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Supremo

O impeachment de um ministro do STF se aproxima?

Erros do Supremo em suas decisões e em suas posturas não se corrigem com impeachment de ministros

Miguel Gualano de Godoy
26/09/2024|10:50
Atualizado em 26/09/2024 às 14:38
impeachment ministro STF
Fachada do STF com o prédio do Congresso ao fundo / Crédito: Marcos Oliveira/Agência Senado

Eu achei que escreveria este artigo no auge da campanha eleitoral de 2026, ou em 2027. Mas o tema do impeachment de ministro do STF, esperado para daqui a dois ou três anos, vem se antecipando cada dia mais.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro, um articulador político – e provocador – de primeira hora, deu uma longa entrevista à Folha de S.Paulo e mostrou como o tema é candente. E para quem acha que não é, deverá ser. E se não for, fará provocações para que seja.

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Logo depois, veio uma campanha midiática contra o PSD. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) fez um longo vídeo em que busca mostrar como o PSD de Gilberto Kassab tem feito parte do governo Lula e bloqueado a possibilidade de andamento de impeachment de ministro do STF (segundo ele, faltam apenas 5 senadores, e o PSD possui 10). As razões para o impeachment seriam as decisões abusivas do ministro Alexandre de Moraes.

Há quem diga que Ciro Nogueira está em devaneios e equivocado. Há também quem diga que Nikolas Ferreira nem sequer deveria merecer atenção. É verdade. Quem pensa assim tem razão. Mas o contrário tampouco está errado e nem é sua exata oposição. Explico.

Para quem viu Bolsonaro, um deputado federal de baixa relevância, defensor da ditadura militar, da tortura e de torturadores, se tornar presidente, é melhor ter atenção com esse tipo de ameaça. Já vimos outsiders chegarem lá. Também assistimos a discursos radicais e infundados – como o de que vivemos uma ditadura togada, ou o de que as eleições não são livres ou legítimas – ganharem corpo e se tornarem atos concretos violadores da democracia e dos nossos direitos.

Vivemos até uma tentativa de golpe ano passado. Esse é o pano de fundo das falas de Ciro Nogueira e das ameaças de Nikolas Ferreira. De novo: eles não estão certos, mas ignorá-los pode ser um erro ainda pior. Já vimos que isso custa os nossos direitos e pode custar a nossa democracia. Melhor enfrentar os temas difíceis e colocar os pingos nos “is”. Aqui vai a primeira tentativa.

Pedidos de impeachment de ministro do STF têm sido apresentados sem qualquer fundamento legal, apenas por discordância dos senadores quanto a decisões ou posturas de ministros do Supremo. E isso não é admissível nem do ponto de vista jurídico e nem do ponto de vista político. É inadmissível do ponto de vista jurídico porque carece do elemento jurídico-normativo mais fundamental para um impeachment – o cometimento de crime de responsabilidade. E é inadmissível do ponto de vista político porque faz um uso abusivo do poder de contrapeso do Senado.

Impeachment de ministro do STF só cabe para o cometimento de crime de responsabilidade. É preciso que haja claro e inequívoco dolo de fraude às funções jurisdicionais, como alterar decisões já proferidas, participar de julgamento quando estava em situação de impedimento, atuação político-partidária, desídia, ou comportamento incompatível com a honra, dignidade e decoro do cargo (Lei 1.079/1950).

Não basta sequer que eventual decisão judicial esteja errada, ainda que grosseiramente errada. É preciso um crime de responsabilidade, uma conduta que represente fraude à jurisdição ou às funções jurisdicionais, conduta dolosa. A despeito das várias críticas que o STF tem feito força para receber, apesar das críticas às más posturas de seus ministros, não é possível dizer que há dolo para fraudar as funções jurisdicionais.

Sendo ainda mais claro: não é porque senadores discordam das decisões do ministro Alexandre de Moraes contra o X (ex-Twitter), nem porque rechaçam as suas decisões no bojo dos inquéritos, que haja necessariamente crime de responsabilidade.

Esse é um erro grave e suficiente para mostrar porque o impeachment de ministro do STF é incabível. Mas, além dele, também há outro: fazer pedido de impeachment de ministro do STF sem que haja fundamento jurídico (crime de responsabilidade) é um exercício abusivo do poder de freio do Senado. A relação e equilíbrio entre os Poderes nem sempre é pacífica, nem precisa ser tranquila. Mas não pode ser abusiva. Ou seja, um Poder pode frear e conter o outro caso veja excessos e erros em suas atuações. Mas não pode se valer desse poder de freio, de contrapeso, para ameaçar ou para esvaziar indevidamente um outro Poder.

Se assim agir, estará fazendo um uso abusivo, não admitido pela Constituição, da sua competência. E é exatamente isso a que temos assistido. Parlamentares têm feito e propagado discursos com ameaça de impeachment para reagir aos desacordos que possuem com o STF. Não é o contrapeso adequado e nem é o freio de que o STF necessita. Os erros do STF em suas decisões e em suas posturas não se corrigem com impeachment de ministros. E isso não significa ignorar ou passar pano para os desacertos do Supremo.

Temos apontado caminhos normativos e institucionais para as correções das disfuncionalidades do STF. A perda de autoridade e confiabilidade do Supremo passaram a fazer parte da agenda de análise do país (quando olhamos para o STF, vemos lá 11 pessoas que sempre se portam com distância e imparcialidade dos conflitos que julgam? Ainda que discordemos de suas decisões, vemos nos 11 ministros autoridades jurídicas, com decisões bem fundamentadas, ou decisões tomadas ad hoc, dependendo do presidente da República, do partido da vez, do conflito do dia, ou do advogado da causa?).

Temos alertado que ou o STF se emenda, ou poderá ser emendado. A PEC 8/2021 que veda decisões monocráticas é uma solução política e constitucionalmente adequada – ainda que venha apoiada por detratores do STF, seu conteúdo em si é bom e bem-vindo (tratei desse tema aqui e há um bom debate sobre essa PEC no podcast Sem Precedentes).

As sabatinas dos novos escolhidos para o STF podem ser melhores. É verdade que elas têm deixado de ser meramente homologatórias e se tornado bastante extensas, mas não têm sido melhores em seus conteúdos. Senadores têm preferido fazer falas performáticas a perguntas necessárias. E indicados insistem em se esquivar sob a justificativa de que podem ter de vir a julgar o tema em questão e isso lhes causaria pré-julgamento – um argumento errado em forma e conteúdo porque ali é o momento de se questionar e de o indicado responder tudo o que lhe for perguntado sem que isso lhe impeça em julgamento algum no futuro, mas que certamente poderá mostrar a sua coerência ou incoerência de acordo com o que responder e da forma como vier a julgar. É para isso que deve servir uma sabatina, aliás.

Se vivemos um tempo de polarizações, conflitos, debates tão acalorados quanto superficiais, o melhor que podemos fazer é mostrar os erros, apontar rotas de saída, ajudar a construir soluções. Impeachment de ministro do STF é um erro. Caminhos e alternativas de correção para o STF e pelo STF existem e têm sido postos.

É preciso que os ministros do STF se atentem para o que está acontecendo à sua frente e em suas costas. Ou corremos o risco de assistir, pela primeira vez na história democrática, um impeachment de ministro do STF, da forma errada e pelas razões erradas. Não vai ser bom para o STF, para o Poder Judiciário, para a nossa democracia e nem para o país. Não há fundamento jurídico e legítimo para tanto. E aqui escreve um professor que, apesar dos pesares, defende o Supremo e a jurisdição constitucional.logo-jota