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Lava Jato

STF mantém decisão que anulou condenações de Lula

Maioria referendou decisão de Fachin, mas novo local dos casos de Lula - se Brasília, se SP - fica para a próxima semana

Ana Pompeu, Hyndara Freitas, Luiz Orlando Carneiro
15/04/2021|19:27|Brasília
Atualizado em 15/04/2021 às 19:49
voto de qualidade
Crédito: Jessica Mendes

O Supremo Tribunal Federal (STF), referendou, por maioria, a decisão do ministro Luiz Edson Fachin que declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar os casos do ex-presidente Lula, e consequentemente anulou todas as condenações dele feitas pela Justiça Federal do Paraná. O plenário retoma o caso na próxima quinta (22/4). Desta forma, Lula segue elegível.

No total, oito votos foram dados pela incompetência da Vara de Curitiba, e três por derrubar a decisão do relator, Edson Fachin, que votou por manter a decisão dada por ele. Alexandre de Moraes concordou com Fachin, mas entende que os casos devem ser enviados à Justiça Federal de São Paulo. Assim, a corrente majoritária ainda não definiu de quem é a competência para os casos.

Na próxima semana, o colegiado segue o julgamento, quando vai definir para onde enviar os casos: se Brasília, como o relator decidiu, ou se São Paulo. Isto porque, até o momento, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia adiantaram os votos, mas disseram que preferem debater para onde declinar os casos na próxima sessão.

A ministra Rosa Weber teria sido a última a votar na sessão desta quarta. A proposta do presidente Luiz Fux era a de que os ministros se reunissem pela manhã da próxima quinta-feira (22/4). Na ocasião, no entanto, haverá sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, o ministro Luís Roberto Barroso teve de deixar a sessão por um período.

Mas os ministros preferiram votar de forma mais rápida e alguns optaram adiantar os votos, como Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e o próprio Barroso, que retornou para votar. Assim, Fachin foi acompanhado por Moraes, Rosa, Dias Toffoli, Gilmar, Lewandowski, Cármen e Barroso. Nunes Marques abriu divergência para dar provimento ao agravo da PGR e reformar completamente as anulações e foi seguido pelo decano Marco Aurélio e Fux.

Três partes

O plenário dividiu o julgamento em três partes. Uma foi julgada na quarta-feira (14/4), quando foi decidido que o plenário iria apreciar o feito, e não a 2ª Turma, ainda que não tenha tido decisão anterior da 2ª Turma, apenas monocrática de Fachin. A defesa de Lula havia questionado a opção de Fachin de afetar o caso ao plenário, argumentando que a Turma era quem tinha competência para a análise.

Nesta quinta, os ministros julgaram agravo da PGR contra a decisão de Fachin sobre a incompetência de Curitiba. Os dois agravos foram negados. Na próxima sessão, o STF vai decidir sobre a perda de objeto do Habeas Corpus sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro.

Neste ponto, Fachin, na decisão sobre a incompetência, acrescentou que outros Habeas Corpus e pedidos da defesa de Lula relativos aos processos que estavam em Curitiba teriam perdido o objeto. Como o HC da suspeição já havia tido o julgamento iniciado, a 2ª Turma deu seguimento à análise e declarou o ex-juiz Sergio Moro suspeito no caso do triplex do Guarujá.

Fachin

A sessão teve início com o voto de Fachin, que reafirmou os argumentos de sua decisão, no sentido de que, em sua decisão, se curvou ao entendimento que o Supremo tem firmado nos últimos anos, no sentido de limitar a competência da 13ª Vara de Curitiba apenas aos casos que investigam crimes exclusivamente em detrimento da Petrobras. Os casos de Lula, para Fachin, são mais abrangentes, por isso reconheceu a incompetência.

O ministro lembrou, em especial, o julgamento de ordem suscitada no Inquérito (Inq) 4.130, em 2015. Neste caso, o STF decidiu manter no tribunal apenas a investigação contra a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), investigada pelo suposto recebimento de quantias da empresa Consist, e remeter à Justiça Federal de São Paulo a investigação contra pessoas sem prerrogativa de foro. Em questão de ordem, ficou decidido que como as empresas envolvidas no suposto esquema se situavam em São Paulo, era daquele município a competência e que apenas os processos que se referiam somente à atos contra a Petrobras é que deveriam ficar em Curitiba.

De 2015 para cá, a 2ª Turma do STF tem adotado o mesmo entendimento para decidir sobre o juízo competente para processar e julgar casos de corrupção da Lava Jato. Agora, Fachin explicou, o mesmo entendimento deve ser aplicado a Lula: como os supostos ilícitos de Lula teriam ocorrido em Brasília e são relacionados a outras empresas que não a Petrobras, é da Justiça Federal do Distrito Federal a competência.

Fachin destacou que, de acordo com o MPF, a celebração fraudulenta de contratos entre a Petrobras S/A e o Grupo OAS contou com a participação do ex-presidente Lula, enquanto ele era presidente da República. De acordo com as investigações, Lula teria sido beneficiado com bens e valores, submetidos a processo de ocultação ou distanciamento de suas origens ilícitas.

O ministro afirmou que a conduta atribuída a Lula, que é a nomeação e manutenção de agentes que aderiram aos propósitos ilícitos do grupo criminoso em cargos estratégicos na estrutura do Governo Federal, "não era restrita à Petrobras S/A, mas a extensa gama de órgãos públicos em que era possível o alcance dos objetivos políticos e financeiros espúrios".

Fachin ainda rebateu os argumentos da PGR contra a extensão do entendimento aos casos do sítio de Atibaia, do terreno do Instituto Lula e das doações ao Instituto Lula. Para o relator, "em todos os casos as denúncias foram estruturadas da mesma forma" daquela ofertada no caso triplex, "ou seja, atribuindo ao paciente o papel de figura central do grupo criminoso organizado, com ampla atuação nos diversos órgãos pelos quais se espalharam a prática de ilicitudes, sendo a Petrobras S/A apenas um deles".

