Mário Luiz Sarrubbo tem ocupado parte da intensa agenda como procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo com conversas e articulações para derrubar ou ao menos promover amplas mudanças na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 5/2021, que propõe alterações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Em entrevista ao JOTA, Sarrubbo faz críticas a pontos da PEC – chama alguns trechos de “aberração” – e diz que a proposta é uma “intervenção na autonomia e na independência’ dos promotores”.
As mudanças mais polêmicas propostas pelo novo texto incluem a permissão para que o CNMP reveja e desconstitua atos que violem o dever funcional dos membros – o que pode resultar em anulação de investigações do MP ou até mesmo de denúncias. Além disso, permite a anulação de atos de promotores e procuradores, quando o cargo for utilizado “com o objetivo de interferir na ordem pública, na ordem política, na organização interna e na independência das instituições e dos órgãos constitucionais”.
Outro ponto delicado é a indicação do vice-presidente e corregedor do Conselho pelo Congresso Nacional e o aumento da participação do Parlamento na escolha dos conselheiros – de duas vagas para três.
Leia a íntegra da entrevista:
Qual é sua avaliação sobre a PEC?
Do jeito que está posta, ela mata o Ministério Público, é um tiro de morte na instituição, na conformidade do que fez a Constituição Federal em 1988. A Constituição estruturou a instituição para que fosse independente e, com essa independência, pudesse consagrar em prol da população brasileira os direitos sociais nela enunciados.
Com a PEC, do jeito que ela está colocada, nós, sem dúvida, matamos o MP brasileiro naquela conformidade de 1988. O MP está aberto ao aperfeiçoamento interno e externo. Nunca tivemos qualquer restrição ao sistema de controle externo. É importante. Se o Parlamento entender que há a necessidade de aperfeiçoamento, estamos abertos a isso. Não há nenhum problema. O MP não tem nada a esconder.
“A PEC mata a instituição Ministério Público, é um tiro de morte”
Qual é a diferença entre o controle externo e o que essa PEC propõe, então?
O que a PEC prevê é uma intervenção na instituição e não um controle externo. O controle externo é uma coisa. Saber o que estamos fazendo, como estamos agindo, isso pode ser importante até para o aperfeiçoamento da instituição. Mas, a intervenção na autonomia e na independência funcional dos promotores e dos membros da carreira são gravíssimas. Isso, de fato, não concordamos. Você mata a instituição, vem o tiro de morte. Não somos contra qualquer tipo de controle ou que se aperfeiçoe o CNMP , mas não podemos admitir certos aspectos dessa PEC. Alguns aspectos dela são, verdadeiramente, uma aberração, como esse que prevê a possibilidade de correção nos atos da instituição.
Para o senhor, qual é o pior ponto da PEC?
O ponto mais tenebroso é a possibilidade de revisão pelo Conselho dos atos da atividade-fim da instituição. Essa é a pior parte e é uma aberração. Não se sustentaria no STF porque ganha ares de inconstitucionalidade. Embora seja uma emenda constitucional, ela contraria o espírito da Constituição, que criou uma instituição autônoma. Mas, a imposição de que o corregedor-geral seja alguém de fora das carreiras também me parece muito grave.
A PEC prevê que o CNMP envie uma proposta de lei complementar com um código de ética para o órgão em até 120 dias. O que acha dessa parte?
O conselho aprova, e o código de ética é mandado para a discussão no Congresso. Quer dizer: os políticos é que elaborarão o código de ética para o MP. Isso não tem nenhum sentido uma vez que já temos uma lei orgânica e temos os códigos de ética internos. Não vejo que esse seja o problema da instituição hoje. Até parece que temos casos de corrupção de Norte a Sul envolvendo membros do MP. Não tem sentido a elaboração desse código de ética por um conselho composto por membros de fora da carreira.
“Alguns aspectos da PEC são, verdadeiramente, uma aberração”
Por que esse interesse da classe política em aumentar a ingerência no CNMP?
Depois da Constituição de 1988, o MP foi se aperfeiçoando e chegou a um ponto que o combate à corrupção ganhou níveis altíssimos e nós, efetivamente, tivemos posições duras em relação a muitos casos de corrupção envolvendo o Brasil todo. O ápice foi a Lava Jato e todas as questões que a envolveram. Há, de fato, um clima no sentido de se corrigir alguns abusos que possam ter ocorrido lá atrás.
Mas, é como costumo dizer: olha-se para um ou outro abuso e se esquece que o MP é muito maior do que um ou outro equívoco que tenha sido cometido seja pela Lava Jato, seja por outro membro do MP. É como se estivesse tratando uma gripezinha, como se diz por aí, mas você está dando um remédio que mata o paciente. Cura a gripe, mas mata o paciente. Temos que olhar com cuidado. Se queremos o aperfeiçoamento do órgão de controle externo, esse aperfeiçoamento tem que ser construído com muito debate.
A tramitação da PEC tem sido rápida. O que tem achado?
A população e as instituições têm que ser ouvidas. O que não queremos é que a nova conformação do Conselho Nacional seja aprovada de madrugada, em regime de urgência, como tem acontecido com muita frequência no Congresso. Leis importantes para a população, como a Lei de Improbidade, têm sido aprovadas com muita rapidez, na calada da noite, em regime de urgência, quando a urgência é a fome, é derrubarmos a inflação. A população tem urgências, espera do Congresso outras medidas que não essas que estão sendo tomadas.
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O senhor tem conversado com outros procuradores-gerais de Justiça sobre a PEC?
Muito. Estamos em assembleia quase que permanente. Estaremos em Brasília no dia 18 de outubro novamente. Se necessário for, estaremos lá na quinta-feira (14/10). Estamos produzindo uma campanha que vai atingir e esclarecer a população a respeito do que está acontecendo efetivamente com essa PEC 05. Nesta quarta-feira (13/10), temos um ato em todos os MPs estaduais, nas respectivas sedes, alertando a população dos perigos da PEC 05. Há uma perspectiva de que a PEC pode ser votada já na quinta-feira, mas não sei se votam na quinta. Não se sabe. O problema do Congresso também tem sido esse. Você pode ser surpreendido de uma hora para a outra com uma votação importante como essa.
No dia 18 de outubro a ideia é se reunir com quem?
Teremos uma reunião do Conselho Nacional de Procuradores Gerais e, a partir dali, vamos todos no Congresso Nacional para um diálogo presencial e de frente com os deputados, para explicar aos deputados o que queremos, o que é importante para o fortalecimento da instituição.
Mas não há nada marcado com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ou do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG)?
Não, por enquanto não.
“O que a PEC prevê é uma intervenção na instituição e não um controle externo”
Vocês já trabalham com a possibilidade de entrar com ação no STF em caso da aprovação da PEC?
Evidentemente, vamos lutar em defesa da instituição Ministério Público com todas as armas. Ainda tem o Senado e temos a hipótese de judicializar a questão, se necessário for. Eu sou sempre otimista. Acho que o Congresso, em regra, se sensibiliza com essas questões e confio que o nosso Parlamento fará as adequações necessárias ou rejeitará essa PEC para que o MP possa continuar forte na defesa da cidadania.