Fernando Vernalha
Doutor e mestre em Direito do Estado (UFPR). Professor de Direito Administrativo de instituições diversas. Foi pesquisador visitante na Columbia University School of Law. Advogado e sócio fundador do Vernalha Pereira
Tradicionalmente, tem prevalecido no desenho dos contratos de obra pública uma estreita margem de autonomia para os contratados implementarem adaptações e inovações metodológicas e de engenharia ao longo de sua execução.
Embora a Lei 14.133/21 tenha acolhido diferentes regimes de execução para contratados de obra pública, admitindo-se margens mais ou menos amplas de sua autonomia para a definição de soluções técnicas de projeto, a opção mais usual tem sido a de disponibilizar-se, com a licitação, um projeto básico completo e vinculante, com a prevalência de obrigações de meio a serem executadas fielmente pelo contratado.
Este modelo é orientado pela premissa de que quanto maior o nível de informação sobre o projeto disponibilizada aos participantes da licitação, mais isonômica será a disputa.
Mas nem sempre um projeto excessivamente detalhado será a melhor opção regulatória. Em muitos casos, transferir-se ao contratado o encargo de elaborar o projeto básico ou de definir certas soluções técnicas pode significar uma modelagem mais eficiente para a execução do contrato.
A Lei 14.133/21 acolheu pelo menos três soluções regulatórias distintas para definir a modelagem dos contratos de obra pública neste particular: o regime de contratação integrada, o regime de contratação semi-integrada e o estabelecimento de obrigações de resultado.
Por meio da adoção da contratação integrada, atribui-se ao contratado o encargo de elaborar o projeto básico, assim como os riscos que lhe são inerentes. A disputa licitatória, neste caso, contenta-se com um anteprojeto, que é disponibilizado previamente pela Administração Pública e serve de parâmetro para a formulação das propostas pelos licitantes.
Embora se reconheça que a ausência de projeto básico possa tornar a licitação mais desafiadora, o regime de contratação integrada pode conduzir, em muitos casos, a uma contratação mais eficiente quando comparado aos regimes convencionais de empreitada.
Afinal, estando bem definidas as funcionalidades da obra e os resultados esperados por meio do anteprojeto de engenharia (obrigatoriamente disponibilizado com a licitação), as soluções de engenharia e de metodologia mais eficientes tenderão a refletir-se nas propostas apresentadas na licitação. Aqueles participantes que conceberam soluções mais eficientes para o projeto básico tenderão a ofertar preços mais vantajosos para a execução da obra, transferindo sua eficiência para a Administração Pública por meio da licitação.
Já a contratação semi-integrada, dada a disciplina conferida pela Lei 14.133/21, não terá a mesma vocação para gerar ganhos de eficiência à execução contratual. Este regime pressupõe a disponibilização de projeto básico completo para fins da licitação, admitindo-se a substituição de soluções de tecnologias e metodologias propostas pelo contratado ao longo da execução da obra, desde que demonstrada a sua superioridade em relação àquelas definidas no projeto.
O problema é que a substituição destas soluções exigirá o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, nos termos do artigo 133, III. Se assim é, tais soluções não serão incorporadas antecipadamente nas propostas apresentadas no âmbito da licitação. Isto é: os ofertantes acabarão por precificar o projeto original, ainda que possam vislumbrar soluções mais eficientes e econômicas para a execução da obra. Isso eliminará os ganhos de eficiência que poderiam ser gerados por meio da licitação, conduzindo a Administração à adjudicação de propostas mais onerosas.
É verdade que as soluções eventualmente implementadas ao longo da execução da obra necessariamente gerarão compensações econômico-financeiras à Administração, por meio do reequilíbrio contratual. Mas nem sempre o contratado terá incentivos a propor a substituição destas soluções. Isso dependerá da identificação de vantagens indiretas que possa vir a ter com a implementação das inovações de projeto.
Por isso, não nos parece que o regime de contratação semi-integrada possibilite uma estrutura de incentivos que conduza a contratações mais eficientes, quando comparada a opções regulatórias que assegurem maior autonomia ao contratado para a definição de escolhas técnicas relacionadas às soluções de projeto.
Uma terceira possibilidade para o desenho desses contratos está no estabelecimento de obrigações de resultado (artigo 6º, XXVII, b, Lei 14.133/21). Sob tal arranjo, o contrato deverá estabelecer as frações do objeto em relação às quais a contratada disporá de autonomia para inovar em soluções metodológicas ou tecnológicas para alcançar o resultado esperado.