Nunes Marques

O ministro Nunes Marques abriu a divergência, votando por dar provimento ao agravo da PGR e derrubar a decisão de Fachin, declarando a 13ª Vara Federal de Curitiba competente para julgar Lula. Para ele, ”os fatos versados nas ações penais descritas estão, de fato, associados diretamente ao esquema criminoso de corrupção e lavagem de dinheiro investigado no contexto da Operação Lava Jato cuja lesividade veio em detrimento exclusivamente da Petrobras''. Assim, estaria justificada a competência daquele juízo.

Para o ministro, estão presentes no caso tanto a conexão subjetiva quanto a objetiva. “Foi uma investigação dos primeiros crimes [entre construtoras e Petrobras] que coletou provas que levaram ao conhecimento da segunda onda de crime. Marques afirmou que, mesmo que considerasse a 13ª Vara Federal de Curitiba incompetente, entendeu que “eventual prejuízo para a defesa não foi demonstrado”, e que por isso, as condenações não deveriam ser anuladas em caso de deslocamento do processo.

“Na pior das hipóteses, o deslocamento do feito deveria ocorrer no estado que o processo se encontra, preservados os atos decisórios ou, no mínimo, as provas produzidas. Atribuir a uma alegada incompetência relativa a eficácia, para anular integralmente um processo, desde o recebimento da denúncia, após mais de cinco anos de seu início com recebimento da referida peça acusatória, que já foi julgado em várias instâncias, com vários HCs apreciados e rejeitados, inclusive por este STF, ia dar-lhe uma dimensão jamais vista em âmbito jurisprudencial. A preservação dos atos decisórios ou no mínimo das provas produzidas seria o razoável a se fazer em caso de ser adotada tal solução”, disse.

Marques concluiu no sentido de que a competência de Curitiba é justificada diante dos documentos apreendidos com os acusados, principalmente no caso do contrato da Petrobras relativo às obras da refinaria Presidente Getúlio Vargas na região metropolitana de Curitiba, “de onde saiu parte das vantagens indevidas direcionadas a Lula” e dos documentos que demonstram “que de fato a propriedade do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia que foram reformados com verbas utilizada dos valores indevidamente adquiridos, abastecidos por contratos com a Petrobras, incluindo a refinaria de Curitiba”.

Alexandre de Moraes

Na sequência, começou a votar explicando o porquê de o STF julgar este assunto neste momento. "Pode-se perguntar: mas apenas agora? Sim, porque agora chegou ao STF. O Poder Judiciário é uma pirâmide", disse. Para ele, às vezes os tecnicismos confundem quem não está habituado ao direito, mas que este é uma das mais importantes garantias do devido processo legal: a garantia do juiz natural.

De acordo com ele, pela primeira vez, a Constituição Federal de 1988 introduziu essa proteção no texto, tanto no inciso 37 quanto no 53. "É a primeira vez que é plenamente possível a esta Corte analisar se o princípio do juiz natural, que não é uma regrinha de estatuto, de portaria, se foi ou não respeitado", enfatizou.

"Todos têm o direito de ser julgado por um juiz escolhido mediante regras prévias de distribuição, regras legalmente previstas para se chegar a um juiz A, ou B. Isso para evitar que a defesa ou a acusação possam escolher o juiz. Garante a neutralidade e a imparcialidade do juiz, que não pode escolher nem ser escolhido. São regras objetivas que levam à escolha de determinado juiz", disse.

Para o ministro, alegações genéricas de que uma organização criminosa atua em várias frentes, pratica corrupção, peculato, lavagem de dinheiro com várias empresas, sem identificar a relação específica caso a caso não serve para fixar competência.

"Os atos concretos é que devem ser analisados. Não há conexão em qualquer das suas espécies simplesmente porque empresas têm contratos entre si e empresas pagam ou são acusadas de pagar propinas a agentes públicos. Todo mundo que, em algum momento, tem um contrato com a Petrobras recebeu alguma vantagem, 13a Vara de Curitiba! Falou Petrobras? 13a Vara de Curitiba", ironizou Moraes.

O ministro afirmou que, ao analisar detalhadamente cada denúncia dos quatro casos de Lula que foram processados em Curitiba, e cada uma com centenas de laudas, em nenhuma das denúncias nem o MP e nem o juiz Sergio Moro ao condenar apontou que o dinheiro era da OAS ou da Odebrecht em um contrato específico da Petrobras.

"Não se disse: 'o ex-presidente recebeu 1% do contrato número tal porque foi prometido que se pagasse o Sitio de Atibaia ele daria o contrato para a Petrobras. Aí teríamos conexão", explicou o ministro. O que não significa, seguiu, que os fatos ocorreram ou não ocorreram, mas que cada fato deve ser analisado nas suas características.

Moraes divergiu, no entanto, da decisão de Fachin de encaminhar os casos ao Distrito Federal. Ele citou o art. 70, segundo o qual "a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução", e afirmou que, nos quatro casos, as situações ocorreram em São Paulo.

Último a votar, o presidente entendeu importante fazer uma ressalva: o julgamento não tem como consequência o fim da Lava Jato. "Num primeiro plano, sob o aspecto interdisciplinar, eu gostaria de aderir a preocupação que o ministro Marco Aurélio e, agora o ministro Luís Roberto Barroso, quando aduz essa decisão não terá efeito sistêmico, para esclarecer, de maneira muito simples, essa decisão não derrui a operação Lava Jato. É apenas uma decisão referente aos casos específicos a que ela se refere."logo-jota