O mundo fora dos autos

5 livros e 1 podcast para entender guinada à direita da Suprema Corte dos EUA

Trabalhos explicam criticamente, em perspectiva liberal, a contrarrevolução constitucional no país

suprema corte dos eua
Manifestantes fazem ato em frente ao prédio da Suprema Corte dos EUA, em Washington. Crédito: Cássio Casagrande

As decisões acentuadamente conservadoras da Suprema Corte dos EUA nas últimas semanas, em temas como controle de armas, aborto, religião nas escolas e regulação ambiental, causaram espanto não só no público americano, mas também em tantos estrangeiros que, de fora, acompanham a vida política do país mais rico e poderoso do mundo. Os julgamentos foram tão incomuns que geraram repercussões em outros países, com líderes políticos internacionais comentando os desdobramentos da radical mudança de jurisprudência da corte, especialmente na reversão do precedente Roe v. Wade.

No entanto, para acadêmicos e jornalistas liberais que vêm observando o comportamento da Suprema Corte nas últimas décadas, a alteração de precedentes longamente consolidados e a guinada ideológica radical à direita não são grande surpresa. Selecionei para o leitor da coluna uma lista de trabalhos nos quais autores consagrados fazem uma análise da atuação da Corte Roberts, a partir de uma perspectiva liberal bastante crítica do comportamento institucional da Suprema Corte nos últimos 50 anos.

“Supreme Inequality: The Supreme Court’s Fifty-Year Battle for a More Unjust America”, Adam Cohen, Penguin Books, 2021

Adam Cohen, formado em Direito pela Universidade Harvard, dedica-se há muitos anos a escrever sobre o sistema político e judicial americano para os mais importantes veículos de imprensa do país. Nessa obra, lançada no ano passado, o autor demonstra como nas últimas cinco décadas a Suprema Corte foi dominada por uma maioria de juízes conservadores, com uma clara pauta de desconstrução da jurisprudência liberal erigida durante a presidência do Chief Justice Earl Warren.

Cohen revisita o plano bem-sucedido (embora inicialmente acidentado) elaborado por Richard Nixon de retomar o controle sobre a Corte, perdido pelos republicanos desde a ascensão de Franklin Roosevelt, cujas escolhas para a suprema magistratura resultariam na construção de uma jurisprudência liberal entre o fim dos anos 1950 e início dos anos 1970. Desde o final do primeiro mandato de Nixon, a Suprema Corte manteve o mínimo de cinco juízes indicados por republicanos, tendo todos os seus presidentes sido escolhidos por esse partido. Cohen faz uma grande viagem pela jurisprudência do período, demonstrando como a Corte reverteu marcos importantes da Era Warren, especialmente em matéria econômica, em julgados que nem sempre ganham os holofotes da mídia. 

“Justice on the Brink: The Death of Ruth Bader Ginsburg, The Rise of Amy Coney Barrett and Twelve Months That Transformed the Supreme Court”, Linda Greenhouse, Random House, 2021

Linda Greenhouse cobriu a Suprema Corte durante décadas para o The New York Times, pelo que recebeu um Prêmio Pulitzer em 1998. Escreveu várias obras de referência sobre a instituição. Atualmente é professora na Yale Law School. Nesse último livro, lançado em novembro do ano passado, Greeenhouse explica como se deu o processo decisivo de indicações de juízes robustamente conservadores durante a administração Donald Trump, com enfoque no processo dramático de escolha de Amy Coney Barrett após o falecimento de Ruth Ginsburg, alteração que levaria à maioria de seis votos de juízes indicados por republicanos, anulando qualquer possibilidade de que o presidente da Corte, John Roberts, desempenhasse dali por diante um papel de moderação, já que inviabilizava a sua possibilidade de exercer o voto pêndulo.

O livro examina de perto as decisões do primeiro ano de exercício de Barrett, revelando como seus votos demonstram a guinada à direita da Corte pós-Trump. O consagrado professor e constitucionalista Laurence H. Tribe classificou a obra como “um lance de gênio”.

