A juíza Cynthia Thome, da 6ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, atendeu parcialmente os pedidos constantes em uma Ação Civil Pública contra o sistema de reconhecimento facial no Metrô de São Paulo e determinou que as tecnologias de reconhecimento e tratamento de dados biométricos usadas pelo sistema não sejam executadas.
A ação contra o reconhecimento facial no Metrô foi movida em conjunto pelas Defensorias Públicas de São Paulo e da União, pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e por entidades como Intervozes e Artigo 19 Brasil.
Na decisão, a juíza explica que nos documentos do edital de contratação da empresa responsável pelo sistema não foi disponibilizada qualquer informação sobre os critérios, condições e propósitos da implementação do sistema de reconhecimento facial.
“O Metrô, até o momento, não apresentou informações precisas sobre o armazenamento das informações e utilização do sistema de reconhecimento pessoal. Alega que ‘No mais das vezes, no entanto, o tratamento de dados pessoais realizado pelo SME-3 nas estações de Metrô estará ligado à Segurança Pública e/ou atividades de investigação e repreensão a infrações penais no âmbito da Cia., de forma que o caso será de enquadramento no inciso III do art. 4º da LGPD, como tratamento de dado necessário à execução de políticas públicas de segurança”, diz a sentença.
A magistrada afirmou ainda que há uma série de questões técnicas que necessitam ser analisadas sobre o reconhecimento facial no Metrô, porém está “presente a potencialidade de se atingir direitos fundamentais dos cidadãos com a implantação do sistema”.
Segundo as entidades que moveram a ação, o sistema promoverá a captura dos dados biométricos de todos os usuários do Metrô, “medida que se mostra ilegal e desproporcional, pois todas as faces, de todos os usuários, serão lidas, copiadas, medidas e registradas”. Além de inexistirem medidas para obtenção de consentimento ao tratamento de dados pessoais biométricos dos usuários do metrô.
As instituições afirmam ainda que o sistema de reconhecimento facial no Metrô não atende aos requisitos legais previstos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Código de Defesa do Consumidor, no Código de Usuários de Serviços Públicos, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Constituição Federal e nos tratados internacionais.
A decisão contra o reconhecimento facial no Metrô
“A decisão liminar é importante em diversos aspectos. Primeiro, ela fortalece um posicionamento em favor dos direitos fundamentais dos cidadãos, que já vem sendo consolidado em outros casos anteriores sobre o tema, como nas decisões relativas à ViaQuatro e Hering, que também foram condenadas por utilizarem esse tipo de tecnologia invasiva”, avalia Luã Cruz, pesquisador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec.
“Em segundo lugar, a sentença foca em um ponto muito importante e que é costumeiramente negligenciado na implementação de tecnologias de reconhecimento facial: a transparência. O Metrô de São Paulo não tomou medidas necessárias para garantir a segurança dos usuários do transporte público e, se as tomou, nada foi publicizado”, afirma o pesquisador.
Segundo Cruz, o bloqueio das tecnologias de reconhecimento facial no Metrô é importante, pois, muitas vezes, elas são usadas de forma pouco transparente. “Para além dessas questões, continuamos acreditando que a melhor solução é o banimento total dessas tecnologias digitais, diante das evidências de seu uso abusivo e pouco transparente. A capacidade de identificar individualmente e rastrear pessoas mina direitos como os de privacidade e proteção de dados, de liberdade de expressão e de reunião, de igualdade e de não-discriminação”, explica.
A juíza pontua na decisão que é preciso considerar que o contrato administrativo está em vigor, e que houve um grande investimento por parte do Metrô. “Não há dúvida que suspender a execução do contrato no tocante à instalação do sistema poderá gerar prejuízos irreversíveis”, afirma. Por isso, apenas a instalação do sistema foi mantida. Cabe recurso da decisão.
Leia a íntegra da decisão no processo que tramita com o número 1010667-97.2022.8.26.0053