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Seminário da CNA discutiu relação entre tributos e segurança alimentar

Evento em Brasília, nesta quarta (22/5), abordou particularidades do setor que exigem tributação diferenciada

3º Seminário Nacional de Tributação do Agronegócio. Foto: Wenderson Araujo/ Trilux/ CNA

As peculiaridades da cadeia produtiva do setor agropecuário exigem modelos específicos de tributação – de forma a garantir a competitividade do setor e a segurança alimentar, para os quais benefícios fiscais podem se fazer necessários. 

O assunto foi debatido na 3ª edição do Seminário Nacional de Tributação no Agronegócio, em Brasília, nesta quarta-feira (22/5). O evento foi organizado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), com o JOTA como parceiro de mídia. Durante a programação, os painelistas discutiram aspectos setoriais e sua influência na tributação. 

“A tributação sobre o agronegócio é, muitas vezes, complexa, onerosa e desproporcional aos seus impactos positivos na economia brasileira. Em função disso, precisamos de políticas fiscais e creditícias que reconheçam a importância estratégica da agropecuária”, afirmou João Martins, presidente da CNA, na abertura do seminário. 

Na avaliação dele, essas políticas devem incentivar o crescimento e desenvolvimento sustentável, em linha com o mandamento constitucional previsto no artigo 187 da Constituição Federal. O dispositivo dispõe que a política agrícola será planejada e executada com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes – levando em conta, inclusive, os instrumentos creditícios e fiscais

Martins destacou que o seminário é uma oportunidade para discussão sobre aspectos setoriais específicos da agropecuária, além de analisar o impacto desses aspectos na tributação.

No atual momento, quando se trata de tributação, é quase impossível não mencionar as mudanças no sistema propostas pela Reforma Tributária. O texto aprovado em dezembro do ano passado prevê a unificação de tributos do consumo em um modelo de IVA dual e a simplificação do sistema tributário brasileiro. 

Agora, o tema será alvo de debates para definir a regulamentação – com a definição de alíquotas e a delimitação do alcance dos regimes diferenciados, que preveem redução na carga tributária, por exemplo. 

Para especialistas, as mudanças debatidas trazem avanços, mas há mecanismos propostos pelo governo federal que devem ser mais debatidos na regulamentação – seria o caso do Imposto Seletivo, por exemplo. 

“Precisamos entrar na mesa de negociação e buscar soluções para o setor”, disse o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR). “O sistema tributário atual é um dos maiores gargalos para a produção”. 

O parlamentar foi um dos participantes do seminário. Ao longo da manhã, analistas, especialistas e membros do poder público se revezaram em três painéis que trataram da importância de aspectos setoriais na tributação do agro, além dos desafios para o setor na seara judicial. 

Tributação e segurança alimentar

No primeiro painel, os debatedores se debruçaram sobre aspectos setoriais que impactam na tributação do setor agropecuário, bem como trataram de pontos da Reforma Tributária que dizem respeito à agropecuária e frisaram que a concessão de benefícios tributários ao setor não é um privilégio, mas atende a disposições previstas na Constituição. 

Nesse sentido, a assessora jurídica do CNA, Viviane Faulhaber, ressaltou que a Constituição descreve que a alimentação é um dos direitos fundamentais para se alcançar outro objetivo constitucional, a soberania. Um dos mecanismos para se atingir esse objetivo é justamente a tributação. 

“Esse é um caminho para estruturar a competitividade internacional do agronegócio. A taxa de suporte estatal vai diminuir com a Reforma Tributária. Os países com os quais competimos tratam o setor como estratégico e subsidiam diretamente e indiretamente os produtores”, afirmou. 

Segundo a CNA, em 2023, o setor agropecuário respondeu por 23,8% do Produto Interno Bruto (PIB), além de somar 26,8% dos empregos no país. Entre as exportações, corresponde a 51%. O agro também representa boa parte da arrecadação de tributos: em 2020, foi responsável por 19,3% dos impostos recolhidos na economia brasileira. 

A vice-presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Semíramis de Oliveira Duro disse que o órgão se prepara para receber o contencioso após a implementação da Reforma Tributária. Para tanto, ela contou que o Carf aumentou em 40% o número de julgadores e de turmas, além de ter investido em inteligência artificial para gerenciar os casos de baixa complexidade. 

“São atitudes para reduzir os gargalos”, explicou. “O agronegócio conseguiu manifestar aspectos positivos na Reforma Tributária, um deles é o fato de não tratar os alimentos como qualquer produto e a alíquota da cesta básica nacional será zero. Produtos para alimentação humana terão alíquota reduzida em 60%. É uma grande conquista”.  

Apesar de reconhecer os avanços da Reforma, Oliveira diz que há aspectos que devem ser melhorados. “Em relação à cesta básica, por exemplo, não vi contempladas as proteínas. Outra questão é a não-cumulatividade plena, e também o Imposto Seletivo. A grande questão é a composição da base de cálculo. Vai ter condições de mitigar as conquistas de redução de alíquota para o agro e o que vai penalizar?”, indagou. “Temos de dar nossas contribuições”.