“The Agenda: How a Republican Supreme Court is Reshaping America”, Ian Millhiser, Columbia Global Reports, 2021

Ian Millhiser graduou-se em Direito na prestigiosa Duke University e depois de um período trabalhando como assessor de juiz na Justiça Federal do Sexto Circuito, passou a dedicar-se à pesquisa e cobertura da Suprema Corte em temas de direito constitucional para vários veículos da imprensa americana. É um dos críticos mais conhecidos da Corte Roberts.

Em obra sucinta de apenas quatro capítulos em 143 páginas, Millhiser demonstra o comportamento ideológico da Corte Roberts em temas sensíveis aos conservadores americanos: direito ao voto, desmantelamento do Estado administrativo, religião e o direito de recorrer aos tribunais. Sem ignorar eventuais decisões progressistas do período em temas morais (como casamento de pessoas do mesmo sexo), o autor demonstra qual o verdadeiro “núcleo duro” da agenda constitucional conservadora nas últimas décadas, que vem ganhando adesão cada vez maior na Suprema Corte.

“Originalism as Faith”, Eric Segall, Cambridge University Press, 2018

Eric J. Segall é um dos constitucionalistas mais brilhantes e provocativos dos Estados Unidos. Professor na respeitada Georgia State University College of Law, Segall é também um dos maiores críticos do “originalismo”, a (suposta) metodologia hermenêutica preferida por dez entre dez dos juristas conservadores e que está na base da construção da jurisprudência antiliberal da atual composição da Suprema Corte.

Depois de traçar a história do originalismo e sua captura por acadêmicos conservadores nos anos 1970, Segall, além de demonstrar todas as falhas estruturais e incongruências insustentáveis da doutrina, revela como ela foi instrumentalizada para dar uma aparência de neutralidade às decisões da Corte Roberts. O autor destaca como o originalismo foi elevado a “caráter científico” por um projeto político de reação às decisões liberais da Corte Warren, no qual a Sociedade Federalista desempenhou papel essencial. Analisando diversas decisões da Suprema Corte nas últimas décadas, Segall mostra como o originalismo é usado apenas quando conveniente para se obter resultados simpáticos à ideologia conservadora.

“The Authority of the Courts and the Peril of Politics”, Stephen Breyer, Harvard University Press, 2021

Indicado pelo presidente Bill Clinton, Stephen Breyer foi juiz da Suprema Corte desde 1994 até a última quinta-feira (30), quando se aposentou. Integrante do bloco liberal, mas considerado o mais moderado desta ala, Breyer assistiu possivelmente com certo espanto à radical guinada conservadora da Suprema Corte em seu último ano de judicatura.

Talvez já percebendo em seu tribunal os efeitos das batalhas políticas em torno das nomeações dos juízes da Suprema Corte desde o último ano do governo Obama, Breyer proferiu uma palestra na Universidade Harvard no ano passado, advertindo a respeito dos perigos da política sobre a autoridade da corte. O “timing” da sua fala certamente não foi ao acaso. Essa instigante “lecture” foi transformada neste pequeno opúsculo, que parece profético em vários trechos, como este: “Se o público passa a ver os juízes apenas como ‘políticos em togas’, a sua confiança no sistema judicial e no próprio império da lei apenas tende a declinar”. 

The Single Best Guide I’ve Heard to the Supreme Court’s Rightward Shift. The Ezra Klein Show, podcast, The New York Times, 2022

Se você está sem tempo de ler os livros acima indicados, então a melhor forma de entender a virada à direita da Suprema Corte é ouvir a última edição do podcast de Ezra Klein, no qual ele entrevista a professora Kate Shaw, da Cardozo School of Law, que já trabalhou como assessora do Justice John Paul Stevens.

Em uma hora e meia, Shaw disseca as decisões mais importantes da Corte Roberts, com ênfase nas mais recentes. Com viés bastante crítico, a entrevistada impressiona pela clareza da exposição e profundidade de seu poder de análise. Kate Shaw é também coapresentadora do podcast Strict Scrutiny, talvez o mais relevante voltado ao direito constitucional americano.

Sair da versão mobile