra camada, desde julho deste ano, está valendo outra autorregulação da Febraban que poderia proteger clientes considerados especialmente vulneráveis, incluindo por causa da idade, renda, familiaridade com os meios digitais e nível de endividamento. Esses fatores devem ser observados na oferta de serviços.

“A oferta de crédito por telefone, por si só, não permite que o consumidor tenha pleno conhecimento de todas as cláusulas daquela oferta, bem como dos riscos e obrigações envolvidas e manifeste a sua concordância. O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e do idoso justifica uma proteção especial”, avalia Luanna Perdiz de Jesus, advogada especialista em Direito Civil no Perdiz de Jesus Advogados.

Desse modo, com proibições ou não para contratos por telefone, esse público conta com proteção especial tanto na autorregulação quanto em leis nacionais que tratam sobre a tomada de crédito, especialmente o consignado. A Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021), aprovada em julho, traz algumas mudanças nesse sentido.

As ofertas de crédito precisam valer por pelo menos dois dias, permitindo tempo de reflexão e orientação (artigo 54-B), informação que deve ser passada ao consumidor. Nessa lei, foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro dispositivo que permitia arrependimento para empréstimo consignado. Porém o Código de Defesa do Consumidor estabelece a possibilidade de desistência em contratações feitas por telefone em até sete dias.

“O crédito consignado tira a possibilidade de o consumidor escolher o que vai pagar primeiro quando tem dívidas, então pode prejudicar compra de remédios e alimentos, por exemplo. Precisa ser muito pensado. Decisões vedando o assédio a idosos são pedagógicas, como a própria autorregulação que alguns bancos já fazem”, afirma Claudia Lima Marques, professora de Direito do Consumidor, diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Até o final deste ano, está valendo o aumento do limite da margem de crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS de 35% para 40%, conforme a lei 14.131/2021. Esse tipo de oferta de crédito é uma das que mais têm queixas sobre telemarketing.

Procon de São Paulo já recebeu, até agosto deste ano, mais reclamações sobre crédito consignado do que em todo o ano passado. Comparando os oito primeiros meses em 2020 e 2021, o aumento foi de 156%. De acordo com o órgão de proteção do consumidor, a maior parte dos consumidores afirma não ter autorizado o empréstimo e não ter conseguido solucionar o problema com o banco. A nível nacional, em 2020, as ocorrências envolvendo crédito consignado lideraram as reclamações registradas no canal de atendimento Consumidor.gov.br.

Os correspondentes bancários são os principais responsáveis pelas ofertas por esse canal. E, também por isso, os que mais recebem reclamações de clientes. Neste ano, até julho, a Febraban e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) advertiu 239 desses representantes, sendo que 100 tiveram atividades suspensas temporariamente (até 30 dias) e 23 foram proibidos de oferecer produtos e serviços.

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