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STF

O Supremo deve suspender a denúncia contra Temer?

Não cabe ao STF juízo prévio da denúncia oferecida contra qualquer presidente da República

Diego Werneck Arguelhes
18/09/2017|07:33
Atualizado em 19/09/2017 às 10:49

A pergunta tem implicações práticas claras.  A suspensão nesta fase tornará ainda mais difícil, no Brasil, processar um presidente por crime comum. Afinal, antes mesmo que a Câmara possa se pronunciar sobre a denúncia, qualquer preliminar levantada pela defesa terá que ser resolvida pelo Supremo. Cria-se assim mais uma barreira institucional à responsabilização do presidente.

Ou seja, suspender é proteger Temer.

Entretanto, enviar a denúncia para a Câmara não é atacar Temer. É apenas seguir o rito constitucional - que, aliás, já dá uma série de proteções ao presidente:

No caso de impeachment por crime de responsabilidade, qualquer cidadão pode denunciar o presidente. No caso de crime comum, porém, a denúncia só pode ser feita pelo procurador-geral da República. Esta é uma grande barreira inicial, já que o PGR passa por sérios filtros políticos: nomeado pelo próprio presidente, sabatinado e confirmado por uma maioria de Senadores, para um mandato de apenas dois anos.

Da acusação do PGR a uma eventual condenação, a denúncia passa ainda por duas outras instituições.

A Câmara precisa autorizar o processo por 2/3 de seus membros. Este é o quórum mais alto que a Constituição prevê para qualquer decisão legislativa – mais alto que o de emenda constitucional. Uma barreira política difícil de superar.

O julgamento em si caberá ao Supremo. Antes disso, porém, logo após a fase da Câmara, os ministros decidirão se recebem ou não a denúncia – isto é, se há elementos mínimos que justifiquem o julgamento, e se a denúncia contém algum problema formal grave.

É neste ponto que os ministros teriam a primeira chance de decidir, por exemplo, como lidar com os fatos posteriores à delação da JBS. E é neste ponto, e apenas neste ponto, que o controle do timing do processo contra o presidente passará de fato para mãos do Supremo. Não antes.

O Supremo é o terceiro e último a se pronunciar sobre a denúncia. Não há base constitucional para dar a seus ministros o poder adicional da primeira palavra – o poder de filtrar uma acusação feita pelo PGR, retardando ou impedindo que a Câmara exerça sua responsabilidade política.

Na verdade, no Brasil de hoje, há uma grave razão contra a invenção dessa fase judicial prévia.  Falar no “Supremo” como instituição coletiva é pouco além de uma figura de linguagem. Ministros podem tomar (e impedir) decisões importantes sozinhos, às vezes sem controle pelo colegiado. O tempo e o destino de qualquer processo no tribunal depende de uma combinação de ações, estilos e estratégias pessoais de cada ministro.

No caso da denúncia, o relator, ministro Fachin, escolheu enviar a questão rapidamente ao plenário. A presidente, ministra Carmen Lúcia, escolheu colocar logo o caso em pauta. Se a denúncia for suspensa, porém, nada garante que a questão será de fato julgada com velocidade. O ritmo dependerá das complicadas e pouco transparentes interações entre os gabinetes e a presidência, sem nenhum tipo de controle. Mais ainda, um único ministro pode pedir vista e tentar forçar o silêncio do tribunal – e, na prática, da própria Câmara – sobre a denúncia. Um pedido de vista que leve apenas a duração média na prática do tribunalsignificaria o processo voltar ao plenário já na época das eleições de 2018.

Esse seria um arranjo perverso, perigoso e injustificado. Uma minoria de ministros - ou mesmo um único ministro, talvez indicado pelo próprio presidente denunciado - poderia decidir se e quando a denúncia feito pelo PGR chegaria de fato à Câmara.

Mas não é esse, felizmente, o rito adotado pela Constituição.

Pode soar ingênuo exigir que o Supremo “apenas” aplique a Constituição, como se não houvesse necessidade de interpretar o texto constitucional. Há muito espaço para debate sobre o alcance exato das proteções e garantias que a Constituição oferece ao presidente – por exemplo, se o presidente pode ser investigado por fatos estranhos ao exercício do mandato. Contudo, o caso agora em discussão não envolve qualquer cláusula constitucional vaga ou ambígua. Não se trata sequer de interpretar o que a “separação de poderes” exige. Os freios e contrapesos aplicáveis foram claramente previstos no texto constitucional – são muitos, aliás, e já protegem demais o presidente. Respeitar a  “separação de poderes” aqui é simples. Basta seguir a ordem já determinada pela Constituição para que nossas instituições se manifestem sobre uma denúncia contra o presidente.

“O Supremo deve suspender a denúncia?” é, no fim das contas, a pergunta errada. Processar o presidente deve ser tão difícil quanto o rito constitucional expresso exige, e só. Nem mais, nem menos. A pergunta fundamental é: a Constituição dá aos ministros do Supremo, colegiada ou individualmente, o poder de escolher se quando a Câmara se pronunciará? O papel do Supremo nesta fase é apenas aguardar - sem impedir o PGR de exercer sua função constitucional, sem inventar uma nova proteção para Temer, e sem imaginar inéditos poderes para seus ministros.logo-jota