Pandemia

Por que a transparência deve ser uma necessidade estratégica para o país?

Com transparência e o uso de tecnologias, será possível restabelecer a confiança e credibilidade que os governos tanto precisam

Crédito: Pixabay

A pandemia de covid-19 mostrou aos brasileiros que não é só a doença que pode trazer complicações, mas outras situações podem ser igualmente catastróficas em nossa vida. A falta de transparência no poder público e o desencontro de informações impedem que a sociedade civil possa adotar as melhores medidas de prevenção frente ao novo coronavírus – ao mesmo tempo em que busca alternativas para manter o emprego e a renda da população.

A própria discrepância na divulgação de um dado vital (como a quantidade diária de casos e óbitos da doença) revelou a incapacidade do poder público em manter a clareza de seus atos em situações adversas. Não foram poucas as vezes em que o Ministério da Saúde divulgou um número, mas as secretarias estaduais de saúde anunciavam outro.

O consórcio montado pelos principais veículos de comunicação pretende resolver esse problema, mas é preocupante quando a União, os estados e os municípios não falam a mesma língua. Em um momento como este é essencial ter unidade e, principalmente, lisura no trato com os cidadãos.

A transparência é um importante elemento da atuação política, ainda mais em um ambiente cada vez mais digital. Contudo, mais do que um ideal ou mero discurso, ela só existe enquanto iniciativa. Ou seja: o poder público só é transparente quando adota medidas práticas que permitem o acesso da população a todas as suas informações.

Desde 2011, com a criação da Lei de Acesso à Informação, o Brasil segue positivamente nesse caminho. Nem mesmo as tentativas de ataque e cerceamento ao longo dos anos que esta medida sofreu impediram sua consolidação e utilização por parte da sociedade civil – o que reforça, mais uma vez, que o país está atingindo maturidade política e as instituições funcionam.

A boa comunicação dos atos públicos, sem espaço para dúvidas ou incertezas sobre a veracidade das informações, é o alicerce de toda iniciativa governamental. É com práticas transparentes que os governos conseguem estreitar laços com a sociedade e as empresas na busca por projetos colaborativos e eficientes.

Com mais dados, melhor a percepção sobre a gestão pública

A lógica é simples: quanto maior o acesso da população aos dados e iniciativas governamentais, melhor vai ser a percepção e acompanhamento dos atos públicos, o que permite avaliar se aquela gestão está adequada, ou não, às demandas da sociedade e ao uso consciente do dinheiro público.

É uma medida que aumenta a confiança de empresas e organizações, revertendo em apoio a pautas importantes para o serviço público – ainda mais em momentos de extrema necessidade, como o que vivemos atualmente.

Não faltam bons exemplos durante a pandemia do novo coronavírus. O portal do Open Government Partnership, organização internacional de defesa do governo aberto e transparente, mostra boas práticas, como hackatons para desenvolvimento de projetos com dados públicos na Alemanha e Israel, plataforma de análise de perfis em Cingapura e até mesmo a criação de um chatbot para atender o público e tirar dúvidas sobre a doença, iniciativa realizada na Argentina.

Ainda que o Brasil seja um dos líderes na abertura de dados, é um dos piores no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), elaborado pela Transparência Internacional. No último levantamento, o país ocupou a 106ª posição com 35 pontos, o pior número desde o início da série histórica, há sete anos.

Publicidade de informações não é sinônimo de transparência

Isso acontece por dois motivos. Primeiro: dados abertos facilitam a investigação de órgãos de controle e de veículos jornalísticos. Segundo, ainda que as informações estejam aí, à disposição, não basta jogar tudo em uma plataforma digital na crença de que os cidadãos saberão decifrar a linguagem da gestão pública. Transparência tem a ver com a capacidade de assimilação e entendimento pelas pessoas.

É um paradoxo: o excesso de informações pode levar à desinformação se não houver instrução adequada sobre o uso de dados e evidências. Quanto mais dados estiverem disponíveis, mais fácil para gerar confusão e impedir uma adequada compreensão das informações essenciais à grande maioria da população.

Esta situação leva teóricos a debaterem a influência que os dados possuem na sociedade contemporânea – e a visão é pessimista. Há uma corrente proposta por Nick Couldry, por exemplo, que acredita em novo colonialismo a partir dos dados, com nações e corporações dominantes de acordo com a capacidade de lidar com as informações. Manuel Castells prevê o colapso da democracia como a conhecemos.

Felizmente, a história é um organismo vivo que muda e ressignifica a partir de novas iniciativas. Os exemplos mostram que é possível ser transparente e utilizar as informações de maneira estratégica, garantindo a melhor prestação de serviço à população e possibilitando uma sociedade mais justa e igualitária.

Ainda temos muito o que fazer

Vivemos uma grande transformação na gestão do poder público. Não dá para negar mais a importância que ferramentas tecnológicas têm em nosso dia a dia e a capacidade delas de desburocratizar serviços essenciais à população, garantindo maior eficiência e qualidade no atendimento.

Um dos pilares dessa mudança deve ser a transparência de informações. Aliada à tecnologia em prol do benefício público, será muito mais fácil identificar falhas e desvios, possibilitando que a sociedade possa investigar e até escolher melhor os seus governantes.

Juntas, transparência e o uso de tecnologias, será possível alcançar um objetivo final: restabelecer a confiança e credibilidade que os governos tanto precisam.

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