Neste caso, embora haja a obrigatoriedade de disponibilização, pela Administração, de um projeto básico completo, há margem de autonomia ao contratado para alterar e substituir as escolhas técnicas inerentes àquelas parcelas. Por isso, estas alterações não geram a necessidade de reequilíbrio contratual, pois estão na esfera de riscos e responsabilidade do contratado.
Desta forma, os ganhos de eficiência obtidos com as eventuais escolhas técnicas mais econômicas e racionais do contratado, em substituição àquelas indicadas no projeto original, estarão refletidas nas propostas apresentadas no âmbito da licitação. Havendo um processo licitatório transparente e competitivo, esta eficiência tenderá a ser capturada pela Administração. Logo, o estabelecimento de obrigações de resultado pode representar a opção regulatória mais indicada para as porções do projeto cuja execução admita múltiplas possibilidades técnicas.
Ainda em relação à esfera de autonomia do contratado para alterar indicações do projeto, uma questão mal resolvida tanto no desenho dos contratos quanto no âmbito da delimitação de responsabilidades ao longo de sua execução é a hipótese de substituição, pelo contratado, dos meios de execução da obra.
Estes não se confundem com soluções metodológicas ou de engenharia, mas consistem em diferentes formas de prover os insumos e serviços inerentes à execução da obra. São meros meios de execução, sem repercussões técnicas relevantes na qualidade da obra, como os serviços de concretagem ou de terraplanagem. A forma e o modo como tais serviços serão providos não importa para o resultado da obra.
Faz sentido que tais meios sejam geridos pelo contratado dentro de sua margem de risco e de autonomia para a execução da obra. Ocorre que, nos casos de regimes de execução em que há a obrigatoriedade de precedência do projeto básico, a documentação da licitação invariavelmente indicará os meios de execução inerentes à realização da obra, dada a necessidade de sua orçamentação.
A confecção do orçamento pressupõe uma simulação de todas as aquisições de insumos e serviços instrumentais à execução da obra. Mas tais indicações não devem ser reputadas como vinculantes ao contratado, evidentemente. Fossem vinculantes, os licitantes que possuíssem meios de execução mais eficientes não os considerariam em suas propostas, deixando de ofertar preços mais econômicos. Isso conduziria à adjudicação de propostas mais onerosas pelas Administrações.
Apesar de bastante óbvia esta constatação, tem prevalecido concepção diversa no âmbito dos órgãos de controle. Veja-se, por exemplo, o Roteiro de Auditoria de Obras Públicas desenvolvido e aprovado pela Portaria-SEGECEX 33/12 do Tribunal de Contas da União (TCU), de observância obrigatória pelas unidades técnicas. O entendimento refletido nesta portaria é o de que os meios de execução adotados pelo contratado durante a execução da obra, quando distintos da planilha de quantitativos e do orçamento da licitação, e quando mais econômicos do que esses, devem ensejar o dever de reequilíbrio contratual em favor da Administração, sob pena de caracterização do superfaturamento.
Esse entendimento desincentiva a oferta de propostas vantajosas à Administração, pois conduz a que os licitantes deixem de refletir em suas ofertas eventuais ganhos de eficiência que decorreriam da adoção de meios de execução mais eficientes do que aqueles indicados com as planilhas que instruem a licitação. Trata-se, com o devido respeito, de um entendimento economicamente irracional e juridicamente descabido, por prestigiar a prática de contratações mais onerosas e desafiar os princípios da economicidade e da eficiência.
Faz sentido, portanto, que, em todos os casos, ao contratado seja assegurada margem de autonomia para a definição dos meios de execução. Para evitar dúvidas e disputas em torno da questão ao longo da execução do contrato, é importante que os contratos disponham claramente sobre isso.
Lidar com inovações metodológicas na execução de contratos de obra pública exige cautela e reflexão da Administração sobre as ferramentas disponibilizadas pela Lei 14.133/2021 para endereçamento do tema. Conceder maior autonomia aos contratados quanto às soluções técnicas e metodológicas a serem empregadas pode contribuir para o alcance de resultados mais efetivos e eficientes. Para isso, é fundamental que a inteligência da nova lei seja incorporada ao design do contrato e à interpretação dos órgãos de controle.