O advogado Pedro D’Araújo reforçou que o agronegócio “representa comida na mesa da população política de segurança alimentar. Também move a economia do país. Tem que se ter isso em mente quando se trata da tributação”. 

Imposto seletivo e meio ambiente 

Outro ponto incluído na Reforma Tributária é o Imposto Seletivo. Está previsto que a carga tributária seja majorada a produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e açucaradas, além de minerais. O recolhimento será mensal e feito pela Receita Federal.  

A mestre em Direito Tributário Bruna Ferrari destacou que a redação atual é subjetiva e deixa margem para ambiguidade. “Em relação ao Imposto Seletivo, tenho receio que haja imposto sobre qualquer produto considerado danoso ao meio ambiente, como fertilizantes, necessários para a atividade rural. Um produto pode ser essencial, mas prejudicial ao meio ambiente”. 

Ela também ressaltou que a legislação atual já prevê incentivos à preservação ambiental, como por exemplo, com a Cédula de Produto Rural Verde (CPRVerde) que compensa os produtores que protegem a vegetação em sua propriedade. “Quanto mais tivermos áreas preservadas, e incentivos para isso, melhor poderemos contribuir. Esse princípio da defesa do meio ambiente já era um princípio inerente à política agrícola com a área de reserva legal e de preservação permanente”. 

Ferrari argumentou ainda que o Imposto Seletivo aumenta a tributação sobre produtos, mas que a política ideal deveria se voltar para o incentivo fiscal. “Uma tributação reduzida induz o comportamento seletivo”. 

Já o professor de Direito Econômico da Universidade de São Paulo José Maria Arruda lembrou que o modelo do Imposto Seletivo é inspirado em iniciativas internacionais como os “Sin Taxes” nos Estados Unidos, que são a incidência de tributos sobre produtos considerados danosos, como cigarro, álcool e bebidas açucaradas. 

Na perspectiva do professor, antes da incorporação desse tipo de exemplo, essas normas devem passar por adaptação. “Aplicar um tributo não é simplesmente virar uma chave. Falta um estudo sobre o que é o nosso país, quanto da tributação incide sobre a cadeia econômica e saber o antes e depois de preços diferenciais”. 

Para Arruda, o Imposto Seletivo não beneficia as áreas que se propõe a proteger. “O Imposto Seletivo não faz nada pelo meio ambiente e a saúde porque não tem destinação específica de receita, não gera receita nova. O efeito imediato é a distorção de preços que interfere na demanda de consumo e repercute na população de baixa renda”. 

Além disso, a aplicação das novas regras tributárias deve considerar as peculiaridades do setor agropecuário, que depende do ciclo da safra, desde o plantio à colheita. É o que alertou o advogado Fábio Calcini. “Benefício ou incentivo fiscal para o agro é a concretização dos mandamentos do texto constitucional, são prioridades do Estado Democrático de Direito, não é favor ou privilégio”.

Julgamentos de tribunais superiores

No último painel, os debatedores discutiram o comportamento de cortes superiores em julgamentos sobre a concessão de benefícios fiscais a produtores rurais e ao setor agrícola e como a atuação do judiciário impacta na tributação.

O diretor-geral da Câmara dos Deputados, Celso Correia Neto, ressaltou que até 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) não havia apreciado o mérito de casos acerca de benefícios fiscais ao setor agropecuário. Ele disse que esses processos colocam em questão o modelo de desenvolvimento rural do país e qual agente deve decidir sobre isso. “Sem conseguir assentar fatos dali em diante, todo debate jurídico parece distorcido”. 

Mais um ponto de discussão foi a extinção de benefícios e incentivos fiscais do setor agropecuário. O advogado Robson Maia Lins ponderou que o setor deveria ter acompanhado esse debate mais de perto para evitar que esses mecanismos fossem alvo da Reforma Tributária. 

“O Supremo e a advocacia não zelaram pelo incentivo fiscal, que é dinheiro na veia das empresas. Faltou gestão”. A alternativa são os incentivos financeiros. “É o novo fronte de batalha: os créditos da não-cumulatividade para incentivos e benefícios fiscais”, comentou. 

Nos tribunais federais há cerca de 50 mil processos que envolvem o agronegócio. É o que informou a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida. “Quanto custa ao estado manter montante de quase 50% do PIB em créditos tributários em litígio?”, questionou a especialista. 

Almeida lembrou de outros casos em discussão no STF, como o do Funrural, discutido desde os anos 1990 e que pode culminar com a inconstitucionalidade da sub-rogação. “Essa discussão do litígio pode impactar mais de 4 milhões de pessoas das classes, C, D e E, com menos acesso a crédito financeiro”, alertou. 

A íntegra das discussões está disponível no YouTube da CNA: 

https://www.youtube.com/watch?v=3UMbPZ6hWGo

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