
Com o intuito de deter a crescente avalanche de processos judiciais na área da saúde, colocou-se em debate se o rol de eventos e procedimentos da ANS deveria ser interpretado de forma taxativa ou exemplificativa. No dia 16 de setembro de 2021 o STJ discutirá este tema no julgamento do EREsp 1886929/SP de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão.
Já me manifestei em parecer[1] encomendado pelo escritório Camilla Varella Guimarães[2], no sentido de que não se pode concluir que todas as análises ou decisões da ANS sejam limitadas ou meramente exemplificativas.
Mas o ponto em relação ao qual quero chamar a atenção aqui é outro: a discussão interpretação taxativa x interpretação exemplificativa é útil? Vale fazer uma breve reflexão.
A interpretação taxativa seria uma interpretação literal? Ou admitiria maior amplitude de análise? Veja-se que mesmo nos procedimentos de Regulação de Sinistro – fase na qual se avalia o dano e a indenização cabível em cada contrato de seguro e em cada sinistro (de um seguro patrimonial típico como o residencial, por exemplo) – são feitas interpretações mais amplas ou mais restritas sobre as coberturas negociadas, a partir dos fatos ocorridos, ou seja, a depender do caso concreto. Logo, mesmo em contratos típicos de seguro patrimonial, interpretações literais só serão possíveis em casos simples que permitam esta possibilidade.
De outro lado, seria útil concluir pela obrigatoriedade de uma interpretação exemplificativa? O rol da ANS se tornaria uma coleção de procedimentos mínimos a partir dos quais poderiam ser recomendáveis quaisquer outros? Qual pode ser a utilidade disto?
O que parece impulsionar este debate é, na verdade, a intenção de reduzir a judicialização da saúde, o que, em tese, garantiria a sustentabilidade do setor e, por conseguinte, maior possibilidade de acesso dos consumidores aos planos de saúde.
Neste sentido, coloca-se também que a relação de equivalência entre prêmio, garantia e risco que resulta no equilíbrio atuarial da relação securitária deve ser mantida e que o Rol da ANS cumpre sua função de mitigar assimetrias informacionais[3].
Ocorre que o setor de Seguro de Saúde é o clássico exemplo dos manuais de microeconomia quando o assunto é falha de mercado. Neste setor há, não apenas assimetria de informação, mas também seleção adversa, risco moral, seleção de risco, entre outras. Este conjunto de falhas que se acumulam tornam sua regulação extremamente desafiadora. Isso sem falar na sua relação com o Sistema Único de Saúde e os impactos que gera na efetivação do direito à saúde.
Voltando ao rol, de fato, uma de suas finalidades é mitigar parte da assimetria de informação envolvida neste contrato. Para que isto aconteça é necessário observar como o rol foi e continuará sendo construído, qual o grau de transparência e participação social adotado, de modo a reduzir parcialmente a assimetria de informação existente entre operadoras e consumidores até idealmente eliminá-la. Eis o grande desafio.
Por isso, a adoção de uma interpretação taxativa para todo e qualquer evento e procedimento do rol, neste momento, não vai ajudar neste processo. Conforme abordado no parecer já citado, a interpretação taxativa é questionável até mesmo no âmbito do direito tributário, o que dirá na atual lista de procedimentos e eventos da ANS.
A sustentabilidade desses contratos envolve uma análise complexa sobre os limites da cobertura de todas as doenças previstas na CID/OMS, considerando o sistema SUS/Saúde Suplementar. Isto só é possível por meio de um diálogo transparente e democrático com toda a sociedade, pautado no princípio da integralidade.
Portanto, se o que se busca é a sustentabilidade desses contratos, o aprimoramento do processo democrático de incorporação de novos eventos, procedimentos e tecnologias não só na ANS, mas também nos demais órgãos governamentais que cuidam do assunto, é fator fundamental. Só assim será possível avançar no aperfeiçoamento dos contornos dos limites máximo e mínimo do rol da ANS e em outras frentes importantes para a sustentabilidade do setor.
[1] Disponível em: <https://www.amaralbodra.com.br/noticia–parecer-sobre-a-interpretacao-do-rol-da-ans>. Publicado em 24 de março de 2021.
[2] Camilla Varella Guimarães divulgou o parecer em artigo aqui publicado: <https://www.jota.info/autor/camillavarella>.
[3] Conforme Jorge Scarabel em: <https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/rol-da-ans-taxativo-exemplificativo-ex-diretor-10092021>; e Gustavo Binenbojm em: <https://www.conjur.com.br/2021-set-09/binenbojm-rol-procedimentos-ans-carater-taxativo>.